Salvo um percalço inesperado, que ninguém verdadeiramente deseja, o cenário está montado para que a União Europeia chegue esta segunda-feira, ao fim do dia, em Bruxelas, a um acordo in extremis sobre a Grécia.
Primeiro, reúnem-se os ministros das Finanças da zona Euro para debater novas propostas apresentadas por Atenas, seguindo-se um Conselho Europeu extraordinário, onde os chefes de Estado e de Governo da União deverão limar as últimas arestas, antes de anunciarem “fumo branco”, pondo fim, ainda que provisoriamente, a meio ano de tensões que ameaçaram a estabilidade do Euro e agudizaram as incertezas sobre o futuro da própria UE.
Nunca como agora se assistira na União Europeia a um confronto tão intenso, à beira de uma ruptura de consequências que facilmente se adivinham dramáticas, mesmo trágicas.
O confronto de posições atingiu uma violência verbal sem precedentes, com a Grécia a acusar os seus credores institucionais e em particular o FMI de “comportamento criminoso” e a diretora Christine Lagarde a insinuar que os atuais governantes gregos eram irresponsáveis e pouco adultos.
Uma e outra parte disseram mesmo que tinham chegado ao limite e que a bola estava agora do outro lado – os gregos afirmando aguardar maior compreensão dos credores e estes acentuando que cabia aos gregos ir ao encontro das posições europeias.
Muitos líderes europeus mostraram-se convencidos de que a UE e o Euro aguentariam bem o impacto de uma eventual saída da Grécia e esta, por seu turno, parecia cada vez mais disposta a enfrentar os riscos de uma ruptura, não tendo aparentemente “nada a perder”.
A expectativa de uma saída iminente provocou, na Grécia, uma corrida em massa aos bancos, com as pessoas a levantarem os seus depósitos, receosas de um possível congelamento e corte nas poupanças e aplicações e introdução de controlo de capitais, aos quais inevitavelmente se seguiria uma grande desvalorização cambial, caso o país saísse do Euro e tivesse que reintroduzir a sua própria moeda.
Desde o início do ano, a média de saques bancários tem sido de 7 a 7,5 mil milhões de Euros por mês – uma sangria que ameaça exaurir os bancos gregos, que só se têm conseguido aguentar graças ao mecanismo europeu de apoio gerido pelo Banco Central Europeu. Mas o último “balão de oxigénio” só chega justamente até esta segunda-feira, ficando o BCE na expectativa das decisões da cimeira.
Considerações geoestratégicas suavizam posições
Apesar da retórica extrema de um lado e do outro, foram entretanto surgindo, nos últimos dias, alguns sinais indiciadores de que o jogo ainda não estava completamente fechado.
Decisiva, nessa evolução, ainda que ténue, foi a insistente recomendação de Washington para que a UE não deixe “cair a Grécia”, com as consequências geoestratégicas que se adivinham e que as duas visitas do PM grego à Rússia em menos de seis meses deixam claramente antever.
Esta semana, Tsipras assinou mesmo com Pútin um acordo – no montante de 2 mil milhões de dólares - com vista à construção de um ramal de gasoduto que levará gás russo (vindo através da Turquia) para a Europa central, o que, a concretizar-se, irá assegurar a Atenas uma importante fonte permanente de divisas.
Foi aliás um norte-americano – Larry Summers, ex-secretário de Estado do Tesouro de Bill Clinton – que este sábado, e na sequência das recomendações de Washington, adiantou o que poderia ser um compromisso possível a selar segunda-feira em Bruxelas: os gregos aceitariam mais alguns cortes nas pensões e subidas no IVA (imposto sobre o valor acrescentado), em troca de uma promessa de reestruturação da dívida grega, que já vai nuns insustentáveis 183% do PIB.
Todas as atenções vão agora estar voltadas para a chanceler alemã, Angela Merkel, a quem cabe uma palavra decisiva, nomeadamente para convencer os seus aliados ricos do Norte, sempre mais calvinistas que Calvino.
Até agora, Merkel tem sabido singrar em mar agitado, equilibrando uma constante dureza de princípios, proclamada para não perder eleitorado, com a maleabilidade suficiente – ainda que só aceite “in extremis” – para evitar soluções extremas, sempre mais arriscadas.
A verdade é que nem a Grécia deseja enfrentar o caos de uma ruptura (a maioria da população é claramente a favor da permanência no Euro), nem a UE parece disposta a enfrentar os riscos de um cataclismo económico-financeiro na Grécia.
É por isso expectável que, também desta vez, os interesses geoestratégicos e a prudência política acabem por sobrepor-se às considerações estritamente financeiras. Afinal, a União Europeia, embora isso esteja bastante esquecido hoje em dia, mais do que um projeto económico, é acima de tudo uma construção política.
Há, portanto, razões para esperar que nesta segunda-feira se acabe por chegar a um acordo de última hora sobre a Grécia, em que ninguém perca a face: as instituições, hoje dominadas por uma grande ortodoxia financeira, terão feito sentir até ao limite que não se foge impunemente ao cumprimento das regras e os gregos terão demonstrado que é possível, sim, havendo vontade, fazer valer os interesses nacionais, não se limitando a curvar a cabeça, venerandos e obrigados, perante o diktat dos mais fortes.
Bem vistas as coisas, respeitar-se-á a tradição – sempre na UE, desde os seus primórdios, as grandes decisões (e, por vezes, muitas das pequenas) tiveram partos difíceis e prolongados, só se chegando ao necessário consenso ao cabo de muitas horas, semanas, meses e até anos, de penosas tratativas.
A concretizar-se, um acordo em Bruxelas afastará do horizonte os riscos financeiros e políticos mais imediatos da crise grega. Mas não resolverá nem os agudos problemas da insuficiente estrutura do Euro que a crise dos últimos anos veio revelar, nem as contradições políticas que atravessam a União, hoje governada em estilo de diretório não eleito que se concilia mal ou conflitua mesmo com uma articulação autenticamente democrática da vontade das nações que a integram.
Essas são, no entanto, outras questões, a encarar mais à frente. De imediato, o mais urgente é pôr fim ao confronto com a Grécia, por forma a que, no final do dia, se possa dizer Habemus Europam – temos Europa.
23 de junho de 2015
Carlos Fino
Primeiro, reúnem-se os ministros das Finanças da zona Euro para debater novas propostas apresentadas por Atenas, seguindo-se um Conselho Europeu extraordinário, onde os chefes de Estado e de Governo da União deverão limar as últimas arestas, antes de anunciarem “fumo branco”, pondo fim, ainda que provisoriamente, a meio ano de tensões que ameaçaram a estabilidade do Euro e agudizaram as incertezas sobre o futuro da própria UE.
Nunca como agora se assistira na União Europeia a um confronto tão intenso, à beira de uma ruptura de consequências que facilmente se adivinham dramáticas, mesmo trágicas.
O confronto de posições atingiu uma violência verbal sem precedentes, com a Grécia a acusar os seus credores institucionais e em particular o FMI de “comportamento criminoso” e a diretora Christine Lagarde a insinuar que os atuais governantes gregos eram irresponsáveis e pouco adultos.
Uma e outra parte disseram mesmo que tinham chegado ao limite e que a bola estava agora do outro lado – os gregos afirmando aguardar maior compreensão dos credores e estes acentuando que cabia aos gregos ir ao encontro das posições europeias.
Muitos líderes europeus mostraram-se convencidos de que a UE e o Euro aguentariam bem o impacto de uma eventual saída da Grécia e esta, por seu turno, parecia cada vez mais disposta a enfrentar os riscos de uma ruptura, não tendo aparentemente “nada a perder”.
A expectativa de uma saída iminente provocou, na Grécia, uma corrida em massa aos bancos, com as pessoas a levantarem os seus depósitos, receosas de um possível congelamento e corte nas poupanças e aplicações e introdução de controlo de capitais, aos quais inevitavelmente se seguiria uma grande desvalorização cambial, caso o país saísse do Euro e tivesse que reintroduzir a sua própria moeda.
Desde o início do ano, a média de saques bancários tem sido de 7 a 7,5 mil milhões de Euros por mês – uma sangria que ameaça exaurir os bancos gregos, que só se têm conseguido aguentar graças ao mecanismo europeu de apoio gerido pelo Banco Central Europeu. Mas o último “balão de oxigénio” só chega justamente até esta segunda-feira, ficando o BCE na expectativa das decisões da cimeira.
Considerações geoestratégicas suavizam posições
Apesar da retórica extrema de um lado e do outro, foram entretanto surgindo, nos últimos dias, alguns sinais indiciadores de que o jogo ainda não estava completamente fechado.
Decisiva, nessa evolução, ainda que ténue, foi a insistente recomendação de Washington para que a UE não deixe “cair a Grécia”, com as consequências geoestratégicas que se adivinham e que as duas visitas do PM grego à Rússia em menos de seis meses deixam claramente antever.
Esta semana, Tsipras assinou mesmo com Pútin um acordo – no montante de 2 mil milhões de dólares - com vista à construção de um ramal de gasoduto que levará gás russo (vindo através da Turquia) para a Europa central, o que, a concretizar-se, irá assegurar a Atenas uma importante fonte permanente de divisas.
Foi aliás um norte-americano – Larry Summers, ex-secretário de Estado do Tesouro de Bill Clinton – que este sábado, e na sequência das recomendações de Washington, adiantou o que poderia ser um compromisso possível a selar segunda-feira em Bruxelas: os gregos aceitariam mais alguns cortes nas pensões e subidas no IVA (imposto sobre o valor acrescentado), em troca de uma promessa de reestruturação da dívida grega, que já vai nuns insustentáveis 183% do PIB.
Todas as atenções vão agora estar voltadas para a chanceler alemã, Angela Merkel, a quem cabe uma palavra decisiva, nomeadamente para convencer os seus aliados ricos do Norte, sempre mais calvinistas que Calvino.
Até agora, Merkel tem sabido singrar em mar agitado, equilibrando uma constante dureza de princípios, proclamada para não perder eleitorado, com a maleabilidade suficiente – ainda que só aceite “in extremis” – para evitar soluções extremas, sempre mais arriscadas.
A verdade é que nem a Grécia deseja enfrentar o caos de uma ruptura (a maioria da população é claramente a favor da permanência no Euro), nem a UE parece disposta a enfrentar os riscos de um cataclismo económico-financeiro na Grécia.
É por isso expectável que, também desta vez, os interesses geoestratégicos e a prudência política acabem por sobrepor-se às considerações estritamente financeiras. Afinal, a União Europeia, embora isso esteja bastante esquecido hoje em dia, mais do que um projeto económico, é acima de tudo uma construção política.
Há, portanto, razões para esperar que nesta segunda-feira se acabe por chegar a um acordo de última hora sobre a Grécia, em que ninguém perca a face: as instituições, hoje dominadas por uma grande ortodoxia financeira, terão feito sentir até ao limite que não se foge impunemente ao cumprimento das regras e os gregos terão demonstrado que é possível, sim, havendo vontade, fazer valer os interesses nacionais, não se limitando a curvar a cabeça, venerandos e obrigados, perante o diktat dos mais fortes.
Bem vistas as coisas, respeitar-se-á a tradição – sempre na UE, desde os seus primórdios, as grandes decisões (e, por vezes, muitas das pequenas) tiveram partos difíceis e prolongados, só se chegando ao necessário consenso ao cabo de muitas horas, semanas, meses e até anos, de penosas tratativas.
A concretizar-se, um acordo em Bruxelas afastará do horizonte os riscos financeiros e políticos mais imediatos da crise grega. Mas não resolverá nem os agudos problemas da insuficiente estrutura do Euro que a crise dos últimos anos veio revelar, nem as contradições políticas que atravessam a União, hoje governada em estilo de diretório não eleito que se concilia mal ou conflitua mesmo com uma articulação autenticamente democrática da vontade das nações que a integram.
Essas são, no entanto, outras questões, a encarar mais à frente. De imediato, o mais urgente é pôr fim ao confronto com a Grécia, por forma a que, no final do dia, se possa dizer Habemus Europam – temos Europa.
23 de junho de 2015
Carlos Fino
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