"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

JUÍZO FINAL DIGITAL

 

No debate sobre biografias sou a favor da liberdade e da responsabilidade, mas tenho pensado muito sobre a maior das privacidades, a da dor e do sofrimento humano, que talvez seja mais uma discussão moral do que legal.

Expor as delícias, as conquistas, os gozos, as indecências, os excessos e as vilanias de personagens públicos pode ser discutível, mas quais os limites para a exposição da intimidade de alguém, famoso ou anônimo, na dor de uma perda pessoal, vitimado por uma doença, uma violência, uma humilhação, perenizando seu sofrimento?

Entre o fato e sua narrativa, não há lei para a medida certa, só a busca da verdade, a honestidade das fontes e pesquisas, a moderação da linguagem.

É inaceitável que a dor das vitimas gere ganhos para criminosos, como o assassino de Daniela Perez. Nos Estados Unidos e na Inglaterra a lei é clara: condenados não podem explorar a sua notoriedade e seu crime, seja em livros, filmes ou documentários. Não há lei brasileira sobre isso.

Em países civilizados, os processos são rápidos, e as indenizações, pesadas, que funcionam como ameaça aos picaretas e estímulo à responsabilidade dos escritores.

Por isso qualquer biografia é censurada previamente, não pelo biografado, mas pelos advogados das editoras, para que tudo que está escrito possa ser provado e demonstrado e nada possa motivar um processo milionário. Tem funcionado até agora, ninguém fala em mudar.

Se a Justiça brasileira é lenta e atrasada, não é adequando a lei ao seu atraso que ela vai melhorar.

Mas na era da internet, mesmo quando um livro ou filme difamatório é tirado de circulação por decisão judicial logo após seu lançamento, já é tarde demais, tudo já está nas nuvens eternas da rede. Não é proibido proibir, é inútil. No capitalismo, resta ao ofendido a reparação em dinheiro, que não paga o sofrimento, mas castiga os malfeitores.

Na sociedade da informação e do espetáculo circulam na rede tantas mentiras, boatos, lendas, calúnias e difamações sobre todo mundo, que a única certeza futura é que nenhuma biografia, por melhor ou pior que seja, vai ser o juízo final do biografado.

25 de outubro de 2013
Nelson Motta é jornalista.
O Globo

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