"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

UM PURGATÓRIO CHAMADO CLASSE MÉDIA


Resultado de imagem para CLASSE MEDIA CHARGES
Charge do Duke (dukechargista.com.br)





















Durante a maior parte da história, a civilização se dividia entre uma pequena parcela de ricos nobres ou senhores de terra e uma imensa maioria de miseráveis famintos, servos ou escravos. Na versão tupiniquim, um estilo casa-grande e senzala. Mais recentemente, ouve-se aqui e acolá, 99% enriquecem o 1% restante em Wall Street. O certo é que o comunismo ruiu no muro de Berlim (insiste numa ilha, no maior país do mundo, num canto da Ásia) e o capitalismo selvagem em estágio terminal ergue muros contra a malfadada globalização. Pior, o futuro não existe, e o passado foi enterrado sem sucessores.
Tudo isso para dizer de um carma, de um peso (ou seria pena?), que é ocupar uma classe recente em termos históricos, chamada média. Gestada por pequenos e habilidosos comerciantes, talentosos curadores, construtores, religiosos com acesso ao clero e nobres, felizardos meeiros agrícolas, moçoilas que se assanhavam como concubinas de sangue azul e sei lá mais o quê. Hoje, a classe média ou burguesa – por que não, já que migravam para os burgos, ou centros urbanos? – costuma ser preponderante em países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Até aí tudo bem, mas… Começa a sopa de letrinhas. Quem é D aspira virar C, quem é B, sonha ser A, e quem é A quer ser, hum, bem, já sei: novo-rico!
INSATISFAÇÃO – O certo é que a classe média é regida pela insatisfação. E, em minha humilde vivência, é a parcela mais estressada e angustiada das classes sociais. O desejo sincero de ser melhor que seu vizinho, parente, amigo, colega de trabalho. Haja Facebook, selfie, salão, academia. Rico mesmo, de gerações e berço, é altamente simples. Discreto e feliz. Riqueza, afinal, é algo natural, cotidiano, meio que genético. Não expõe, não precisa. Habita um mundo à parte, é classudo, ponto.
Já o pobre de marré, marré, marré, lá do interiorzão ou da periferia depois do último ponto, tipo classe E e F, costuma ser bem-resolvido, dar valor a coisas básicas, ser solidário no último furo, ter uma fé inabalável a ponto de, quando a enchente leva seus raros pertences, aparecer nos jornais nacionais da vida dizendo “Deus dá, Deus tira. Agora é recomeçar e agradecer, pois tendo saúde a gente dá um jeito”, e volta ao rodo e à vassoura.
INVEJA – Mas classe média queixa, maldiz, inveja, fuzila o sucesso alheio. Adoece quando na garagem ao lado aparece um carro zero-quilômetro. E dá-lhe fofoca e maledicências.
O cunhado foi para Nova York? Só falta chamar o Moro. O negócio deu certo, baba numa cobertura, carro importado, desfilando o poder. Coluna social até para crisma do filho ou congresso em Buenos Aires. Ver e ser visto. Lugares da moda, caríssimos, filas chatérrimas, mas, olha o fulano, filho da sicrana, aquele industrial que é casado com a ex- BBB e amante da concunhada.
Classe média se equilibra na prestação atrasada do Hyundai e renegociação do colégio caríssimo na zona sul. Mas não deixa o botox nem a academia.
PREOCUPAÇÕES – Aparência é tudo. Sonha com filhos passando em concursos do judiciário ou fazendo medicina, claro que rezando para casar com os herdeiros da hora. Preocupados com o futuro, sempre. Temendo cair de letra classes e frustrando-se, pois, por mais que cheguem a novo-rico, falta- lhes o porte, a fidalguia, a história.
Uma vez classe média, sempre classe média, ou menos. Chega a ser quase uma neurose, um transtorno. Eu, filho de tal classe, pai, no futuro, talvez, avô ou bisavô, tenho uma sugestão: assumir como é hilário e interessante não ter pedigree. Andar feito cão de raça, correr livre, leve e solto como um vira-lata.

19 de setembro de 2016
Eduardo Aquino
O Tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário