Bismarck, o maior estadista alemão do século XIX, dizia que “nunca se mente tanto antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma pescaria”. O motivo é patente. O clima desses momentos favorece a glorificação dos interlocutores, sejam eles atores em disputa eleitoral, países em conflito com outro (quem não se lembra da versão argentina logo no início da guerra das Malvinas?) ou pescadores falando sobre os peixes fisgados.
Já na esfera política, como dizia José Maria Alkmin, a mais felpuda raposa do velho PSD mineiro, ministro da Fazenda de Kubitschek, a versão é mais importante do que o fato. Pois é o que estamos a assistir no desfile de hipóteses envolvendo eventuais candidatos presidenciais, algumas razoáveis, umas tantas beirando os limites do exagero e outras margeando o terreno da obviedade.
O painel mostra, por exemplo, que a ex-senadora Marina Silva, pré-candidata que mais se aproxima da primeira colocada no ranking, Dilma Rousseff, abre um leque de abordagens: de um lado, aparece como candidata das ruas, perfil identificado com a renovação da política; de outro, suscita dúvidas relacionadas à dificuldade de criar até outubro seu partido, o que inviabilizaria a candidatura; por último, a hipótese de que, mesmo vitoriosa, não teria condições de governar por falta de apoio político.
Analisemos tais posições. A ex-seringueira acreana é a pré-candidata mais asséptica na borrada estampa política. A imagem decorre de forte militância na frente da sustentabilidade. Firmou-se, ao longo do tempo, como baluarte em defesa do meio ambiente, a partir de grande identificação com a causa amazônica.
Até a designação “Rede Sustentabilidade” soa como fonética que destoa da combinação de iniciais para nomear partidos e tendências. Some-se à semântica diferenciada uma estética que está mais para irmã Dulce ou Madre Tereza de Calcutá do que para o conjunto feminino bem arrumado que habita o edifício da política, a partir da própria presidente da República.
Cabelo preso em coque e vestidos quase sempre escuros deixam impressa a marca evangélica, que a eleva ao púlpito de combativa pregadora. A aura mística lhe impõe respeito.
Por que tal imagem, mais parecendo um logotipo a destoar da fosforescência midiática, faz tanto sucesso? Exatamente pelo jogo dos contrários que sugere. Transparece como uma flor de lótus, buscando luz no meio do pântano político, ainda mais quando este passa a ser revirado por vassouras éticas na faxina que para passar o Brasil a limpo.
Impregna-se do simbolismo que agrega elementos de perfeição, pureza e elevação espiritual. Com essa aura, ganhou quase 20 milhões de votos, chegando em terceiro lugar na campanha presidencial de 2010.
A hipótese de expandir o bornal de votos, em 2014, ganha consistência por se identificar com as ruas que clamam pela inovação dos costumes políticos. É o que se infere de pesquisas que mostram a ambientalista como a única que tem avançado firme de um mês para outro.
Se o caldeirão social continuar efervescente, com manifestações tomando cidades médias e grandes e chegando até as margens eleitorais, não é improvável que Marina continue a subir no ranking de prestígio e intenção de voto. Ela, e não o candidato de oposição, se apresenta como contraponto ao status quo, identificado com a barbárie política.
Seu trajeto será, porém, cheio de curvas, apontando-se, logo, a dificuldade de criar a Rede até outubro. Pediu registro do partido em mais de 10 Estados, tendo apresentado 830 mil assinaturas aos cartórios eleitorais; apenas 250 mil foram certificadas. A ambientalista se queixa da lentidão dos cartórios.
Mais uma armadilha embaralha a Rede. O maior número de seus adeptos integra as faixas jovens, exatamente o eleitorado mais refratário às urnas. Vale lembrar que há 40 milhões de jovens eleitores entre as idades de 18 a 30 anos. Entre os jovens de 16 a 24 anos, Marina Silva, segundo pesquisas, tem hoje 31% contra 27% de Dilma.
Já no caso dos eleitores com nível superior, a diferença é bem maior: Marina soma 33% contra apenas 19% de Dilma. No instante em que mais precisa do apoio da juventude para se legitimar, o partido se vê às voltas com o imbróglio: falta de registro dos mais jovens e de idosos, os primeiros por nunca terem votado, os segundos por não terem votado recentemente.
Se ultrapassar a barreira, a candidatura pode se firmar, o que não significará menos percalços. O novo partido disporia de tempo exíguo para dar visibilidade à candidata, algo menos de 2 minutos. A lógica aponta para sua “canibalização” por atores das grandes coligações, que disporão de grande poder de fogo.
Os marineiros argumentam que contam com o cacife da nova ordem instalada no país, animada pela banda de música das redes sociais. Imaginam que mídias alternativas quebrarão o monopólio de mídias massivas. Difícil apostar na hipótese. Mas o imponderável tem baixado por essas plagas.
Quem não tem bala perde a guerra. O chiste é também usado na política. E a grana para correr o país, fazer mobilizações, instalar palanques, mobilizar cabos eleitorais, arrumar parceiros e candidatos estaduais?
A Rede já avisou que dispensa doações de empresas. Espera que seus simpatizantes sustentem a mais renhida campanha da atualidade? Hum! Pé de página: digamos que Marina se eleja. Chegaria, então, a hora de a onça amazônica beber água na fonte dos pragmáticos. Haveria água para não morrer de sede? Governaria sem o Toma Lá, Dá Cá? Sonháticos acham que sim. Pragmáticos acham que não. Cada qual com seu bordão!
25 de agosto de 2013
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.
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