PSDB perdeu paternidade do programa porque não fez propaganda, diz FHC
Senador Cristovam Buarque revela conversa com o tucano sobre as origens do programa, considerado por cientista político uma “jogada de mestre” de Lula
No meio de um debate sobre o Fome Zero na sede da ONU, em Nova York, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) passou a mão no telefone celular e perguntou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso onde ele errou para ter perdido a paternidade do programa Bolsa Família.
“O que você não fez?”, perguntou.
“Propaganda. Não fizemos publicidade”, respondeu o tucano.
“Acho que errou na centralidade. Demorou muito em aceitar a ideia do programa, que só foi posto em execução no final do segundo mandato, e não o colocou como uma política central do governo. Outro erro foi trata-lo como apenas mais um programa”, disse o senador.
Arrependimentos à parte, o diálogo revelado ao iG por Cristovam Buarque – em cujo governo no Distrito Federal se formou o embrião do Bolsa Família com o nome de Bolsa Escola – resgata o detalhe que faria enorme diferença no controle do poder nas últimas duas décadas de disputas políticas no Brasil.
O PSDB apostou na macroeconomia e acreditou que a estabilidade da moeda e o controle da inflação seriam suficientes para retornar ao poder. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva juntou o que estava esparso, levou para seu gabinete em 2003, unificou e deu sua cara ao programa.
Silva juntou o que estava esparso, levou para seu gabinete em 2003, unificou e deu sua cara ao programa.
“Foi uma grande sacada política do Lula, uma jogada de mestre”, diz o cientista político David Fleisher, da Universidade de Brasília (UNB). Os votos que gravitam em torno do Bolsa Família – independente de seus resultados sociais como um dos programas de referência mundial –, diz ele, tornaram-se decisivos na moldagem do fenômeno Lula e na longevidade do projeto petista, que já dura 12 anos.
Segundo o cientista, o eleitorado escorado pelo Bolsa Família é estimado em cerca de 45 milhões de pessoas, quase um terço de todos os brasileiros que votaram em 2012. Um cobiçado reduto. Há estados nordestinos, como Maranhão, Piauí, Ceará, Alagoas, Paraíba e Pernambuco, em que os beneficiários do programa ultrapassam os 50% da população.
“O PSDB não percebeu a tempo a força eleitoral do programa”, observa Fleisher. Segundo ele, estudos recentes de pesquisadores ligados à sociologia política mostram claramente a forte correlação entre a quantidade de benefícios e os votos no governo.
Na opinião do cientista da UnB, os tucanos cochilaram e deixaram a bola quicando para Lula marcar o golaço que o identificaria como uma espécie de pai dos pobres. “A população pobre passou a ver Lula como ‘um dos nossos’. Já Fernando Henrique preferiu dizer que tinha um pé na senzala. Mas quem atacou e desenvolveu carisma com a pobreza foi o Lula”, ironiza.
Os beneficiados por programas sociais, na verdade, nunca deixaram de votar com o governo. Inicialmente com nome de Bolsa Estudo, o programa favoreceu o ex-ministro José Serra na campanha de 2002. Depois, já unificado, foi decisivo na reeleição de Lula em 2006 e, em 2010, na campanha em que ele fez a presidente Dilma Rousseff sua sucessora.
A jornalista Débora Thomé, autora do livro O Bolsa Família e a Social-Democracia (Editora FGV), sua dissertação de mestrado em política social no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), diz que o gigantismo do programa não só aliviou o impacto das denúncias do mensalão na eleição de 2006, como favoreceu a permanência do PT no poder com a eleição de Dilma. Ela afirma que a dimensão do programa reflete a diferença programática entre PSDB e PT.
“O PSDB chegou ao poder e atacou na macroeconomia (estabilidade da moeda, controle da inflação, privatizações, estado mínimo, etc). Já o PT foi fazer a entrega das políticas sociais que havia prometido e que estavam previstas na Constituição de 1988”, lembra Débora.
O que mudou entre um e outro governo, segundo ela, é que no caso do PT houve um avanço institucional pressionado pelas bases do partido e por novos atores políticos (as minorias) em busca de igualdade social e redistribuição da renda.
Para a cientista social Maria do Socorro Braga, da Universidade de São Carlos (SP), embora seja inegável a influência eleitoral do programa na manutenção do PT no poder, o sucesso pode ser explicado pelo programa dos partidos e os acordos de governabilidade.
“O PT optou por construir uma força política com capacidade para tirar milhões da linha da pobreza e focou nas desigualdades. O PSDB, que nunca foi um social democrata na essência do que representa o modelo original (alemão), fez uma aliança conservadora, com o DEM, que não colocaria o foco na questão social”, afirma.
Se há um consenso na política é o de que o Bolsa Família se transformou numa espécie de cláusula pétrea, um programa inextinguível em função de sua eficácia social e eleitoral. Mas também é inegável em dez anos sua origem começa a ser esquecida pela população e, na zona de acomodação em que se encontra, dificilmente produzirá em 2014 o mesmo efeito das duas últimas eleições.
“É por isso que no primeiro semestre do ano que vem, Lula vai rodar o Nordeste. Ele quer relembrar a origem do programa para reforçar os vínculos com ele, o PT e seus candidatos”, diz David Fleisher.
Débora Thomé lembra que dez anos é tempo suficiente para reduzir a força, mas afirma que nenhum político cometeria o desatino de falar mal do programa.
O que muda, segundo ela, é o discurso que, depois de esgotar as críticas sobre assistencialismo e fraudes, aborda agora as alternativas de saída do programa, um desafio para seus gestores.
“A porta de saída é a educação infantil. Se daqui a 20 anos o Bolsa Família continuar existindo, será uma tragédia para o País”, afirma o senador Cristovam Buarque. Ele acha que, para perder o caráter assistencialista, o Bolsa Família deveria ser transferido do Ministério do Desenvolvimento Social para o da Educação.
17 de outubro de 2013
iG
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