"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de agosto de 2013

DONA MARTA QUEBRA TODOS OS PARADIGMAS DA CORRUPÇÃO


Cultura é palavra abrangente, de difícil definição. Em seu sentido mais lato, eu diria que cultura é tudo o que o homem faz. Assim, tanto um anzol como a bomba atômica, um ábaco ou um computador, uma ópera ou um show de rock, um tacape ou a pedra de Rosetta constituem cultura. Já num sentido restrito, para efeitos pessoais delimito a cultura àquela área das grandes produções do espírito. Neste sentido, fazem parte da cultura tanto a lei da gravidade como a da termodinâmica, a Bíblia ou o Quixote, tanto Mozart como Shakespeare, Platão ou Dante, Schliemann ou Champollion. Mas jamais Rowling ou Paulo Coelho, Madonna ou Lady Gaga, Roberto Carlos ou Chico Buarque, Beatles ou U2. Aí estamos o mundo do comércio, do show business.

Moda é cultura? Naquele sentido lato, claro que sim. Pode um desfile de moda ser patrocinado por uma lei de incentivo à cultura? Neste momento, se ficamos com o sentido lato, a lei Rouanet pode financiar tudo o que o homem faz, desde turismo até mesmo guerra. Não é este no entanto – ou não era – o sentido da lei Rouanet. A lei teria o sentido original de incentivar as produções do mundo das artes. Diz o artigo 18 da lei nº 8.313, de 23.12.1991:

§, 2º. As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real não poderão deduzir o valor da doação ou do patrocínio referido no parágrafo anterior como despesa operacional.
§ 3º. As doações e os patrocínios na produção cultural, a que se refere o § 1º, atenderão exclusivamente aos seguintes segmentos:
a) artes cênicas;
b) livros de valor artístico, literário ou humanístico;
c) música erudita ou instrumental;
d) exposições de artes visuais;
e) doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos;
f) produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; e
g) preservação do patrimônio cultural material e imaterial.
h) construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em municípios com menos de 100.000 (cem mil) habitantes.

A data da lei é emblemática, vésperas de Natal. Augúrios de presentes a amigos e conhecidos. A lei não diz, mas pela lógica seria de supor-se que o financiamento seria a obras de difícil comercialização, já que não tem sentido algum financiar obras que vendem bem e dão lucro. Se assim fosse, teríamos o Estado bancando a iniciativa privada. Ocorre que estamos no Brasil. Mesmo no espírito original da lei, a porta já estava aberta para a corrupção. Com a política de clientelismo que impera no país, óbvio que o governo só vai autorizar o financiamento dos amigos.

Assim, já nos 90, sob as asas da abençoada lei, Rubem Fonseca, Patrícia Mello, João Gilberto Noll e Chico Buarque desembarcavam em Londres, onde fizeram leituras públicas de suas obras e lançaram livros não só na capital britânica, como também na Escócia e no País de Gales.

Em um primeiro momento, poderíamos pensar: que maravilha, o Reino Unido se interessa por nossa literatura. Nada disso. Era o Ministério da Cultura brasileiro que promovia tais turismos e financiava as traduções dos autores brasileiros. A famigerada lei serviu para entronizar a vaidade de um ex-presidente. De ilhapa, sobrou dinheiro até para empresas fantasmas.

Conta-nos o Estadão que em 2005 a Fundação José Sarney , para manter um museu com o acervo do período em que foi presidente da República,- desviou para empresas fantasmas e outras da família do próprio senador dinheiro da Petrobrás repassado em forma de patrocínio para um projeto cultural que nunca saiu do papel.

Segundo o jornal, do total de R$ 1,3 milhão repassado pela estatal, pelo menos R$ 500 mil foram parar em contas de empresas prestadoras de serviço com endereços fictícios em São Luís (MA) e até em uma conta paralela que nada tem a ver com o projeto. Uma parcela do dinheiro, R$ 30 mil, foi para a TV Mirante e duas emissoras de rádio, a Mirante AM e a Mirante FM, de propriedade da família Sarney, a título de veiculação de comerciais sobre o projeto fictício. A verba foi transferida em ato solene com a participação de Sarney e do presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. A Petrobrás repassou o dinheiro à Fundação Sarney pela Lei Rouanet.

Se o financiamento da fundação se enquadrava no que chamo de corrupção perfeitamente legal, o mesmo não se pode dizer para do desvio para empresas fantasmas da família do senador. Alguma punição, pelo menos para a corrupção ilegal? Pelo que sei, nenhuma.

Uma vez amigo do Rei, para sempre amigo do Rei. Em maio de 2012, Chico Buarque voltou a beber na generosa fonte. Recebeu financiamento da Biblioteca Nacional para a tradução de seu livro Leite Derramado para o coreano. Mais uma ajuda financeira indireta do Ministério da Cultura, comandado pela mana Ana. Chico quer empurrar sua “obra” ao mercado asiático. Quem a paga a tradução da obra do vate na Coréia? Você, leitor, que é coagido a pagar e cinicamente chamado de contribuinte.

Sobrou até para autores insólitos no mundo das Letras, que fizeram carreira abrindo as pernas para quem pagasse. Bruna Surfistinha teve uma renúncia fiscal de dois milhões de reais aprovada pelo Ministério da Cultura para a produção da peça de teatro Doce Veneno, inspirada em sua vida exemplar de prostituta. Como a dita vida fácil andava muito difícil, Bruna Surfistinha preferiu optar por ofício similar e mais confortável, a literatura. Acabou estreando no teatro, graças às mordomias da Lei Rouanet.

Os favorecimentos a amigos do Rei foram se sucedendo, mas sempre dentro de áreas que, a rigor, se enquadravam no disposto na lei. Em 2007, os amigos foram mais ousados. O governo federal autorizou a organização da Oktoberfest, festa do chope no Rio Grande do Sul, a captar R$ 1,182 milhão, via Lei Rouanet. Justificativa: o projeto "mantém e potencializa a cultura local, essencialmente germânica, contemplando a música instrumental". Chope também é cultura. Pergunta ao contribuinte que gosta de chope: se você já financiou a festa, por que terá pagar de novo pelo chope?

Esta farra com o bolso alheio teve seu ápice quando o Cirque du Soleil, companhia circense do Canadá, apresentou-se em São Paulo subsidiado pela famigerada lei. E deu-se ainda ao luxo de cobrar ingressos caríssimos dos contribuintes que financiavam seu espetáculo. Os canadenses devem ter ficado perplexos com a generosidade tupiniquim. Eram pagos para ganhar dinheiro.

Nesta semana, a escalada foi mais longe. Com a aprovação de dona Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy, psicóloga, sexóloga e hoje ministra da Cultura, três estilistas brasileiros estão autorizados a captar, por meio da generosa lei, cerca de R$ 7, 6 milhões para a realização de desfiles de moda. Pedro Lourenço irá receber R$ 2, 8 milhões para desfilar na Semana de Moda de Paris; Ronaldo Fraga será contemplado com R$ 2 milhões para realizar suas duas próximas coleções e desfiles na São Paulo Fashion Week. Alexandre Herchcovitch vai poder captar R$ 2, 6 milhões, para criar sua próxima coleção, que irá desfilar em Nova York e na SPFW.

"No meu desfile, as pessoas terão acesso à cultura brasileira por meio de uma moda surpreendente, trazendo ainda a arquitetura jovem do país para criar um espaço diferente e vão conhecer o que há de mais inovador nestes setores", disse Pedro Lourenço.

“Quebra de paradigmas” – leio no Estadão de hoje. “Assim vem sendo vista pelo mundo da moda e pela ministra da Cultura Marta Suplicy a aprovação do projeto”.

De fato, foi uma quebra de paradigmas. "Il nous faut de l'audace, et encore de l'audace, et toujours de l'audace" - dizia Danton. Dona Marta escancarou de vez a porta para os corruptos. Orgulhe-se, meu caro contribuinte. Sua “contribuição” de 7,6 milhões de reais está financiando desfiles nas mais prestigiosas capitais do Ocidente.

Daqui pra frente, tudo será diferente. Não mais serão financiados apenas escritores, teatrólogos e cineastas corruptos. A hora e a vez é dos estilistas.


25 de agosto de 2013
janer cristaldo

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