Numa entrevista ao jornal El Pais, objeto de reportagem Fernanda Krakovics, edição de segunda-feira 21 de O Globo, o ex-presidente Lula reconheceu frontalmente que o crescimento do PT fez surgirem defeitos e corrupções em seus quadros partidários.
Foi importante a autocrítica, certamente feita em tom de desabafo, mas que, no fundo, acrescenta mais uma página reveladora do processo de sedução que o poder exerce sobre número cada vez maior de pessoas.
Há mudanças claras de comportamento que decorrem até da simples proximidade com aqueles que movimentam as engrenagens do sistema de decisão.
Os comportamentos mudam. Pessoas, até sem qualidade alguma maior, passam a se julgar importantes, e, ao serem cumprimentadas reagem friamente. Vêm no distanciamento que fabricam uma forma de auto afirmação. Se isso acontece nas situações mais comuns, que dirá nas incomuns?
O deslumbramento incorpora um desejo de riqueza que leva à ostentação, uma forma de narcisismo incluindo uma ridícula vontade de se apresentarem como mais importantes que outros que não tiveram o mesmo acesso aos roteiros do poder e a intimidade dos poderosos. Esquecem os amigos de ontem, fogem do passado, e voltam seus pensamentos e suas atitudes em busca de ganhos nem sempre lícitos. O ex-presidente Lula tem razão quando reconhece a existência de corrupção nos quadros de sua legenda.
A incompatibilidade entre um patamar e outro é suficiente para traduzir o inexplicável em termos lógicos. Evidencia-se um processo de ostentação. Hoje, estou convencido que os desonestos não ostentam porque roubaram, mas sim roubam para ostentar.
Os desonestos tem dentro de si o impulso da auto confissão pelo trajeto de contrastes em suas vidas. O que era antes e o que passou a ser depois. Após o acesso ao poder, diga-se em síntese.
Foi o que sucedeu com os principais personagens do mensalão, em relação aos quais, punidos pela Justiça, Lula culpa a imprensa, ao acentuar na entrevista a El País que ela julgou os réus antes do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Neste ponto equivoca-se. Pois foi ele, usando a caneta, quem demitiu o principal acusado do cargo de ministro chefe de sua Casa Civil. E substituiu Duda Mendonça de sua equipe de marketing.
ESVAZIAMENTO DO PDT
O crescimento do PT, aliás, decorre do esvaziamento do PDT. Quando, em 92, Leonel Brizola apoiou Fernando Collor, o PDT perdeu as ruas para o PT. Tanto assim que, depois de alcançar 15% dos votos nas eleições de 89, ficando um ponto atrás de Lula, na sucessão de 94 sua votação caiu para apenas 3%.
Perdeu assim 80% de seu eleitorado. Esta parcela foi para o PT. Mas este é outro assunto. A sedução do poder, que visa à riqueza, exige de um presidente da República, de um governador, de um prefeito, uma noção reforçada de equilíbrio e sensibilidade. Entre as qualidades, a de saber ouvir. Principalmente as opiniões contrárias porque os bajuladores (falsos aliados) vão sempre concordar com tudo.
Os falsos aliados, os falsos amigos, ambos exigem um cuidado especial por parte dos governantes. Qualquer passo em falso, qualquer descuido, qualquer omissão, pode levar ao desastre.
Como o mensalão, por exemplo, em relação ao qual, na reportagem de Fernanda Krakovics, o ex-presidente mostra-se benevolente. Foi, isso sim, traído pelos que organizaram as fontes de recursos e as formas equivocadas e desonestas de sua distribuição.
Porém – há sempre um porém na história – não contava com o surgimento de um personagem shakeperiano como Roberto Jeferson que, para denunciar José Dirceu, a quem odiava, denunciou a si mesmo. Os imprevistos aparecem sempre em torno dos crimes e dos criminosos. Assim não fosse, todos os que praticaram crimes ficariam eternamente, para citar Fellini, numa doce vida de vinhos finos, de sombras e impunidade. E não assim. Ainda bem.
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