Especialista em terrorismo e autora do recém-lançado “A Fênix Islamista: o Estado Islâmico e a reconfiguração do Oriente Médio” (Ed. Bertrand Brasil), a italiana Loretta Napoleoni afirma que o Estado Islâmico (EI) está em fase de expansão, aglutinando outros grupos jihadistas sob sua influência.
Quase um ano se passou desde o anúncio da criação do califado na Síria e no Iraque. Já é possível ter uma ideia do quão grande e poderoso o Estado Islâmico pode ficar nos próximos anos?
Sim, o que vemos agora é a formação de uma frente global no mundo muçulmano com o grupos como o Boko Haram, os grupos líbios e parte da al-Qaeda na Península Arábica jurando aliança ao Estado Islâmico. Acho que nos próximos meses teremos uma expansão dessa frente para o Cáucaso, a Ásia Central, países como o Afeganistão e o Paquistão, e o Sudeste Asiático. As características dessa frente não seriam necessariamente ligadas ao salafismo radical, mas sim uma forma do Estado Islâmico se apresentar como um elemento anti-imperialista contra as oligarquias corruptas do mundo muçulmano e os poderes estrangeiros que os apoiam.
O Estado Islâmico recebeu apoio de grupos de diversas partes do mundo como a Nigéria, o Iêmen e as Filipinas. Esse apoio fortalece a posição do grupo na Síria e no Iraque ou podemos ver o início de “colônias do califado” se espalhando pelo planeta?
A aliança dos grupos funciona como uma espécie de federação. O Boko Haram não vai receber ordens diretas do califa, mas eles estarão ligados ideologicamente, combinarão estratégias e estarão em constante comunicação, ainda que definitivamente não estejamos falando dos Estados Unidos do Estado Islâmico. A meta é nos assustar, já que somos o inimigo comum, e essas alianças fazem o Estado Islâmico parecer muito mais forte do que ele realmente é. Será uma federação sob o nome do califado, mas na qual todas os envolvidos serão independentes, até porque qualquer um pode abraçar a bandeira do grupo.
O Estado Islâmico recebeu um enorme contingente de jihadistas europeus. Como esses combatentes, que cresceram em sociedades com valores ocidentais, podem influenciar a formação do novo Estado na Síria e no Iraque?
Os jihadistas europeus saem de um cenário de enorme marginalização e se tornam importantes no combate, mas é isso o que eles fazem: combater. Há uma clara divisão de trabalho na estrutura do Estado Islâmico. Os estrangeiros estão envolvidos na luta e nas negociações de reféns ocidentais, mas não têm poder de comando. A administração, se é que podemos chamá-la assim, está toda nas mãos de iraquianos, e a parte burocrática do Estado Islâmico está toda nas mãos de locais. Nenhum estrangeiro vai impactar as políticas do grupo.
Ao contrário da al-Qaeda, que realizava atentados em países ocidentais, o Estado Islâmico tem se mostrado menos atuante no chamado “terrorismo clássico”, ainda que ataques de “lobos solitários” aliados ao grupo tenham acontecido no Canadá, na França e na Tunísia. Até que ponto o Estado Islâmico é uma verdeira ameaça para a segurança dos países ocidentais?
O Estado Islâmico em si não é uma ameaça. Não estamos falando da possibilidade de invasões em países ocidentais. A ameaça real são mais ataques como esses, que o grupo saberá explorar, como aconteceu na Tunísia, onde os atiradores tinham turistas estrangeiros como alvos. A narrativa apresentada pelos políticos é muito semelhante à usada pelo governo britânico contra o IRA nos anos 1970. Havia centenas de pessoas morrendo todos os anos, é verdade, mas a percepção que o Reino Unido tinha na época e que o Ocidente tem hoje, de que as estruturas políticas estão ameaçadas, é errada.
No livro, o Estado Islâmico é apresentado como um grupo capaz de equilibrar a violência e a barbárie com programas assistencialistas e um cuidado pela infraestrutura dos territórios dominados. Como acontece esse equilíbrio?
Há perseguição contra as minorias, mas não chamaria a relação que o Estado Islâmico mantém hoje com a população sob seu controle, de opressão, uma vez que são sunitas lidando com sunitas ou membros de minorias que se converteram. É uma população muito homogênea, e isso facilita o controle sobre o território. Há muito envolvimento dos líderes tribais locais, e sem a permissão desses líderes, o Estado Islâmico não teria chegado a lugar nenhum. Os líderes tribais perceberam que poderiam se beneficiar da ascensão do Estado Islâmico e foram muito eficazes ao estabelecer sua liderança junto ao grupo.
Em “A Fênix Islamista”, você destaca a habilidade do Estado Islâmico de se tornar independente de seus financiadores ao assumir o controle da região. É possível dizer que a guerra contra o grupo não é apenas militar, mas também econômica?
Não, porque agora já é tarde demais para uma batalha econômica. Cometemos erros gravíssimos. Deveríamos estar atentos ao que estava acontecendo na Síria e nos países do Golfo Pérsico, mas não prestamos atenção suficiente. O Estado Islâmico tem o controle do petróleo e do contrabando nas mãos. Agora, a única maneira de derrotá-los economicamente seria arrasar o território, mas para isso seria necessário atingir a população civil, o que de certa forma já é o que estamos fazendo agora. No entanto, essa nunca poderia ser uma política oficial.
Os curdos da Síria acusam a Turquia de apoiar o Estado Islâmico. A mesma acusação foi feita pelo ex-presidente iraquiano Nouri al-Maliki com relação aos sauditas, e o secretário americano de Estado, John Kerry, afirmou que as tropas de Assad evitaram enfrentar o grupo para enfraquecer o Exército Livre da Síria. Quem realmente está apoiando o Estado Islâmico?
É um movimento jihadista global. Não há nenhum poder estabelecido patrocinando o Estado Islâmico e o motivo para isso é simples: o grupo é uma ameaça a todos eles. O califa é encarado como um descendente direto de Maomé, e acima dele só estariam Alá e seu profeta. Apesar das acusações, o clã dos Saud sabe que, uma vez estabelecido, o califado não se relacionará com ninguém em níveis de igualdade. Certamente há pessoas poderosas que acreditam que possam um dia se beneficiar com o crescimento do Estado Islâmico, mas nenhuma delas representa um governo.
O fato do combate ao Estado Islâmico ter colocado lado a lado inimigos como os Estados Unidos e o Irã pode trazer melhorias a essas relações?
Acho que negociar com o Irã neste caso foi um enorme erro. Não há nenhum estratégia de longo prazo e trazer os iranianos para o combate é uma medida muito perigosa. Esse é o tipo de política externa que nos levou à situação que vivemos hoje. O que você acha que acontecerá quando as forças iranianas se instalarem no Iraque? Elas irão galvanizar toda a resistência sunita, e fortalecer o Estado Islâmico fazendo com que a situação no Norte do Iraque se degenere em uma nova guerra.
O Estado Islâmico não precisa que Assad perca a guerra. Ele já provou que pode se estabelecer sozinho, e isso é um exemplo do fracasso de liderança global do Ocidente. Todos seguem os Estados Unidos, e os países europeus não parecem ter noção do que estão fazendo
23 de março de 2015
23 de março de 2015
Felipe Benjamin
O Globo
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