"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 24 de março de 2015

HISTÓRICO DA GUERRILHA DO ARAGUAIA (PARTE 1)

 


 
A descoberta, pelos Órgãos de Inteligência, do trabalho de campo na região do Araguaia, conduzido pela “Comissão Militar” vinculada à Executiva Nacional do Partido Comunista do Brasil, em abril de 1972, foi obra do acaso. Até que esse conhecimento tivesse sido adquirido, existiam apenas indícios sobre ele, ao longo do rio Araguaia, área prenhe de conflitos de terras e de atuação da Igreja Progressista.
Essa descoberta deveu-se ao jovem Pedro Albuquerque Neto, detido em Fortaleza, em fevereiro de 1972, pelo Departamento de Polícia Federal do Ceará, ao buscar obter uma cédula de identidade. Pedro já possuia antecedentes, por ter sido detido em outubro de 1968, como integrante do grupo de estudantes que tentou realizar o 30º Congresso da UNE em Ibiúna, São Paulo.
Em suas declarações à Polícia, disse haver sido deslocado pelo PC do B, em 1971, juntamente com sua companheira, do Ceará para São Paulo, e daí para a região do município de Marabá, a um lugarejo chamado Cigana, onde havia um campo de preparação para a guerrilha rural. Nessa área, dirigida por “Paulo”, havia um grupo de cerca de 15 militantes  do Partido em treinamento.
Pedro Albuquerque disse ter permanecido no referido campo, com sua companheira, por aproximadamente seis meses, abandonando o local, por iniciativa própria, face à impossibilidade de conciliar a assistência à sua companheira, grávida, com as obrigações revolucionárias, e face à insistência dos dirigentes do partido para que a gravidez fosse interrompida por um aborto.
Depois de constatada, pelos Órgãos de Inteligência, a veracidade das declarações de Pedro Albuquerque Neto, as autoridades competentes acionaram o comando da 8ª Região Militar, em Belém, Pará, responsável pela segurança da área.
Assinale-se que, anteriormente, nos início dos anos 70, haviam sido criados os Destacamentos de Operações e Informações dos Centros de Operações de Defesa Interna (DOI/CODIs) nas áreas dos comandos de Exércitos e comandos militares, com a missão específica de agir, conjuntamente com as outras Forças Singulares, forças auxiliares e órgãos policiais dos Estados, no combate à subversão que então atingira seu ápice.
Posteriormente, em outubro de 1970, a Presidência da República emitiu o documento “Planejamento de Segurança Interna“ e, em seguida, os Ministros Militares, com base nesse documento, baixaram suas diretrizes específicas, conferindo, assim, ao então Sistema Nacional de Informações, a base legal para o combate independente, ou em ações conjuntas, à subversão.
Recorde-se que no início dos anos 70 o Brasil possuía uma população de 70 milhões de pessoas e o efetivo de todos os partidos e organizações marxistas-leninistas-trotskistas-maoistas-castristas-anarquistas então em atividade, em todo o território nacional, com seus aliados, simpatizantes e respectivas bases de apoio, era estimado em cerca de 25 mil, menos de 0,04% da população.
O Partido Comunista Brasileiro, não por acaso conhecido como O Partidão, embora abjurando a luta armada, é o que desempenhava uma atividade mais sutil e deletéria, face ao grande número de seus membros nos meios intelectuais, jornalísticos e nas cátedras escolares - alguns considerados acima de qualquer suspeita -, e muitos deles mantidos ingenuamente pela Revolução de 31 de Março de 1964 em seus cargos federais, estaduais e municipais, todos “fazendo a cabeça” dos sinceramente desavisados e desinformados.
Pela avaliação realizada pelos órgãos competentes do governo no que diz respeito ao trabalho de campo na área do Araguaia, concluiu-se que o Partido Comunista do Brasil jamais conseguiria o apoio da rarefeita população da área, constituída, na quase  totalidade, por camponeses oriundos do Norte e Nordeste do país, com quase nenhum grau de instrução, sem condições intelectuais, portanto, de absorver a sofisticada ideologia científica.
 
Nessa avaliação, ficou claro que em abril de 1972 - 6 anos após a chegada dos primeiros militantes à Área Estratégica - os guerrilheiros ainda não se sentiam seguros para iniciar o trabalho de cooptação ideológica dos moradores locais. Buscavam, isto sim, os paulistas - como eram conhecidos os guerrilheiros -, obter o reconhecimento da sofrida população através de precários atendimentos médicos e farmacêuticos e fornecimento de medicamentos.
Registre-se que naquele momento - abril de 1972 - a guerrilha urbana já estava em fase terminal.
Embora o governo Médici fosse notoriamente popular, forte e coeso, isso não incomodava o Sr. João Amazonas e seus companheiros de direção do PC do B que o julgavam, em suas análises, cada vez mais instável e desprovido de base social. O projeto do partido deveria, portanto, ir avante. Afinal, a partir da constituição do partido, em 1962, já se haviam ido cerca de 10 anos de investimentos. E, como justificar o recuo perante os camaradas da China e da Albânia? E, também, eram menos de 100 jovens... Um número insignificante para o partido representante da classe operária.
Sem apoio de Inteligência e da população, sem apoio externo, sem comunicações, sem apoio político, financeiro e militar, e com armamento deficiente, não houve Guerra Revolucionária alguma. No chamadotrabalho de campo, no estágio em que foi encontrado, os guerrilheiros ainda não dispunham e, daí em diante, nunca chegaram a dispor da situação considerada ideal para a guerrilha.
A Guerra Revolucionária limitou-se a manobras evasivas dos rebeldes, objetivando desgastar os contra-rebeldes, e à permanente fuga através da selva. Nesse sentido, os guerrilheiros levavam a vantagem do perfeito conhecimento da região. É evidente que os contra-rebeldes só iriam conseguir esse conhecimento após algum tempo. 
Para os que não conhecem a Selva Amazônica, a penetração acarreta um alto grau de insegurança, pois a região é inóspita e a mata virgem só mantém a claridade do dia no período das 9 às 15 horas. Nessas condições, os contra-rebeldes, para penetração na selva em trabalhos de busca, necessitavam da colaboração de mateiros nativos da região.
A “Comissão Militar” que dirigia a guerrilha composta, evidentemente, pelo que o partido julgava  ser o que de melhor havia em matéria de luta armada, não soube fazer uma avaliação de seus fatores de força e de fraqueza, permanecendo em uma área já descoberta e em certo momento determinando o agrupamento dos três Destacamentos sob seu comando, aceitando, portanto, o inevitável confronto, sacrificando os melhores quadros do partido e um grupo de jovens inexperientes, levando-os à morte.
Por outro lado, a Executiva Nacional do PC do B e a“Comissão Militar”, ao que parece, analisaram de forma distorcida a operação levada a efeito, por etapas, pelas Forças Armadas, julgando que o retraimento em cada uma dessas etapas constituía uma vitória da guerrilha, e que, assim, teriam condições de manter-se no local indefinidamente, por falta de competência da tropa contra-rebelde. Não souberam avaliar que nos períodos de tempo em que contingentes das Forças Armadas não se mantinham na área era dedicado a trabalhos de Inteligência, levantando dados sobre os guerrilheiros, os moradores, sobre a tendência ideológica de cada morador, e reconhecendo a região. 
Na verdade, seriam o Sr João Amazonas, dirigente máximo do PC do B já falecido, e a Srª Elza de Lima Monerat - integrante do Comitê Central, cuja tarefa era conduzir os jovens, de São Paulo para o Brasil Central -, quem deveriam ter sido responsabilizados pelos familiares dos jovens mortos na louca empreitada por eles imaginada, abandonados à própria sorte, sem condições mínimas de sobrevivência e de luta. Ambos chegaram à área no início de 1968, mas se retiraram, desertando e voltando para São Paulo em abril de 1972, tão logo os confrontos tiveram início.
O único apoio recebido por esses jovens foi o moral, transmitido através dos programas em português, dirigidos ao Brasil, pela Rádio Tirana, da Albânia. Esse apoio, no entanto, não custava dinheiro e não envolvia riscos para os dirigentes partidários.
Na composição do contingente levado para o Araguaia predominou o número de militantes oriundos da classe média, embora pelos ensinamentos da doutrina científicao proletariado é que seria o coveiro do capitalismo: 44% eram estudantes universitários, 8% secundaristas, 16% profissionais liberais (professores, médicos, advogados) e 12% comerciários, bancários e outros. Isso significa que mais de 70% dos militantes engajados na guerrilha eram procedentes das chamadas camadas médias. Os operários, força motriz da revolução, eram cerca de 6% apenas.
Isso tem um significado: o fraquíssimo enraizamento do PC do B, definido pelos documentos partidários como opartido da classe operária, na dita classe operária, considerada a categoria social básica para o êxito da luta revolucionária. Isso viria a ser reconhecido pelo ex-guerrilheiro José Genoino Neto, em uma avaliação tornada pública em 1979. 
Desde o seu 8º Congresso, em 1992, o PC do B foi transformado em um partido
 light, após renegar a figura de Stalin que havia sido considerado em 1962, quando o PC do B foi fundado, o “quarto clássico do marxismo-leninismo”.
Após o desmantelamento do socialismo real e da morte do ditador Henver Hodja, guia genial do povo albanês, a Albânia, considerada pelo PC do B como o farol do socialismo, foi também renegada pelo 8º Congresso.
João Amazonas, dirigente supremo do Partido Comunista do Brasil desde 1962 até seu falecimentoi, ou seja, desde que o partido passou a existir, ao prestar um depoimento, em 16 de maio de 1996, sobre a Guerrilha do Araguaia, na
 Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, faltou descaradamente com a verdade, distorcendo os fatos, no afã de justificar o injustificável: a morte dos jovens militantes levados pelo partido para a Selva Amazônica, a fim de desencadearem a luta “em favor dos oprimidos”. Além de traçar um retrato baluartista da guerrilha e atacar os militares “que atuaram como bárbaros, violando a Convenção de Genebra”, o kamarada Amazonas tentou fazer crer que a guerrilha era “uma resposta do povo” ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 e às atividades dos DOI/CODI (constituídos somente no início dos anos 70). Disse também que “o movimento contou com amplo apoio da população” e que, “para nós, o Araguaia foi uma grande experiência”.
Deve ser consignado que João Amazonas em seu depoimento na
 Comissão de Direitos Humanos, após uma breve exposição, respondeu “perguntas” formuladas pelos seguintes deputados: Inácio Arruda, Socorro Gomes, Haroldo Lima, Aldo Arantes, Jandira Feghali, Aldo Rebelo, Sérgio Miranda e Lindberg Farias, todos membros do partido por ele dirigido, o PC do B!
Ao afirmar que os militares “atuaram como bárbaros”,João Amazonas esqueceu-se de mencionar ter sido dele a iniciativa da constituição da Área Estratégica nas selvas do Brasil Central, com jovens recrutados nas cidades, futuros membros do Exército Popular de Libertação que imporia ao Brasil uma República Democrática Popular, ou seja, ao pé da letra, nada mais que um pleonasmo: um governo do povo popular...
Esqueceu-se de dizer que as primeiras vítimas na guerrilha foram militares do Exército, muito antes que algum guerrilheiro fosse morto ou desaparecesse. 
Esqueceu-se de mencionar, também, que a guerrilha possuía leis próprias, como um Tribunal Revolucionáriocriado pela “Comissão Militar” e que essa “Comissão”,sem qualquer  julgamento, com base nessas leis próprias (eludindo a citada Convenção de Genebra), onde uns poucos podiam tudo, “justiçou” pelo menos dois integrantes da própria guerrilha que ousaram pensar com a própria cabeça e decidiram abandonar a louca empreitada. Os companheiros “justiçados” foram os guerrilheiros  “Mundico” e “Paulo”. Este, segundo uma publicação do próprio PC do B e “Mundico” apontado como tendo cometido o suicídio.
Esqueceu-se de recordar que pelo menos três habitantes da região, por suspeita de colaboração com as forças da ordem, considerados, portanto, segundo a cartilha do PC do B,
 “inimigos do povo”, foram também “justiçados”.
Cabe indagar que parcela do povo conferiu aos ungidos dirigentes do PC do B, ideológica e militarmente formados, primeiro na União Soviética e depois na China, o direito de julgar e assassinar, a título de “justiçamento”, os “inimigos do povo”? Quais os critérios utilizados para definir quem eram os amigos ou inimigos do povo?
É interessante assinalar que os “justiçamentos”, bem como as demais mortes na guerrilha, são abençoados por Frei Betto, que em um livro de sua autoria, “Nos Bastidores do Socialismo”, página 404, escreveu: “Quero deixar claro que admito a pena de morte em uma exceção: no decorrer da guerra de guerrilhas”.
Toda uma série de crimes, ademais, foi cometida pelos que se aventuraram na violência armada, na cidade e no campo. Livros recentemente escritos por militantes ou ex-militantes de partidos de esquerda e organizações terroristas, revelam esses crimes.
Deve ser reconhecido que na guerra suja contra a subversão armada as Forças Armadas não deixaram de agir com rigor, no cenário escolhido e com as armas propostas pelos inimigos da Pátria, retaliando com violência a violência revolucionária por eles iniciada. Sem dúvida, uma decisão em muito semelhante à adotada por Israel após o massacre de seus atletas na Olimpíada de Munique, em 1972, quando a então 1ª Ministra, Golda Meir, ordenou aos Serviços de Inteligência “matar os que mataram”.
Quando, a partir de 1966, o Partido Comunista do Brasil começou a deslocar um grupo de militantes para a “Área Estratégica”, no Norte de Goiás e Sul do Pará para a estruturação de um “trabalho de campo” visando a formação futura de um “Exército Popular de Libertação”, uma parcela das Forças Armadas brasileiras começava também a receber o treinamento necessário ao conhecimento da Guerra Revolucionária, então desencadeada em diversos países da América Latina e Central por decisão da “OLAS - Organização Latino-Americana de Solidariedade”, constituída nesse ano de 1966, em Havana.
Não tinham ainda, as Forças Armadas, experiência nesse tipo de Guerra, uma vez que nenhuma Academia Militar jamais ensinou como - por exemplo - ganhar a populaçãopara a sua causa. Quem faria o papel de população a serganha?
É evidente que os contra-rebeldes, ao penetrarem na área escolhida pelos rebeldes - a Área Estratégica - dificilmente poderiam distinguir quem era e quem não era guerrilheiro, já que ele poderia ser de qualquer sexo, qualquer idade e ter qualquer profissão. Ademais, os rebeldes possuíam a iniciativa, uma vantagem decisiva em qualquer tipo de guerra.
Neste sentido, os contra-rebeldes deveriam estar sempre atentos e prontos, com um número sempre muito maior e desproporcional de homens, para contra-atacar a quem ele não conhecia, objetivando manter um mínimo de controle da situação e um mínimo de contato com os rebeldes. Nessa situação era inevitável que algumas ações, como é o desejo dos rebeldes, atingissem a população inocente, criando arestas para os contra-rebeldes.
Recorde-se que, quando o PC do B iniciou aquilo que ele próprio denominou de trabalho de campo, em 1966, ainda não haviam eclodido os distúrbios estudantis - que tiveram seu ápice no Maio francês, no Quartier Latin, em Paris, e no Brasil, em 1968 - e a guerrilha urbana estava, ainda, em seu estágio inicial.
O atentado a bomba perpetrado no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, em 25 de julho de 1966, contra o General Costa e Silva, no qual perderam a vida o jornalista Edson Régis de Carvalho e o Almirante Nelson Gomes Fernandes, saindo ferido o hoje General Sylvio Ferreira da Silva, embora, como depois comprovado, tivesse sido uma ação de iniciativa individual de um militante da Ação Popular, pode ser definido como o início da guerrilha urbana.
A chamada pequena-burguesia, intelectuais e estudantes universitários foram os quadros que, em grande parte, constituíram as chamadas Organizações Revolucionárias.Jovens, em sua maioria idealistas, impregnados pelas doutrinas de seus ídolos de então - livremente ensinadas nas cátedras das Universidades -, Marx, Engels, Lênin, Mao, Trotsky, Che Guevara. O Manifesto Comunista, que em 2010 completou 162 anos, foi um dos escritos que fizeram a cabeça dessa juventude. Outro  livro, que já teve inúmeras reedições, foi o  “Conceitos Elementares do Materialismo Histórico”, escrito na década de 60 por  Marta Harnecker, marxista-leninista chilena que depois passou a viver em Cuba e transformou-se na principal ideóloga do Foro de São Paulo.
É forçoso reconhecer que ainda hoje, apesar do desmantelamento do socialismo que realmente existiu, do advento da globalização, do surgimento da Internet, e da descrença generalizada nos políticos, existe um grupo de jovens brasileiros – como, ademais, em todos os países - que acredita no socialismo e julga que o mundo só irá melhorar depois de uma revolução liderada pela classe trabalhadora, conduzida pelo partido da classe operária, o Partido Comunista, seja qual for o matiz de seu socialismo. Chamados de dinossauros por seus próprios colegas, por defenderem idéias ultrapassadas, eles dizem ter certeza que o capitalismo irá ruir em pouco tempo e, nesse sentido, vivem uma rotina estafante, dividindo seu tempo entre as aulas nas Universidades e o trabalho político nas fábricas, nas associações de bairro, nas próprias Universidades e nas passeatas..
Ser militante, é certo, não é tarefa para qualquer um, sendo quatro, pelo menos, os requisitos básicos imprescindíveis: assistir semanalmente às reuniões do seu núcleo de base; levar a política do partido aos movimentos sociais; divulgar o jornal do partido; e contribuir financeiramente para o partido ou organização.
Um desses dinossauros, com apenas 21 anos, disse recentemente à revista Veja que “não há nada mais excitante do que convencer uma pessoa de que o socialismo não morreu”.
A posição dos jovens guerrilheiros está perfeitamente definida no livro “O Que é Isso, Companheiro?”, de Fernando Gabeira. Segundo o livro, eles sentiam orgulho de ser considerados guerrilheiros.
As organizações comunistas constituídas na década de 60, a partir de inúmeras cisões ocorridas no tradicional Partido Comunista Brasileiro eram, em sua maioria, adeptas da “Teoria do Foco Guerrilheiro”. Recorde-se que, segundo essa teoria, a revolução deveria ser feita e conduzida a partir da proliferação de “focos guerrilheiros”,constituídos independentemente dos partidos, pois “o Foco era o próprio partido em verde; o Foco seria o pequeno motor que poria em ação o grande motor: a revolução”, segundo escreveu o intelectual francês Regis Debray, companheiro de Che nas selvas da Bolívia.
O Foco, todavia, era dependente das expropriações levadas a efeito nas cidades pelos guerrilheiros urbanos, para fazer finanças que tornassem possível a montagem de sua estrutura no interior do país.
No entanto, a guerrilha urbana foi dizimada e, pouco a pouco, tornou-se uma questão de sobrevivência dos próprios guerrilheiros que jamais conseguiram sair do círculo vicioso de assaltar para sobreviver. Isso já foi narrado em vários livros escritos por ex-terroristas, como, por exemplo, Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (“Clemente”), que foi um dos comandantes da ALN-Ação Libertadora Nacional, após as mortes de Carlos Marighela e Joaquim Câmara Ferreira. 
“Clemente” escreveu em seu livro “Nas Trilhas da ALN”, 1997, editora Bertrand Brasil, no qual faz uma profunda autocrítica, que a ALN: “ao final de cada mês, assaltava a fim de obter dinheiro para pagar os aluguéis dos aparelhos”. 
Sobre a ajuda fraternal dos companheiros cubanos à violência armada no Brasil, “Clemente” foi altamente crítico quando se referiu ao tratamento dado pelos membros da Inteligência cubana aos brasileiros que receberam treinamento militar em Cuba: “Eles tentam influenciar na escolha de nossos comandantes; fortalecem uns companheiros em detrimento de outros; isolam alguns para criar uma situação de dependência psicológica que facilite a aproximação, influência e recrutamento; alimentam melhor os que aderem à sua linha e fornecem informações da Organização; concedem status, que vão desde a localização e qualidade da moradia à presença em palanques nos atos oficiais; não respeitam nossas questões políticas e desconsideram nosso direito à autodeterminação”.

25 de março de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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