"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 23 de março de 2015

NÃO HÁ DEPRESSÃO NOS SELFIES





Você tem uma segunda vida? Habita algum universo paralelo? Quem sabe virou um avatar e sua existência real está em risco de ser extinta? Pois me dei ao trabalho de visitar diversos endereços de amigos e conhecidos, que me cobravam que “sumira”. Afinal, não estou nas redes sociais (ah lembrei, tenho um blog desmobilizado e empacado em uma nuvem qualquer). Facebook, Twitter, WhatsApp, LinkedIn e outras não me cabem. Sou, pois, um morto-vivo, um sem teto virtual. Não existo, simples assim. Preferi não embarcar nesse universo paralelo virtual para brabeza de filhos, estranheza de sumidos amigos, e censura de parceiros “procuramos seu conteúdo, sua história, mas lamento dizer que Eduardo Andrade Aquino não existe”.
Em um misto de surpresa e desencanto, confessei que houvera optado por virar um ermitão, um monge franciscano, com grande dificuldade em me digitalizar. Habito o mundo real, de onde extraio a essência do que preciso, e a cada vez, confesso, preciso de menos coisas. Essencial para mim é ter tempo. Pois sem ele perco energia e uma habilidade que Deus me confiou: a arte de observar o mundo real. Fui criado, quem sabe mal criado, para, de posse do tempo e da capacidade de observar, desenvolver alguma sabedoria. Evidentemente, preciso de um combustível para tal tarefa e de tempos em tempos, me abasteço de curiosidade. Algo muito profundo, talvez a tal voz da consciência, me obrigue a responder a uma interminável série de perguntas do tipo “por quê?”.
BUSCAR O CULPADO
Talvez a culpa (sempre essa tendência a buscar o culpado, e como em casa nunca tive mordomo…) seja do meu pai, que me presenteou com diversas coleções de livros: Conhecer, Tecnirama, Barsa, A Segunda Guerra Mundial, Monteiro Lobato, Jorge Amado, Honoré de Balzac, entre outros, mas especialmente o Tesouro da Juventude – e nesta última havia uma seção que me viciou. Chamava “O Livro dos Porquês”, que explicava desde como se comportavam as formigas na sua rígida sociedade dos formigueiros até como a TV funciona, passando por bomba atômica e o papel do clitóris na fisiologia feminina. Nada que eu li me valeu para ser um médico, mas o aprendizado da importância da observação, do tempo e da sabedoria me valem até hoje, e assim continuará até a minha morte.
Mas, voltando à vaca fria, me dispus a ter curiosidade para vencer minha tecnofobia e visitar o universo paralelo internáutico para rever amigos. Me assustei com os selfies risonhos, com a intimidade de jantares, viagens e a alegria sempre presente de todo mundo. Dentes brancos sorrindo, rostos lisos (Photoshop ou botox? Está vendo o livro dos porquês?), alegria universal no mundo virtual! Psiquiatras não existem neste universo; eles morrem de fome. Aliás, todos os endereços, podiam ser de Miami, Guarapari, ou no jardim do vizinho, têm a grama superverde. Filhas, noras ou amantes, sei lá, posavam muito sensuais, com seus corpos dourados e seminus ao alcance de qualquer alienígena do mundo real. Preferi não deixar recado, menos ainda convidá-los a ir lá em casa: “estou sem tempo!”, seria a resposta.
PESSOAS TIPO ZUMBI
Resolvi assistir a um filme e observei pessoas azumbizadas, hipnotizadas pelo smartphone, andando pelo shopping como se o mundo real não existisse. Ninguém olhou para mim quando perguntei as horas ou se levantou quando a velhinha ficou em pé na recepção. Estou sendo extinto ou, quem sabe, sou um futurista, pois quando a energia faltar ou der um grande bug que desligue de uma só vez todos os eletrônicos, sairei do meu mosteiro e transferirei toda sabedoria e experiência para responder a quantidade de porquês que me farão os analfabetos no mundo real.
Aí, só de chato, responderei: “E por que não?!” Por que não viver cada sensação que meus olhos, meus ouvidos, meu olfato, meu tato e meu paladar me propiciam gratuitamente? Por que não amar, fazer uma poesia, puxar um papo descontraído com o desconhecido ao lado? Curtir uma angústia, encarar um medo, ter um ciúme saudável.
Viver é experimentar, construir um conhecimento, mais que consumir uma informação. Pela teoria do multiverso, talvez esteja em outra dimensão e meu personagem aqui seja um rebelde sem causa? Por que não?

23 de março de 2015
Eduardo Aquino
O Tempo

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