"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

UM DOS ARTIGOS MAIS DESUMANOS ESCRITO NOS ÚLTIMOS TEMPOS


Resultado de imagem para idosos em asilos
Abandonar o idoso pode ser a “busca da felicidade”?
Faz tempo que não sai um artigo tão desumano na grande mídia. Foi publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 3. Achei o título tão absurdo que tentei ler o artigo e me surpreendi, porque só está acessível a assinantes do jornal, o que significa o alto prestígio do colunista. Como sou assinante, entrei com a senha e tive acesso a essa preciosidade.
Luiz Felipe Pondé se diz filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em Epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. Escreve às segundas-feiras na Folha. De família judaica, diz ser ateu e acreditar em vários deuses. Está chegando aos 60 anos, é casado e tem dois filhos, Noam e Dafna.
Pelo conteúdo de seu artigo, Pondé aconselha que os filhos abandonem os pais idosos em abrigos (que ele prefere chamar de “casa de repouso”), sob a justificativa de que os mais jovens têm direito de serem felizes. A tese é grotesca, egoísta e ignóbil. Por uma questão de piedade, espera-se que os filhos de Pondé não procedam assim em relação a ele, quando chegar a hora.
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DEIXAR OS PAIS NA CASA DE REPOUSO É UM “DIREITO DO CIDADÃO” QUE QUER SER FELIZ
Luiz Felipe PondéFolha
Acho a autoajuda e o politicamente correto duas formas de mau-caratismo. Minha crítica máxima aos dois nasce da minha certeza (tenho poucas) de que o sofrimento é fonte inexorável do amadurecimento, coisa rara em épocas retardadas como a nossa. O projeto contemporâneo é chegar aos 60 anos com cabeça de 15. Logo, retardo mental como projeto de vida. Uma conquista contra a inteligência.
Um dos temas prediletos do mau-caratismo é a chamada “terceira idade”. Um mercado, claro, devido à longevidade da espécie nos últimos anos. Já se tratou a velhice como “melhor idade” também. Uma ofensa à experiência humana real.
AMBIVALÊNCIA – A longevidade estendida é um dos casos mais claros da famosa ambivalência descrita por Zygmunt Bauman (1925-2017). Um bem evidente por um lado, um drama humano gigantesco por outro, sem solução, como toda ambivalência que se preze. O mais sábio dos meus amigos costuma dizer que uma das versões do inferno no futuro será a impossibilidade de morrer. Você vai querer morrer e não conseguirá.
Sem fazer referência necessariamente a toda gama de pessoas que vegetam por aí em leitos aparelhados com tecnologia de “primeira linha” para a humanidade vegetativa, a longevidade puramente fisiológica, muitas vezes acompanhada pela perda de funções cognitivas essenciais, atormentará o humano daqui para a frente.
LONGEVIDADE – A maravilhosa peça “O Pai”, de Florian Zeller, com direção de Léo Stefanini, cujo elenco é encabeçado por Fulvio Stefanini (brilhante como o pai da peça, vencedor do Prêmio Shell de melhor ator em 2016), em cartaz no teatro Fernando Torres, em São Paulo, é essencial para pensarmos o tema da longevidade para além do marketing da longevidade.
Este é caracterizado por um discurso, como (quase) sempre no marketing, de facilitação da realidade em nome de um otimismo besta.
O impacto dos avanços tecnológicos, científicos e médicos criaram uma sobrevida na espécie humana jamais imaginada. Vivemos mais, mas somos cada vez mais solitários. Muito metabolismo para uma alma cada vez mais dissociada de si mesma. A peça tem, entre outras qualidades, a capacidade de levar você para dentro dessa alma idosa longeva e solitária, graças ao texto, às interpretações e à direção.
SURTO DE HISTERIA – A solidão é uma epidemia contemporânea, em meio ao maior surto de histeria já enfrentado pela humanidade. Solidão e histeria, juntas, formam uma mistura explosiva em termos epidemiológicos.
Os avanços sociais e políticos, passo a passo com os avanços técnicos citados acima, produzem uma sociabilidade cada vez mais egoísta — o egoísmo é a grande revolução moral moderna. As pessoas emancipadas tendem ao egoísmo como forma de autonomia.
Inteligentinhos não entendem isso muito bem porque são as maiores vítimas do marketing de comportamento que se pode imaginar. Emancipados pensam em si mesmos, antes de tudo, como consumidores do direito ao egoísmo.
OS IDOSOS SOFREM – Sempre soubemos que os idosos sofrem na mão dos filhos homens e de suas mulheres, que quase nunca suportam seus sogros, que insistem em ficar vivos. As filhas, que quase sempre suportaram o ônus da lida com os pais, agora se libertam e também querem vida própria (claro que existem exceções ao descrito acima, que filhos, filhas, genros e noras ofendidinhos não fiquem nervosos em demasia).
As filhas também têm o direito de cuidar de si mesmas, é evidente. Deixar os pais na casa de repouso é um “direito de todo cidadão” que quer ser feliz sem ter que viver cuidando de pais que nunca morrem. Por isso que o mercado gerontológico só cresce.
SEM SOLUÇÃO – Além disso, a crescente queda na natalidade, que caracteriza os mesmos países de crescente população longeva, só tende a agravar o quadro. Baixa natalidade e alta longevidade são ambas frutos da mesma riqueza instalada na sociedade: alta tecnologia e direitos sociais são manifestações diretas dessa riqueza. Filhos únicos serão idosos longevos solitários, dependentes de serviços que ocupam o vazio deixado pelas famílias.
Qual a solução pra isso? Não há. Um mundo de velhos solitários é o futuro de um mundo de ricos autônomos e amedrontados.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – É um dos artigos mais desumanos já escritos. Talvez Pondé tenha abandonado os pais ou sogros num asilo e agora esteja querendo se livrar da culpa, aliviar o peso da consciência. Ou talvez seja apenas egoísta e insensível, querendo tirar uma onda de moderninho. De toda forma, demonstra sua colossal falta de caráter. Os filhos jamais serão felizes se abandonarem os pais ou parentes em abrigos (ou “casas de repouso”, como amacia Pondé). Só podem proceder assim se forem insensíveis e tiverem uma pedra no lugar do coração. Da mesma forma como nossos pais cuidaram de nós quando nascemos e éramos crianças, temos de cuidar deles na chamada segunda infância. Na teoria do autodenominado filósofo Pondé, os pais de crianças deficientes e com graves problemas também “têm direito” de abandoná-las em “casas de repouso” para que eles (os pais) possam ser felizes. Chamar isso de “felicidade” parece ser um bocado de exagero. É inacreditável que a Folha dê algum prestigio a esse tipo de “articulista”. (C.N.)

10 de julho de 2017
Sylvia Colombo
Folha

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