Governos mentem à vontade, o que lhes permite atravessar momentos difíceis e jogar nos outros a culpa por seus erros. Mas, em troca, muitas vezes colhem apenas a humilhação, o riso e o desrespeito do público
O agente secreto Magnus Pym, personagem central de uma das mais notáveis histórias de John le Carré, o mestre britânico do romance de espionagem, tinha uma marca única em sua personalidade: não dizia a verdade nunca, em nenhuma circunstância. Era praticamente uma condição clínica. O homem, por razões que se entende lendo o livro, só sabia mentir — o que acabaria por fazer dele Um Espião Perfeito, como diz o título de mais essa aventura do mundo de sombras criado pela imaginação de Le Carré. Pym mentia de maneira tão natural e automática que não percebia mais a diferença entre a realidade e a invenção — bela vantagem para um ofício em que o profissional quase sempre tem de parecer o que não é. Governos, habitualmente, são grandes usuários da mentira; é seu pão de cada dia e frequentemente lhes permite atravessar momentos difíceis, esconder situações de embaraço, inventar causas e efeitos, jogar nos outros a culpa por seus erros e, de modo geral, enganar o maior número de pessoas durante a maior parte do tempo. É do jogo.
O grande problema com a mentira é que ela funciona com muito mais eficácia no mundo da ficção do que no mundo dos fatos. Governos mentem à vontade, é claro, mesmo quando não têm motivos claros para isso (por que a mentirada em torno da "viagem secreta" da presidente Dilma Rousseff a Lisboa, por exemplo?), mas são pegos mentindo com muito mais facilidade do que um espião a serviço de Sua Majestade britânica. Resultado: em troca dos esforços investidos na criação de suas mentiras, acabam obtendo muitas vezes apenas a humilhação, o riso e o desrespeito do público. É o caso do Brasil de hoje. Mais do que qualquer tela de computador mostrando números disso e daquilo, o que está faltando mesmo é confiança — confiança num governo à altura das dificuldades reais do momento, que saiba o que fazer para reagir aos problemas ou, pelo menos, que entenda o que está acontecendo. Isso não existe neste começo de 2014. Anos seguidos de desprezo às realidades, soberba, recusa absoluta em ouvir pontos de vista diferentes e uma ilimitada fé na capacidade oficial de enganar o público com marquetagem, vendendo pela propaganda um país que nunca existiu, cobram agora seu preço. A presidente fala, promete e se compromete. Ninguém acredita.
Não se trata de "guerra psicológica", como a presidente diz para passar adiante culpas que são ligadas diretamente ao cargo que ocupa. É desconfiança mesmo, apenas isso. Dilma insiste, desde que assumiu a Presidência, que "não haverá apagão" no Brasil, como se tivesse poderes para regular o regime de chuvas; aliás, sempre ficou brava quando a pergunta lhe era feita. Nesses últimos dias, como poderia acontecer em qualquer governo, a distribuição de energia sofreu interrupções mais sérias. Pronto: já foi o suficiente para o governo criar uma "força-tarefa" destinada a "equacionar" o problema — seja isso lá o diabo que for —, pensar se a reeleição pode ser afetada, "agilizar" a licitação de usinas, e por aí afora. Se não tivesse mentido o tempo todo sobre a questão, não teria tomado como realidade o que era invenção — e estaria livre da tempestade de cobranças que hoje se arrisca a receber caso os problemas persistam. A presidente, quando a taxa de juro estava na vizinhança dos 9%, disse que esse número era "inadmissível" para o Brasil e pressionou o Banco Central a reduzi-lo. Não conseguiu segurar essa fantasia. A taxa está agora em 10,5%, e a desconfiança é que continue a subir. Foi assegurado que o Brasil, pela diligência e operosidade do governo, estava imune a sobressaltos nas finanças mundiais; obviamente não estava, e a expectativa agora é que o dólar supere a cotação de 3 reais — ou quando isso pode acontecer.
É claro que ninguém quer se prejudicar nem colaborar com a adversidade; é melhor perder uma discussão do que perder dinheiro. Mas as previsões pessimistas não vão embora com conversa fiada — e o agente Pym não está disponível para garantir que tudo vai bem.
O agente secreto Magnus Pym, personagem central de uma das mais notáveis histórias de John le Carré, o mestre britânico do romance de espionagem, tinha uma marca única em sua personalidade: não dizia a verdade nunca, em nenhuma circunstância. Era praticamente uma condição clínica. O homem, por razões que se entende lendo o livro, só sabia mentir — o que acabaria por fazer dele Um Espião Perfeito, como diz o título de mais essa aventura do mundo de sombras criado pela imaginação de Le Carré. Pym mentia de maneira tão natural e automática que não percebia mais a diferença entre a realidade e a invenção — bela vantagem para um ofício em que o profissional quase sempre tem de parecer o que não é. Governos, habitualmente, são grandes usuários da mentira; é seu pão de cada dia e frequentemente lhes permite atravessar momentos difíceis, esconder situações de embaraço, inventar causas e efeitos, jogar nos outros a culpa por seus erros e, de modo geral, enganar o maior número de pessoas durante a maior parte do tempo. É do jogo.
O grande problema com a mentira é que ela funciona com muito mais eficácia no mundo da ficção do que no mundo dos fatos. Governos mentem à vontade, é claro, mesmo quando não têm motivos claros para isso (por que a mentirada em torno da "viagem secreta" da presidente Dilma Rousseff a Lisboa, por exemplo?), mas são pegos mentindo com muito mais facilidade do que um espião a serviço de Sua Majestade britânica. Resultado: em troca dos esforços investidos na criação de suas mentiras, acabam obtendo muitas vezes apenas a humilhação, o riso e o desrespeito do público. É o caso do Brasil de hoje. Mais do que qualquer tela de computador mostrando números disso e daquilo, o que está faltando mesmo é confiança — confiança num governo à altura das dificuldades reais do momento, que saiba o que fazer para reagir aos problemas ou, pelo menos, que entenda o que está acontecendo. Isso não existe neste começo de 2014. Anos seguidos de desprezo às realidades, soberba, recusa absoluta em ouvir pontos de vista diferentes e uma ilimitada fé na capacidade oficial de enganar o público com marquetagem, vendendo pela propaganda um país que nunca existiu, cobram agora seu preço. A presidente fala, promete e se compromete. Ninguém acredita.
Não se trata de "guerra psicológica", como a presidente diz para passar adiante culpas que são ligadas diretamente ao cargo que ocupa. É desconfiança mesmo, apenas isso. Dilma insiste, desde que assumiu a Presidência, que "não haverá apagão" no Brasil, como se tivesse poderes para regular o regime de chuvas; aliás, sempre ficou brava quando a pergunta lhe era feita. Nesses últimos dias, como poderia acontecer em qualquer governo, a distribuição de energia sofreu interrupções mais sérias. Pronto: já foi o suficiente para o governo criar uma "força-tarefa" destinada a "equacionar" o problema — seja isso lá o diabo que for —, pensar se a reeleição pode ser afetada, "agilizar" a licitação de usinas, e por aí afora. Se não tivesse mentido o tempo todo sobre a questão, não teria tomado como realidade o que era invenção — e estaria livre da tempestade de cobranças que hoje se arrisca a receber caso os problemas persistam. A presidente, quando a taxa de juro estava na vizinhança dos 9%, disse que esse número era "inadmissível" para o Brasil e pressionou o Banco Central a reduzi-lo. Não conseguiu segurar essa fantasia. A taxa está agora em 10,5%, e a desconfiança é que continue a subir. Foi assegurado que o Brasil, pela diligência e operosidade do governo, estava imune a sobressaltos nas finanças mundiais; obviamente não estava, e a expectativa agora é que o dólar supere a cotação de 3 reais — ou quando isso pode acontecer.
É claro que ninguém quer se prejudicar nem colaborar com a adversidade; é melhor perder uma discussão do que perder dinheiro. Mas as previsões pessimistas não vão embora com conversa fiada — e o agente Pym não está disponível para garantir que tudo vai bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário