Na época em que o juiz federal Paulo Bueno de Azevedo recebeu a notícia de que seria responsável por um processo oriundo da Operação Lava Jato, no ano passado, ele estava terminando a leitura de “Irmãos Karamazov”, obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski. A trama do livro se desenvolve durante um processo criminal e é permeada pela dúvida de um erro judiciário, fantasma que assombra os magistrados.
Ao refletir sobre o texto, Azevedo diz que “são magistrais os discursos da acusação e da defesa”. Difícil saber se o juiz apenas analisava a obra de ficção ou já projetava os desafios que viriam pela frente.
Aos 38 anos de idade, Azevedo é, desde o início do ano passado, juiz titular na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo. Sob sua responsabilidade estão mais de duas dezenas de processos por crimes financeiros dos mais complexos.
FATIAMENTO – Em setembro, graças à decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou o fatiamento da Lava Jato, a investigação sobre irregularidades cometidas no Ministério do Planejamento veio parar na sua mesa. “Os presos da Lava Jato receberão de mim o mesmo respeito dos réus dos outros casos”, disse na ocasião.
Logo de cara, resolveu soltar o principal alvo da investigação, Alexandre Romano, o Chambinho, apontado como um dos operadores do caso. Houve quem denunciasse um cheiro de pizza no ar. Pois Chambinho, mesmo solto, contou ao juiz como funcionavam as negociações no Ministério do Planejamento e na quinta-feira (24) Azevedo mandou prender por tempo indeterminado 11 pessoas, entre elas o ex-ministro Paulo Bernardo (PT). A decisão foi considerada dura pelos advogados dos acusados.
Como sua carreira no tribunal ainda é curta, até quinta-feira ninguém dos seus pares arriscava traçar seu perfil como julgador, se ele seria rígido contra os investigados ou seguiria uma linha mais garantista. A personalidade recatada não dava pistas.
APENAS TÍMIDO – Os colegas de tribunal definem Azevedo ora com o adjetivo reservado, noutro momento o classificam como discreto. Ele próprio se diz tímido. As poucas frases contidas nesta reportagem são da única e breve entrevista que deu em toda a carreira. “Não sou de falar muito. Acho que essa pode ser a minha primeira e penúltima entrevista. A última será no final desse processo”, brincou.
Azevedo trabalhou durante sete anos na Advocacia-Geral da União defendendo o INSS em questões previdenciárias. Em 2008, passou no concurso da Justiça Federal. Assumiu uma vaga na Justiça Federal em Jaú, no interior de São Paulo, até ser transferido para a capital.
A cadeira que hoje ocupa já foi do juiz Fausto de Sanctis, que guiou casos célebres, como a Operação Satiagraha, que colocou na cadeia o banqueiro Daniel Dantas, e a Operação Castelo de Areia, que prendeu diretores da Camargo Correa.
Essas ações, porém, acabaram anuladas nos tribunais superiores com a alegação de que haveria irregularidades na investigação. Azevedo evita comparações. Diz apenas que vai se precaver de nulidades observando o amplo direito de defesa.
CORRUPÇÃO ITALIANA – Assim como Sergio Moro, Azevedo tem especial interesse pelo combate à corrupção na Itália. Na sua mesa repousa o livro do juiz italiano Giovanni Falcone, que combateu a máfia e acabou assassinado. Recentemente esteve em Palermo discutindo combate à corrupção e lavagem de dinheiro.
Começou o doutorado em Direito Penal na USP, onde tem como orientadora a advogada Janaína Paschoal, autora do documento do pedido de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Azevedo diz que nunca teve militância partidária nem se envolveu com política.
Para dar conta dos compromissos, diz levar uma vida regrada. “Procuro ter disciplina. Geralmente acordo cedo, entre seis e sete da manhã. Apesar que nesses últimos meses tenho acordado antes, lá pelas quatro”, diz esboçando um sorriso. Engana-se quem acha que são os processos que o tiram da cama na madrugada. Há alguns meses sua filha de três anos ganhou a companhia de bebês trigêmeos.
25 de junho de 2016
Wálter Nunes
Folha
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