"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 25 de agosto de 2013

MUITO ALÉM DO FUSO HORÁRIO

 
 
São sete horas da manhã em Pequim, capital chinesa, com seus 20 milhões de habitantes. Numa gráfica, a jornada dos trabalhadores já está em ritmo alucinante, sem tempo previsto para terminar. Num dia de pico de demanda, como este, o almoço é um gesto mecânico, simultâneo à alimentação de papel das impressoras, aos ajustes de tinta, à troca de bobina, ao corte e ao acabamento. Os vencimentos e encargos do pessoal somam 60 dólares mensais, o equivalente a cerca de 154 reais. Na fábrica, não há tratamento de resíduos, nem reutilização da água. Carga tributária do país asiático: 20% do PIB.
 
São 19 horas em São Paulo, centro nervoso da economia brasileira e de uma região metropolitana com cerca de 17 milhões de habitantes. Os colaboradores de uma gráfica, depois de jornada de oito horas, estão a caminho de casa ou, se não moram tão longe, já jantando com as famílias. No almoço, com refeição balanceada, ambiente agradável e fora do chão de fábrica, tiveram uma hora inteira para comer, conversar e repor energias. Seu salários e encargos somam 60 dólares por dia, ou 1.800 por mês, aproximadamente 4,5 mil reais. Na fábrica, há luvas de proteção, uniformes adequados, tratamento de água e resíduos e reaproveitamento de aparas. A carga tributária no Brasil é superior a 37% do PIB, a mais alta no universo dos BRICS.
 
Como se observa, há muito mais do que a diferença de 12 horas no fuso horário separando as gráficas das duas nações. O contraste de competitividade é imenso! Se, de um lado, a China exagera no desrespeito às normas internacionais relativas ao trabalho digno e à responsabilidade socioambiental e subsidia o papel de imprimir, convertendo tais distorções em diferencial para auferir vantagens concorrenciais, o Brasil extrapola em muito aos padrões globais quanto aos impostos, juros, burocracia, encargos trabalhistas, insegurança jurídica e câmbio equivocado, reduzindo de modo dramático a competitividade de sua manufatura.
 
Na indústria de transformação brasileira, há segmentos mais afetados do que outros, em especial nos quais há similaridade tecnológica e em que pequenas variações de qualidade não são consideradas pelo contratante do serviço na avaliação da relação de custo-benefício. É o caso do setor gráfico nacional, que investiu pesadamente nos últimos anos em atualização de equipamentos e processos, nada devendo aos melhores do mundo. Nesse caso, a decisão do cliente é balizada pelo preço, não importando muito a tinta usada (se tem ou não chumbo), as peculiaridades dos demais substratos, a origem do papel (se vem de florestas cultivadas ou é extraído de matas nativas), se os profissionais têm ou não condições adequadas de trabalho ou se um dos efeitos colaterais daquele produto é o dano ambiental.
 
No capitalismo, não se pode condenar essa perspectiva do preço nas decisões dos clientes. Contudo, cabe ao Estado adotar medidas eficazes para equilibrar o jogo no comércio internacional, adotando políticas públicas reguladoras. Ante tal premissa, a indústria gráfica brasileira tem encaminhado algumas poucas reivindicações ao governo, até agora não atendidas, o que motivou um manifesto do setor à Nação, sintetizando as medidas pleiteadas: desoneração da folha de pagamentos; isenção do IPI para os materiais escolares; alíquota zero do PIS/Cofins para a atividade de impressão de livros; retirada de seis papeis de imprimir da lista de cem produtos que tiveram suas alíquotas de importação elevadas pela Camex; adoção de margem de preferência quando das compras  de materias gráficos pelo setor público, incluindo as obras adquiridas pelo governo no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); fiscalização eficaz do uso indevido do papel imune; fim da bitributação do ICMS e ISS.
 
A indústria gráfica do Brasil não abre mão da dignidade trabalhista de seus colaboradores, de sua responsabilidade socioambiental, dos investimentos em tecnologia e de concorrer de modo ético e saudável na economia globalizada. Porém, precisa ser ouvida em seus pleitos para manter os 230 mil empregos existentes nas mais de 20 mil gráficas e cumprir seus compromissos com o desenvolvimento nacional.

Caso contrário, continuaremos passando o constrangimento de ver livros de autores brasileiros, inclusive os comprados pelo governo para distribuição às escolas públicas, sendo impressos sob a fumaça de Pequim e ao ritmo do dumping social, um triste eufemismo para condições de trabalho inimagináveis em nossa pátria!
 
25 de agosto de 2013
Fabio Arruda Mortara, empresário, é presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (ABIGRAF Nacional) e do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (SINDIGRAF).

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