"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

À BEIRA DO PRECIPÍCIO

Exagero se disser que o mundo quase desabou sobre a minha cabeça quando escrevi em 2005, tão logo José Dirceu foi apontado como chefe do esquema do mensalão, que a denúncia contra ele carecia de provas convincentes.
Apanhei feio dos leitores do meu blog. Amparava-me na opinião de meia dúzia de juristas que consultara - um deles o atual ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

Dirceu foi condenado como mensaleiro, mas absolvido da acusação de chefiar o esquema que subornou deputados para que votassem como o governo mandava. Passou quase um ano preso na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Foi preso novamente e condenado pelo juiz Sérgio Moro a 23 anos de cadeia por beneficiar-se do dinheiro desviado da Petrobras que enriqueceu empreiteiros e políticos.

Um ano antes, ele havia profetizado em conversa com amigos: “De que serve toda a covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470 [a do mensalão] e estão repetindo na Lava Jato? Agora estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”.
Embora não cogite delatar, Dirceu valeu-se de recados nos últimos 11 anos para dizer que se o mensalão e o petrolão tiveram um chefe, não foi ele.

Ao jornal O Estado de São Paulo, afirmou: “Nunca fiz nada que Lula não soubesse”. Ouvi dele antes do julgamento do mensalão: “Lula se disse traído, mas traído por quem? Por mim? Por Delúbio Soares [ex-tesoureiro do PT]? Todo mundo sabe que Delúbio sempre foi muito mais ligado a Lula do que a mim. É homem dele, não meu”. Delúbio foi condenado a oito anos e 11 meses de prisão.

Mal Lula se elegeu presidente pela primeira vez, batizou Dirceu de “capitão do time” que montara para governar.
Mal o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) detonou o escândalo do mensalão poupando ele, mas acusando Dirceu, Lula tratou de livrar-se do “capitão”.
Despejou-o do governo. Quis convencê-lo a não assumir o mandato de deputado federal. Dirceu assumiu e foi cassado.

“Lula é um político conservador, sempre foi. Mas seria o único meio que as esquerdas tinham de chegar ao poder ou de se aproximar dele. Acabou decepcionando a todos”, revelou-me Dirceu. “Ele deveria ter defendido o governo dele dizendo que o governo não era corrupto. Errou ao falar de traição. (...) É um indeciso. Não comanda, é levado. Só decide sob pressão”.

Nem sempre é mal só decidir sob pressão. Atribui-se ao ex-presidente José Sarney uma frase que ele não disse: “Cinquenta por cento dos problemas não têm solução. E os outros cinquenta por cento se resolvem sozinho”.
Sob pressão ou não, o mal está em decidir errado. Lula decidiu certo ao entregar a cabeça de Dirceu para salvar a sua. Reelegeu-se, elegeu Dilma e reelegeu-a.

Decidiu errado ao imaginar que só haveria um meio de manter o poder: deixando que roubassem e usufruindo do roubo. Seus comparsas reagiram com fúria aos procuradores da Lava-Jato que o nomearam “o presidente máximo, o general, o comandante” da organização criminosa responsável pelo mensalão e pelo petrolão, que não passaram de uma coisa só.

Parecem esquecer que algo do mesmo tipo já fora dito por Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República, em denúncia contra Lula e Dilma por obstrução da Justiça encaminhada ao Supremo Tribunal Federal em maio último.
Janot afirma que Lula teve ‘papel central’ na trama para tentar barrar a Lava Jato. Se não fosse culpado, por que procederia assim?

19 de setembro de 2016
Ricardo Noblat, O Globo

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