Numa noite calma no Leblon, bairro que tem o metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro, o ex-governador Sérgio Cabral caminha, discreto, em direção ao prédio onde mora. Àquela hora, pouco depois das 22 horas, não há muita gente na rua. Dois homens, não se sabe se amigos ou seguranças, o acompanham. No auge das manifestações ocorridas no Rio, em 2013, aquela era uma das regiões mais conturbadas da cidade, uma Faixa de Gaza para Cabral. Havia ali um acampamento, o “Fora, Cabral”, que pedia sua renúncia. Confrontos entre policiais e manifestantes eram frequentes a ponto de lojas fecharem e agências bancárias serem depredadas. Durante aquele período tenso, Cabral e sua família nem podiam pensar em caminhar até o imóvel. Três anos depois, sem o peso do cargo, Cabral caminha quase incógnito.
NA CONSULTORIA – Há pouco menos de um ano, Cabral bate ponto diariamente numa sala em um prédio comercial a duas quadras de sua casa. Lá fica a Objetiva Gestão e Comunicação Estratégica, empresa que criou em janeiro de 2015.
Em setembro, o ex-governador acrescentou ao cardápio de negócios da Objetiva as atividades de consultoria em compra, venda, fusão e aquisição de empresas. Cabral não revela seus clientes.
Divide seu tempo entre a consultoria – uma das atividades preferidas de políticos sem mandato – e conversas com políticos. Cabral foi um dos articuladores da debandada do PMDB para a turma pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff. Um de seus filhos, e herdeiro político, o deputado federal Marco Antônio Cabral, de 25 anos, votou a favor da abertura do processo de afastamento de Dilma, que até recentemente era aliada de Cabral.
PROPINAS NA COPA – na semana passada, Cabral foi lembrado. Por corrupção. Em negociações para obter um acordo de delação premiada com os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, advogados disseram que a Odebrecht esclarecerá que Cabral cobrou propina nas obras do metrô e na reforma do estádio do Maracanã. Segundo eles, a regra de Cabral era cobrar 5%.
É a segunda empreiteira a contar a mesma história. Em maio, Época revelou que dois ex-executivos da Andrade Gutierrez, Rogério Nora de Sá e Clóvis Peixoto Primo, contaram aos procuradores que Cabral exigiu propina de 5% do valor do contrato para permitir que a empresa se associasse à Odebrecht e à Delta na reforma do estádio. Orçada inicialmente em pouco mais de R$ 700 milhões, a obra acabou custando R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.
DINHEIRO E DOAÇÕES – De acordo com os dois delatores, os pagamentos feitos entre 2010 e 2011 foram “parte em espécie, parte em doações oficiais” a campanhas eleitorais. Fora isso, Cabral ainda é investigado pela suspeita de receber R$ 30 milhões do esquema Petrobras para caixa dois de campanha. Em nota, Cabral disse que expressa “indignação e repúdio ao envolvimento de seu nome com qualquer ilicitude”.
O tempo rememorado pelos executivos da Andrade Gutierrez e Odebrecht era de muita felicidade para Cabral. Bem relacionado com o governo federal, ele vivia momentos de euforia.
NA ROTA RIO/PARIS – Em 2009, celebrou com um salto, como se tivesse feito um gol, a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos. Viajava com frequência para Paris. Em uma dessas idas, os então secretários Sérgio Côrtes e Wilson Carlos, o então secretário municipal Sérgio Dias, o empresário George Sadala e o empreiteiro Fernando Cavendish se deixaram fotografar com guardanapos amarrados na cabeça num restaurante.
Wilson Carlos aparece em delações da Lava Jato como o encarregado por Cabral de tratar de propina. Ele nega. Cavendish era, na ocasião, o dono da Delta, a tal empreiteira menor que Odebrecht e Andrade tiveram de aceitar como parceira na reforma do Maracanã. Logo depois, acusada de fazer parte de um esquema do empresário Carlinhos Cachoeira, a Delta quebrou.
HERANÇA MALDITA – O governo de Sérgio Cabral teve vários triunfos, entre eles o lançamento das UPPs, que efetivamente reduziram a violência no Rio de Janeiro e hoje vivem uma crise. A herança que ele deixou, no entanto, não é nada boa. Com o sucessor de Cabral, Luiz Fernando Pezão, de licença para tratar-se de um câncer, o interino Francisco Dornelles é alvo de protestos por não ter dinheiro nem para pagar os salários de servidores. Dornelles decretou estado de calamidade pública, que permite receber recursos do governo federal.
O Rio de Janeiro gastará neste ano R$ 19 bilhões a mais do que arrecadará. Está num buraco que foi cavado ao longo dos últimos anos – inclusive os da gestão de Cabral.
Um relatório da Secretaria do Tesouro Nacional divulgado em maio mostra que, entre 2009 e 2015, o Rio de Janeiro foi o Estado que mais aumentou as despesas com pessoal: 70% acima da inflação.
Quando ainda desfrutava um alto índice de popularidade, em fevereiro de 2012, Cabral anunciou reajuste de 107%, o “maior da história”, para funcionários da Segurança Pública e Defesa Civil, além de gratificações aos policiais com melhor desempenho. Servidores da Saúde e da Educação também foram contemplados.
Estimulado por Cabral, seu sucessor, o governador Luiz Fernando Pezão, conseguiu aprovar a elevação do teto salarial dos servidores de R$ 21.800 para R$ 26.600.
GASTOS EM ALTA – Os reajustes tiveram impacto direto na Previdência estadual. Desde 2005, na gestão de Rosinha Garotinho, o governo estadual usa os royalties do petróleo para ajudar a pagar aposentadorias e pensões. A partir de 2011, os royalties passaram a ser insuficientes. O governo de Cabral fez operações no mercado para captar recursos, mas os reajustes salariais turbinaram mais os gastos previdenciários, enquanto o número de beneficiários também crescia. Com 240 mil aposentados e pensionistas, a Rio Previdência deverá registrar déficit de R$ 12 bilhões em 2016.
Os royalties não ajudam mais. Com a queda no preço do barril e na produção da Petrobras, a receita deverá ser de apenas R$ 1 bilhão, em comparação com os R$ 6 bilhões há dois anos.
RENÚNCIA FISCAL – Com tamanho aperto, o governo não poderia se dar ao luxo de arrecadar menos. Mas entre 2008 e 2013, na gestão Cabral, o Estado renunciou a arrecadar R$ 138,6 bilhões para atrair empresas ao Estado. Um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) diz que não há comprovação de que o esforço tenha valido a pena.
Quando não está no Leblon ou em Paris, Sérgio Cabral tem a opção de ir ao condomínio em Mangaratiba, no Litoral Sul fluminense, onde sua casa fica em frente à bonita Baía da Ilha Grande. Um de seus vizinhos era Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o ex-diretor-presidente da Odebrecht que caiu nas garras da Lava Jato e agora fala sobre a propina de 5%.
Em 2013, o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu uma investigação para apurar as idas a Mangaratiba, pois Cabral usava o helicóptero oficial do Estado para levar a família – com direito a um lugar para a mascote, o shitzu Juquinha, morta há um ano e meio. Em tempos de calamidade financeira, o helicóptero ostentação é passado. Cabral prefere ir a pé mesmo, pela noite do Leblon, incógnito.
25 de junho de 2016
Hudson Corrêa e Sérgio Garcia
Época
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