Um novo tributo incidirá sobre a produção, por insistência da presidente Dilma Rousseff, se for mantida a multa especial de 10% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em caso de demissão sem justa causa.
Essa cobrança foi instituída em 2001 com a finalidade explícita de compensar as perdas de trabalhadores com os Planos Verão e Collor 1.
Essa função se esgotou no ano passado, como informou oficialmente o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
A extinção da multa poderia ocorrer a partir de julho de 2012. Mas só um ano mais tarde o Congresso Nacional aprovou um projeto de eliminação da cobrança. Esse projeto foi vetado há cerca de um mês pela presidente Dilma Rousseff. Segundo a justificativa, o governo precisa desse dinheiro, cerca de R$ 3 bilhões, para financiar o programa Minha Casa, Minha Vida.
Desvinculada de sua função original, prevista em lei e já esgotada, a multa obviamente perde a legitimidade juntamente com sua razão de ser. Mantida a cobrança para outro objetivo - a sustentação de um programa habitacional -, essa receita passará a ter um novo significado. Será convertida de fato em um tributo disfarçado com denominação imprópria. A base de incidência poderá ser a mesma da multa. O nome, também.
Mas será uma criatura inteiramente diversa, um monstrengo tributário semelhante à criatura produzida em laboratório, na história de Mary Shelley, pelo doutor Victor Frankenstein.
Para produzir essa aberração a presidente Dilma Rousseff precisa da colaboração de parlamentares. Já conseguiu, com a cooperação do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), adiar o exame do veto no Legislativo. Ganhou, com isso, algum tempo para negociação com os congressistas da base aliada e - por que não? - com oposicionistas.
Mas a própria ideia de negociação é injustificável. Não há matéria para ser negociada de forma legítima. Deixou de existir a motivação da multa. O governo só tentará a prorrogação porque passou a contemplar essa receita como parte normal da arrecadação tributária, sem o menor vínculo com o esqueleto fiscal gerado pelos Planos Verão e Collor 1.
Do ponto de vista do governo, nada mais natural que manter um fluxo de recursos já incorporado - impropriamente, é claro - na rotina orçamentária. Defender a extinção dessa receita só pode ser, portanto, uma forma de atender a interesses contrários aos do Tesouro e opostos, portanto, aos bem-intencionados planos do Executivo.
Daí a insinuação do ministro-chefe da Secretária-geral da Presidência, Gilberto Carvalho: por trás da intenção de derrubar o veto presidencial deve estar a pressão de empresários financiadores de campanha. O líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira, classificou a insinuação como insultuosa. Mais preocupante que o insulto, no entanto, é a incapacidade, revelada pela cúpula do governo, de entender como normal o mero cumprimento da lei.
Pelo critério legal, simplesmente desapareceu a justificativa da multa. A oportunidade de extingui-la é também uma ocasião para eliminar um componente de custo suportado há mais de dez anos pelas empresas. Esse componente ainda foi mantido por um ano depois de completada sua função.
Se o governo pretende continuar subsidiando o programa habitacional, deve preparar-se para isso por meio de um planejamento muito mais sério que o habitual. Deve, por exemplo, reavaliar todas as formas de uso do dinheiro do FGTS e estabelecer com clareza as prioridades. Não deve incluir receitas extraordinárias ou com prazo de validade (como a multa do FGTS) entre os recursos destinados ao financiamento de despesas permanentes ou de programas de longo prazo.
Deve reexaminar, também, as discutíveis políticas de crédito do BNDES e de investimento do BNDESPar, além de repensar as transferências do Tesouro para os bancos federais.
Não falta dinheiro ao governo. Se quiser criar ou aumentar impostos, terá de encontrar outra justificativa. Mas antes deverá exibir uma gestão mais competente dos recursos disponíveis.
22 de agosto de 2013
Editorial do Estadão
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