"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 25 de junho de 2016

QUEM IRÁ ESCREVER O FUTURO DA FRANÇA?



Os livros sugerem que o clima de pânico já passou, sendo substituído por uma época de graciosa capitulação.

Dois romances franceses de grande repercussão, diferentes quanto ao tom e ao timing, retratam duas influentes visões da França no futuro. Não se trata apenas de boa leitura (ambos já foram traduzidos para o inglês), juntos eles estimulam o pensamento sobre a crise da imigração no país e as mudanças culturais.
Jean Raspail (1925-) imagina a invasão racial vinda pelo mar, por meio de jangadas e botes partindo do subcontinente indiano navegando vagarosamente, inexoravelmente rumo ao sul da França. Em Le Camp des Saints (O Campo dos Santos, 1973), ele primordialmente documenta a impotente reação francesa, tomada pelo pânico, à medida que a horda (palavra usada 34 vezes) "continua engrossando ainda mais suas fileiras".
É uma perfeita fantasia antiutópica sobre a raça branca e a vida européia que corresponde aos receios articulados por ninguém menos que Charles de Gaulle, o principal político da França pós-guerra, que dava cordial acolhimento a cidadãos franceses não brancos, "desde que permanecessem uma pequena minoria. Senão, a França deixará de ser a França. Afinal de contas, somos todos, acima de tudo, um povo europeu de raça branca".
Camp também antecipa a noção da "Grande Substituição" (Le Grand Remplacement) conceitualizada pelo intelectual francês Renaud Camus, que antecipa a rápida substituição "do histórico povo do nosso país por povos de origem imigratória que são em grande medida não europeus". É o mesmo receio, a grosso modo – dos imigrantes passarem o povo francês autóctone para segundo plano e se apoderarem do país – que inspira o partido Frente Nacional, que já atinge índices de 30% dos votos nas pesquisas de opinião e continua crescendo.
Michel Houellebecq (1956-) conta a história, não de um país (França), mas de um indivíduo (François) em estado de Soumission (Submissão, 2015). François é um professor já cansado, decadente, do movimento decadente da literatura francesa. Ele não tem família, amigos nem ambição; embora tenha somente quarenta e poucos anos, sua vontade de viver se deteriorou e chegou ao tédio a ponto de se alimentar de pratos prontos e uma sucessão de troca de parceiros sexuais.
Quando um político muçulmano, ostensivamente moderado, inesperadamente se tornar presidente da França em 2022, uma série de mudanças radicais na vida francesa tomarão forma rapidamente. Em uma guinada, o que começa de forma sinistra (um corpo em um posto de gasolina) mais do que depressa se torna em algo bom (deliciosa comida do Oriente Médio). Atraído por uma boa e recompensadora oferta de trabalho com a vantagem poder conhecer e casar com várias estudantes, todas cobertas com véus, François imediatamente abandona seus antigos costumes e se converte ao Islã, que lhe promete recompensas de uma vida suntuosa, exótica e patriarcal.
Se por um lado o romance de 1973 nunca menciona a palavra Islã ou muçulmano, em contrapartida o romance de 2015 se atem às duas – começando pelo título: Islã que em árabe significa "submissão". Da mesma forma, o primeiro livro tem como foco a raça enquanto o segundo praticamente não toma conhecimento dela (a prostituta favorita de François é do Norte da África). A tomada de poder da primeira obra termina de forma diabólica, a outra de forma agradável. O primeiro livro é um tratado político apocalíptico disfarçado de entretenimento, o segundo apresenta uma visão literária e sardônica no tocante à perda da força de vontade sem também expressar qualquer ânimo em relação ao Islã ou aos muçulmanos. O primeiro documenta uma agressão o segundo um consolo.
Os romances capturam duas importantes e praticamente contraditórias correntes do pós guerra: a atração exercida pela Europa livre e rica nos povos remotos e empobrecidos, principalmente muçulmanos; e a atração de um Islã vigoroso em vez de uma Europa pós cristã enfraquecida. Em ambos os casos, a Europa – apenas 7% do território mundial, contudo a região dominante por cinco séculos, de 1450 a 1950 – está prestes a perder seus costumes, cultura e convenções sociais, se tornando uma mera extensão ou até dependente do Norte da África.
Os romances sugerem que a alarmante preocupação expressada décadas atrás (multidões de pessoas furiosas e violentas de pele escura) se torna lugar comum e até benigna (as universidades do Oriente Médio pagam salários mais altos). Sugerem que o clima de pânico já passou, sendo substituído por uma época de graciosa capitulação.
Uma visão do futuro que já passou.
Camp causou furor na Direita quando do lançamento do livro, os dois livros, no entanto, abordam temores muito mais disseminados nos dias de hoje; a republicação de Camp em 2011 saltou para o topo da lista de best sellers na França e Submissão simultaneamente se tornou o best seller nº 1 quatro anos depois na França, Itália e Alemanha.
Um hiato de quarenta anos separa os dois livros; se saltarmos mais 42 anos, que tipo de história poderá contar um romance futurista publicado em 2057? Intelectuais como Oriana FallaciBat Ye'or e Mark Steynassumiriam a vitória do Islã e a caça aos poucos remanescentes franceses da fé cristã. Minha previsão, no entanto, é praticamente contrária a essa: um relato que assume o fracasso da grande substituição de Camus, imaginando a violenta repressão aos muçulmanos (nas palavras de Claire Berlinski) "liberando os franceses da ofuscação da história européia" acompanhada pela reafirmação nativista francesa.


Publicado no The Washington Times.


25 de junho de 2016
O Sr. Pipes (DanielPipes.org@DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum. por Daniel Pipes © 2016. Todos os direitos reservados.
Tradução: Joseph Skilnik

Nenhum comentário:

Postar um comentário