O financiamento de campanhas por empresas foi admitido pela legislação eleitoral brasileira entre 1993 até as eleições de 2014. As doações eram reguladas, para evitar abuso do poder econômico e burlas, com repasses limitados a 2% do faturamento bruto da empresa no ano anterior ao pleito, sujeitos à fiscalização da Justiça. Mas ainda assim, é certo que esse duto legal de irrigação de contas de candidatos e partidos não logrou evitar ilegalidades — como o caixa 2, crônico mecanismo de transferência ilegal de recursos.
O problema das burlas à legislação, como a eleição deste ano tem demonstrado ao custo de um sem-número de expedientes adotados por partidos e candidatos, não está na franca e lisa, e regulada por lei, participação de empresas no custeamento de candidaturas com as quais tenha afinidades políticas. É da natureza de sociedades abertas que pessoas físicas e jurídicas tenham o direito de participar da vida político-partidária (aí incluída a liberdade de fazer doações eleitorais) pelas vias institucionais de representação. Sem prejuízo de regulações específicas.
Levantamento feito com base em dados do International Institute for Democracy and Eleitoral Assistance (Idea, na sigla em inglês) mostra que a maioria dos países admite doações de empresas para partidos e candidatos. Entre 171 nações pesquisadas, essa prerrogativa alcança 83% delas. No entanto, a minirreforma eleitoral do ano passado, que suprimiu as pessoas jurídicas das fontes de custeio de candidaturas, jogou o Brasil num reduzido grupo de 28 países que consideram inconstitucionais as doações privadas. Um retrocesso — infelizmente, chancelado pelo Supremo Tribunal Federal.
Por um falso moralismo com viés ideológico, consagrou-se uma norma inócua. Se até então, com repasses de empresas controladas por critérios explícitos, não se conseguia conter a perniciosa presença nas eleições de fontes ilegais de financiamento, como o caixa 2, com a proibição em vigor não só esse mecanismo ilegal permanece irrigando candidaturas na clandestinidade, como partidos e candidatos aperfeiçoaram dispositivos de burla, como o TSE e TREs têm constatado numa série de ações contra crimes eleitorais.
Levantamento do TCU, entregue no início do mês ao TSE, estima que 34% das doações deste ano tinham indícios de irregularidades. Em São Paulo, transferências feitas por funcionários públicos para candidatos a vereador, de valores superiores a seus salários e, no Rio, o perigoso incremento da participação de grupos do crime organizado (milícias) no apoio financeiro a candidatos com eles afinados também são deletérias consequências do equívoco transformado em lei. Esse movimento era previsível. A Lava-Jato revela a montagem no país de uma sofisticada tecnologia de transferência escusa de dinheiro sujo de caixa 2.
A legislação precisa combater causas efetivas de corrupção eleitoral, como essas que a operação traz à tona e outras cevadas pela criatividade que alimenta ilegalidades. Mas isso não se alcançará com penadas populistas como a que proibiu empresas de contribuir, livremente e de forma regulada, com as eleições.
19 de setembro de 2016
Editorial O Globo
O problema das burlas à legislação, como a eleição deste ano tem demonstrado ao custo de um sem-número de expedientes adotados por partidos e candidatos, não está na franca e lisa, e regulada por lei, participação de empresas no custeamento de candidaturas com as quais tenha afinidades políticas. É da natureza de sociedades abertas que pessoas físicas e jurídicas tenham o direito de participar da vida político-partidária (aí incluída a liberdade de fazer doações eleitorais) pelas vias institucionais de representação. Sem prejuízo de regulações específicas.
Levantamento feito com base em dados do International Institute for Democracy and Eleitoral Assistance (Idea, na sigla em inglês) mostra que a maioria dos países admite doações de empresas para partidos e candidatos. Entre 171 nações pesquisadas, essa prerrogativa alcança 83% delas. No entanto, a minirreforma eleitoral do ano passado, que suprimiu as pessoas jurídicas das fontes de custeio de candidaturas, jogou o Brasil num reduzido grupo de 28 países que consideram inconstitucionais as doações privadas. Um retrocesso — infelizmente, chancelado pelo Supremo Tribunal Federal.
Por um falso moralismo com viés ideológico, consagrou-se uma norma inócua. Se até então, com repasses de empresas controladas por critérios explícitos, não se conseguia conter a perniciosa presença nas eleições de fontes ilegais de financiamento, como o caixa 2, com a proibição em vigor não só esse mecanismo ilegal permanece irrigando candidaturas na clandestinidade, como partidos e candidatos aperfeiçoaram dispositivos de burla, como o TSE e TREs têm constatado numa série de ações contra crimes eleitorais.
Levantamento do TCU, entregue no início do mês ao TSE, estima que 34% das doações deste ano tinham indícios de irregularidades. Em São Paulo, transferências feitas por funcionários públicos para candidatos a vereador, de valores superiores a seus salários e, no Rio, o perigoso incremento da participação de grupos do crime organizado (milícias) no apoio financeiro a candidatos com eles afinados também são deletérias consequências do equívoco transformado em lei. Esse movimento era previsível. A Lava-Jato revela a montagem no país de uma sofisticada tecnologia de transferência escusa de dinheiro sujo de caixa 2.
A legislação precisa combater causas efetivas de corrupção eleitoral, como essas que a operação traz à tona e outras cevadas pela criatividade que alimenta ilegalidades. Mas isso não se alcançará com penadas populistas como a que proibiu empresas de contribuir, livremente e de forma regulada, com as eleições.
19 de setembro de 2016
Editorial O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário