"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

"LICENÇA PARA EMITIR MOEDA"

 

Numa operação abençoada pela presidente Dilma Rousseff, em que o interesse nacional sucumbiu às conveniências políticas do PT e de governadores e prefeitos de todos os partidos, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sofreu um golpe decerto sem precedentes em seus 13 anos de existência – ao longo dos quais foi arrimo indispensável para a estabilidade macroeconômica e a credibilidade do País perante governos estrangeiros e instituições financeiras internacionais.
Sem a LRF, isto é, sem a fixação de limites rigorosos para o endividamento público no âmbito da Federação, os fundamentos que a presidente diz endossar teriam de há muito se esfarinhado.

Nada disso foi levado em consideração pela Câmara dos Deputados ao aprovar, na quarta-feira, projeto de lei complementar de autoria do líder peemedebista na Casa, Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro, que muda o indexador das dívidas estaduais e municipais com a União.

A versão final da proposta, acertada com o Planalto, abre caminho para que 180 prefeituras, a começar de São Paulo, nas mãos do petista Fernando Haddad, possam tomar empréstimos em valores superiores a que estariam autorizadas no sistema anterior.

“Nunca se aprovou um texto com tanta unidade com prefeitos e governadores”, exultou o líder petista José Guimarães, do Ceará. Ele poderia ter dito também que nunca se fez tanto de uma só tacada para alavancar a votação de Dilma na capital paulista no próximo ano e a reeleição de Haddad em 2016 – graças ao aumento da gastança no Município.

Desde o final dos anos 1990, quando o então governo Fernando Henrique assumiu os débitos dos entes federativos, acertou o seu pagamento escalonado e limitou futuros empréstimos, ficou estabelecido que seriam corrigidos pelo IGP-DI, com juros entre 6% e 9% conforme a natureza dos contratos.

Doravante, se o Senado endossar a decisão risonha e franca da Câmara, o indexador será ou o IPCA, mais 4% de juros, ou a taxa Selic – o que for menor. A Selic, que está em 9,5% ao ano, é o que o governo federal paga por seus empréstimos.
A mudança, ainda por cima, é retroativa, abrangendo o estoque das dívidas. Sempre que o novo esquema se revelar mais vantajoso para os tomadores, o saldo devedor será reduzido, como se os contratos originais já contivessem a fórmula agora instituída.

Graças à canelada na LRF, a prefeitura paulistana – cujas dívidas equivalem a cerca de 70% daquelas assumidas pelo conjunto dos municípios favorecidos – terá a pagar à União R$ 30 bilhões, em vez dos R$ 54 bilhões contratados.
Com isso recupera o poder de assinar novos papagaios, estimados em R$ 4 bilhões, pois ficará dentro do limite de 120% da arrecadação anual exigido pela lei para conter o estouro dos empréstimos literalmente impagáveis.

Computando o que teria a haver de todos os Estados e municípios – R$ 468 bilhões –, caso as regras do jogo não tivessem sido profundamente alteradas e com efeito retroativo, o Planalto terá de disfarçar o espanto quando descobrir na ponta do lápis quanto custará ao Tesouro a bondade eleitoreira da presidente.

Desdenhando da inteligência alheia, os promotores da festança alegam, sem corar, que a Lei de Responsabilidade Fiscal permanece ilesa, porque o que ela proíbe – a renegociação das dívidas dos entes federados com a União – proibido continua. Uma breve visita ao artigo 35 do documento expõe a mentira na sua inteireza.

O que ali se lê não dá margem a dúvidas ou interpretações conflitantes:

 “É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente”. Foi o que os deputados fizeram.

Se o Senado também fizer a vontade de 264 deles, ante 111 que devem ter achado que assim é demais, o liberou geral se generalizará de vez com a inclusão, no texto, de dívidas contratadas conforme outros indexadores. Mas o que foi aprovado já equivale a uma licença para Estados e municípios emitirem moeda. É o que se chama de esbórnia.

25 de outubro de 2013
Editorial do Estadão
in Augusto Nunes

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