Um ano e um mês depois, outro espanto, segundo assombro, reprise de perplexidade. Agora o estupor é amplo, geral, irrestrito. Repete-se o apagão de junho de 2013, desta vez acima de classes, partidos e poderes – rigorosamente federal.
Saiu dos telões e telinhas, dos gramados, do banco da comissão técnica e espalha-se pelas ruas, está nos ônibus ainda incólumes, no metrô apinhado, nos elevadores, botecos, gabinetes, povoados e metrópoles, shoppings e grotões, na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, palácios, plenários, corredores, lavatórios.
Um país em estado de coma – auto induzido –, prostrado, apático, frustrado, melancolizado, passivo, exangue, desidratado. Uma colossal ressaca sem libações, endógena, sugere apenas desabafos. O divã tornou-se gênero de primeira necessidade. Uma catarse seria recomendável, porém sem narrador como reviver, purgar e superar o pesadelo? Piadas e gozações mostram-se insuficientes, também a indignação. Teve Copa e não houve prazer. Teve arruaça e nada mudou.
O legado maior será impalpável, abstrato e acabamento demorado. Porém consistente: a nação-criança vai tornar-se adulta, crescer. Já é hora de entender a diferença entre fé e esperança, entre crença e convicção. Perceber que o caminho faz-se ao caminhar (como escreveu o espanhol Antonio Machado).
Um planeta arredondado pelas identidades e aflições encontrou no futebol uma espécie de unidade, coesão, o único substituto válido para as guerras e conflitos, exercício de vencer ou perder, sem sangue nem mortes. Futebol não se joga com os pés, joga-se com o coração. Impossível retroceder: a audiência estimada para os 64 jogos da Copa será de 3 bilhões de espectadores nos quatro cantos do mundo. Talvez seja o maior pedaço do mundo dentro do mundo.
Neste domingo, a partir das 16 horas (horário de Brasília), mesmo os guerreiros que se matam na Faixa de Gaza, Síria, Iraque, Sudão e Ucrânia darão um jeito de dar uma espiada no que se passa na catedral do Maracanã. Talvez até esperem antes de apertar gatilhos ou acionar mísseis para ver a bola rolando no gramado, redes balançando, adversários exaustos trocando camisas suadas e chorando lágrimas iguais – sempre salgadas. O futebol é um milagre, obra de engenharia humana que não pode ser desperdiçada.
No 225.º aniversário da Queda da Bastilha, 14 de julho, nosso primeiro dia verdadeiramente útil depois da longa fieira de feriados, o velho regime futebolístico, decadente e corrupto, deve ser demolido, drasticamente substituído.
Ouvimos a Marselhesa diversas vezes nesta Copa: Le jour de gloire est arrivé, chegou o dia de glória. Acabou a lombeira, a inação, o nhenhenhém, a inútil caça de culpados. O que acontecer no Brasil influenciará decisivamente o panorama futebolístico mundial. O Brasil poderá ganhar esta parada, este hexa só depende de nós. Todos.
Saiu dos telões e telinhas, dos gramados, do banco da comissão técnica e espalha-se pelas ruas, está nos ônibus ainda incólumes, no metrô apinhado, nos elevadores, botecos, gabinetes, povoados e metrópoles, shoppings e grotões, na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, palácios, plenários, corredores, lavatórios.
Um país em estado de coma – auto induzido –, prostrado, apático, frustrado, melancolizado, passivo, exangue, desidratado. Uma colossal ressaca sem libações, endógena, sugere apenas desabafos. O divã tornou-se gênero de primeira necessidade. Uma catarse seria recomendável, porém sem narrador como reviver, purgar e superar o pesadelo? Piadas e gozações mostram-se insuficientes, também a indignação. Teve Copa e não houve prazer. Teve arruaça e nada mudou.
O legado maior será impalpável, abstrato e acabamento demorado. Porém consistente: a nação-criança vai tornar-se adulta, crescer. Já é hora de entender a diferença entre fé e esperança, entre crença e convicção. Perceber que o caminho faz-se ao caminhar (como escreveu o espanhol Antonio Machado).
Um planeta arredondado pelas identidades e aflições encontrou no futebol uma espécie de unidade, coesão, o único substituto válido para as guerras e conflitos, exercício de vencer ou perder, sem sangue nem mortes. Futebol não se joga com os pés, joga-se com o coração. Impossível retroceder: a audiência estimada para os 64 jogos da Copa será de 3 bilhões de espectadores nos quatro cantos do mundo. Talvez seja o maior pedaço do mundo dentro do mundo.
Neste domingo, a partir das 16 horas (horário de Brasília), mesmo os guerreiros que se matam na Faixa de Gaza, Síria, Iraque, Sudão e Ucrânia darão um jeito de dar uma espiada no que se passa na catedral do Maracanã. Talvez até esperem antes de apertar gatilhos ou acionar mísseis para ver a bola rolando no gramado, redes balançando, adversários exaustos trocando camisas suadas e chorando lágrimas iguais – sempre salgadas. O futebol é um milagre, obra de engenharia humana que não pode ser desperdiçada.
No 225.º aniversário da Queda da Bastilha, 14 de julho, nosso primeiro dia verdadeiramente útil depois da longa fieira de feriados, o velho regime futebolístico, decadente e corrupto, deve ser demolido, drasticamente substituído.
Ouvimos a Marselhesa diversas vezes nesta Copa: Le jour de gloire est arrivé, chegou o dia de glória. Acabou a lombeira, a inação, o nhenhenhém, a inútil caça de culpados. O que acontecer no Brasil influenciará decisivamente o panorama futebolístico mundial. O Brasil poderá ganhar esta parada, este hexa só depende de nós. Todos.
13 de julho de 2014
Alberto Dines, Gazeta do Povo
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