Estados e municípios em todo o país estão correndo para aprovar seus planos estaduais e municipais de educação, que devem conter metas e estratégias para o setor até 2024. E, em praticamente todos os casos, a maior polêmica, com grande mobilização na forma de abaixo-assinados e presença maciça da população nas sedes dos Legislativos locais, tem sido a tentativa de inclusão de itens relacionados à teoria de gênero.
Em 2014, quando o Congresso Nacional votou o Plano Nacional de Educação, a presença da teoria de gênero foi refutada pelos congressistas, também após intensos debates e pressão popular. Isso não seria, em si, impeditivo para que o tema também fosse discutido nos âmbitos estadual e municipal – justamente as esferas que estão mais próximas do cidadão. Mas o que tem havido é uma pressão do Ministério da Educação para que os responsáveis pelos planos estaduais e municipais contemplem o que foi rejeitado no Congresso – isso, sim, constitui um desrespeito ao Legislativo federal e uma forma inaceitável de “virada de mesa”.
Mas, para entender o motivo de tanta polêmica, é preciso em primeiro lugar entender o que está em jogo. A simples menção de “gênero”, para o senso comum, faz pensar em masculino e feminino, e buscar a “igualdade de gênero” em um plano de educação não seria um problema se isso contemplasse apenas o necessário combate ao machismo e a outras formas de discriminação. No entanto, o mundo acadêmico – justamente a “casa” de muitos dos formuladores dos planos de educação – encara as “questões de gênero” por um viés muito diferente daquele da maioria da população.
Como explicou a Gazeta do Povo em reportagem publicada no dia 14 de junho, o principal postulado dos ideólogos da teoria de gênero é o de que masculino e feminino são meras construções sociais e que independem do sexo biológico de cada indivíduo. Sendo assim, cada pessoa poderia inclusive mudar sua opção de “gênero” ao longo da vida. A reportagem traz frases de escritoras feministas que não poderiam ser mais claras a respeito das bases da teoria de gênero: “As diferenças genitais entre os seres humanos já não importariam culturalmente”, escreveu Shulamith Firestone em The Dialectic of Sex, de 1970; “O gênero é uma construção cultural; por isso não é nem resultado causal do sexo, nem tão aparentemente fixo como o sexo (...) homem e masculino poderiam significar tanto um corpo feminino como um masculino; mulher e feminino tanto um corpo masculino como um feminino”, afirmou Judith Butler em Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity.
Trata-se, em si mesmo, de um assunto extremamente controverso. Tanto que, mesmo nos países escandinavos, conhecidos, entre outros fatores, por apresentarem um maior grau de liberalidade no que diz respeito a temas sexuais, os governos de Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia e Finlândia cortaram o financiamento, em 2010, do Instituto Nórdico de Gênero após o documentárioHjernevask (“Lavagem cerebral”), que colocava frente a frente as afirmações dos ideólogos de gênero e pesquisas nos campos da neurociência e biologia evolutiva, demonstrando a fraqueza da teoria de gênero (o instituto foi posteriormente reestruturado e reativado).
Além disso, incluir a teoria de gênero nos planos de educação seria trazer para as escolas, de forma indiscriminada, convicções morais e de valores que não necessariamente correspondem às dos pais dos alunos. Nada impede que, assim como há escolas particulares confessionais, haja colégios privados que adotem a teoria de gênero e pautem nela seu dia a dia, dando aos pais que compartilham dessas ideias a opção de lá matricular seus filhos. Mas, quando se trata da escola pública – que, sabemos, para a maioria dos alunos e seus pais não é exatamente uma opção –, a situação é diferente. Correr-se-ia o risco de violar o artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo a qual “Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
Essa tentativa de impor aos estudantes teorias em si controversas e carentes de fundamentação científica levanta dois debates. O primeiro é sobre a teoria de gênero em si, que exige discussão aberta (inclusive sobre os estratagemas daqueles que desejam implantá-la sem dizer com todas as letras o que pretendem). E o segundo, igualmente importante, trata dos limites entre as responsabilidades de família e escola na educação das crianças sobre temas morais e de valores. Um sistema educacional que já amarga os últimos lugares em testes internacionais pode estar perdendo o bonde da inovação e da preparação para um mercado de trabalho cada vez mais exigente por estar priorizando temas que, no fundo, seriam competência não das escolas, mas das famílias.
22 de junho de 2015
Gazeta do Povo, PR
Em 2014, quando o Congresso Nacional votou o Plano Nacional de Educação, a presença da teoria de gênero foi refutada pelos congressistas, também após intensos debates e pressão popular. Isso não seria, em si, impeditivo para que o tema também fosse discutido nos âmbitos estadual e municipal – justamente as esferas que estão mais próximas do cidadão. Mas o que tem havido é uma pressão do Ministério da Educação para que os responsáveis pelos planos estaduais e municipais contemplem o que foi rejeitado no Congresso – isso, sim, constitui um desrespeito ao Legislativo federal e uma forma inaceitável de “virada de mesa”.
Mas, para entender o motivo de tanta polêmica, é preciso em primeiro lugar entender o que está em jogo. A simples menção de “gênero”, para o senso comum, faz pensar em masculino e feminino, e buscar a “igualdade de gênero” em um plano de educação não seria um problema se isso contemplasse apenas o necessário combate ao machismo e a outras formas de discriminação. No entanto, o mundo acadêmico – justamente a “casa” de muitos dos formuladores dos planos de educação – encara as “questões de gênero” por um viés muito diferente daquele da maioria da população.
Como explicou a Gazeta do Povo em reportagem publicada no dia 14 de junho, o principal postulado dos ideólogos da teoria de gênero é o de que masculino e feminino são meras construções sociais e que independem do sexo biológico de cada indivíduo. Sendo assim, cada pessoa poderia inclusive mudar sua opção de “gênero” ao longo da vida. A reportagem traz frases de escritoras feministas que não poderiam ser mais claras a respeito das bases da teoria de gênero: “As diferenças genitais entre os seres humanos já não importariam culturalmente”, escreveu Shulamith Firestone em The Dialectic of Sex, de 1970; “O gênero é uma construção cultural; por isso não é nem resultado causal do sexo, nem tão aparentemente fixo como o sexo (...) homem e masculino poderiam significar tanto um corpo feminino como um masculino; mulher e feminino tanto um corpo masculino como um feminino”, afirmou Judith Butler em Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity.
Trata-se, em si mesmo, de um assunto extremamente controverso. Tanto que, mesmo nos países escandinavos, conhecidos, entre outros fatores, por apresentarem um maior grau de liberalidade no que diz respeito a temas sexuais, os governos de Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia e Finlândia cortaram o financiamento, em 2010, do Instituto Nórdico de Gênero após o documentárioHjernevask (“Lavagem cerebral”), que colocava frente a frente as afirmações dos ideólogos de gênero e pesquisas nos campos da neurociência e biologia evolutiva, demonstrando a fraqueza da teoria de gênero (o instituto foi posteriormente reestruturado e reativado).
Além disso, incluir a teoria de gênero nos planos de educação seria trazer para as escolas, de forma indiscriminada, convicções morais e de valores que não necessariamente correspondem às dos pais dos alunos. Nada impede que, assim como há escolas particulares confessionais, haja colégios privados que adotem a teoria de gênero e pautem nela seu dia a dia, dando aos pais que compartilham dessas ideias a opção de lá matricular seus filhos. Mas, quando se trata da escola pública – que, sabemos, para a maioria dos alunos e seus pais não é exatamente uma opção –, a situação é diferente. Correr-se-ia o risco de violar o artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos, segundo a qual “Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
Essa tentativa de impor aos estudantes teorias em si controversas e carentes de fundamentação científica levanta dois debates. O primeiro é sobre a teoria de gênero em si, que exige discussão aberta (inclusive sobre os estratagemas daqueles que desejam implantá-la sem dizer com todas as letras o que pretendem). E o segundo, igualmente importante, trata dos limites entre as responsabilidades de família e escola na educação das crianças sobre temas morais e de valores. Um sistema educacional que já amarga os últimos lugares em testes internacionais pode estar perdendo o bonde da inovação e da preparação para um mercado de trabalho cada vez mais exigente por estar priorizando temas que, no fundo, seriam competência não das escolas, mas das famílias.
22 de junho de 2015
Gazeta do Povo, PR
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