"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 13 de julho de 2014

FICHA NÃO TÃO LIMPA

Deficiências estruturais da Justiça Eleitoral prejudicam correta aplicação da lei de iniciativa popular que torna políticos inelegíveis

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a condenação do ex-governador José Roberto Arruda (PR-DF) e da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) por atos de improbidade administrativa.

Poderia bastar, nos termos da Lei da Ficha Limpa, para que ambos se tornassem inelegíveis no pleito deste ano, não fosse um relevante óbice: o lapso temporal.

A condenação foi confirmada pelo colegiado somente depois de os políticos terem registrado suas novas candidaturas ao governo do Distrito Federal e ao Legislativo. De acordo com o entendimento corrente nos tribunais, a decisão, para produzir efeitos neste ano, precisaria ter sido proferida antes das inscrições na Justiça Eleitoral.

A favor de Arruda pesou um recurso que, aceito pelo Superior Tribunal de Justiça no dia 24 de junho, suspendeu o andamento da ação. Embora revertido no Supremo Tribunal Federal, o ato forçou o TJ-DF a adiar o julgamento do ex-governador, antes marcado para o dia 25 do mês passado --a tempo, portanto, de ter efeito na eleição.

Ilustra-se, com esse episódio, as dificuldades de cumprimento dessa norma que busca contribuir para a moralização da política.

Fruto de iniciativa popular, com mais de um milhão de assinaturas de apoio, a Lei da Ficha Limpa foi promulgada em junho de 2010. Impede que pessoas condenadas em definitivo ou por órgãos colegiados e políticos cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação disputem cargos eletivos.

Quando aplicada pela primeira vez, no pleito municipal de 2012, respondeu por 43% dos 7.781 processos sobre registros de candidatura analisados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Agora consolidada, mas inédita em eleições gerais, tende a ser ainda mais invocada.

Será preciso contornar, porém, grandes deficiências apresentadas pela Justiça Eleitoral. No início da campanha, os tribunais regionais dedicados ao tema ainda tinham deficit de 38 juízes; na região Sudeste, 38% das vagas não estavam preenchidas, devido sobretudo a atrasos no processo de nomeação de advogados para os postos nessas cortes.

Ademais, diante do grande número de instâncias a serem consultadas para verificar se há processos que possam causar inelegibilidade --somente o Ministério Público Federal oficiou 6.000 órgãos--, parece escasso o prazo de cinco dias para que partidos e procuradorias eleitorais ajuízem ações.

Sendo uma das poucas leis de iniciativa popular existentes no país, seria grande desserviço permitir que obstáculos como esses façam a norma cair em descrédito --mas talvez seja exatamente isso o que pretendem certos políticos.

 
13 de julho de 2014
Editorial Folha de SP
  
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário