Por si só, a emenda do teto dos gastos não será suficiente para promover o reaquecimento da economia
Na década de 60, Tom Jobim e Newton Mendonça compuseram o “Samba de uma nota só”. A canção é curiosa, pois a linha melódica foi moldada em uma única nota repetida várias vezes. A dupla Jobim e Mendonça foi a mesma que compôs “Desafinado”, ironia dirigida àqueles que implicavam com os acordes dissonantes da bossa nova.
Lembrei-me do “sambinha” — como Tom o chamava — ao observar que, passados três meses do afastamento da presidente Dilma, muito pouco de concreto foi realizado para o reequilíbrio das contas públicas. Apesar do déficit primário (diferença entre despesas e receitas excluído o pagamento de juros) de R$ 170,5 bilhões, Temer praticamente limitou-se a encaminhar ao Congresso Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria um teto para as despesas. Assim, tornou-se o governo de uma PEC só, a que promete curar até o vírus da zika.
Como no período entre 2008 e 2015, a despesa do governo federal cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%, a PEC estabelece que durante 20 anos o crescimento anual do dispêndio será, apenas, o correspondente à variação do IPCA do ano anterior. O que se depreende da norma é que, respeitado o teto, determinadas despesas poderão subir mais do que a inflação, desde que outras cresçam menos. A questão crucial será definir quais serão as despesas que passarão a crescer menos do que vinham crescendo anteriormente. A área econômica enxugou ao máximo o texto remetido ao Congresso justamente para minimizar a polêmica do detalhamento. Dessa forma, a regra geral deverá passar, mas os problemas surgirão quando da implementação.
É óbvio que a PEC só terá eficácia se valer para os grandes grupos de despesas que são Saúde, Educação, Assistência e Previdência Social, os quais somam três quartos da despesa primária. Cada um desses segmentos, entretanto, possui grupos de pressão organizados que até concordam com o teto, desde que este não os afete.
As mobilizações estão em curso. Em Brasília, no caminho do aeroporto, já está fincado enorme outdoor com os dizeres “Diga não à Reforma da Previdência”. Movimentos sociais também já se manifestaram contra a PEC para manter a vinculação de receitas para gastos com Saúde e Educação, prevista na Constituição. Para pressionar o Congresso, Meirelles afirma que o plano A é o controle de despesas, o B é a privatização, e o C, o aumento de impostos.
A PEC é o cerne do plano A. Sua aprovação será essencial para restabelecer a confiança mínima dos agentes econômicos no reequilíbrio das contas públicas. Mas, por si só, a emenda não será suficiente para promover a retomada dos investimentos e o reaquecimento da economia, de forma a ampliar a arrecadação e favorecer o equilíbrio fiscal.
Na pratica, a PEC indexa a despesa primária à inflação e só trará benefícios fiscais se as receitas crescerem de forma real, acima da variação nominal dos dispêndios.
Porém, sem mudanças radicais na Previdência, a PEC será inócua. A questão vai muito além da discussão sobre a idade mínima. Precisamos de uma “nova Previdência”, atrativa para os jovens que hoje fogem das leis trabalhistas e do INSS. A geração que irá sustentar as aposentadorias futuras está criando pessoas jurídicas e procurando pokémons.
Quanto ao plano B, as privatizações, o aperfeiçoamento da modelagem e a maior celeridade nos projetos de concessões, outorgas e parcerias público-privadas (PPP) precisam urgentemente sair do papel.
O pior dos planos é o C, o aumento dos impostos. Em um país onde existem mais de cem empresas estatais, com cerca de meio milhão de funcionários, movimentando anualmente valor equivalente ao PIB da Argentina, há muito o que cortar, antes de aumentar impostos. Os 99.800 cargos, funções de confiança e gratificações do Poder Executivo Federal dão a dimensão da burocracia. O custo dos dez milhões de funcionários públicos da União, estados e municípios, soma 14% do PIB.
O economista e diplomata Roberto Campos completaria 100 anos em abril de 2017. Costumava dizer que o Brasil tinha três saídas: Galeão, Cumbica e o liberalismo. E acrescentava, "pagar impostos não é cidadania. Cidadania é exatamente o contrário: é controlar os gastos do governo”. Se este é o caminho, o erro de Roberto Campos foi apenas o de dizer verdades antes que os demais as compreendessem.
Enfim, por maior que seja a admiração que tenhamos por Tom Jobim e Newton Mendonça, a economia brasileira não pode depender da PEC, como o samba de uma nota só. Em sendo assim, o país continuará “desafinado”.
19 de agosto de 2016
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
Na década de 60, Tom Jobim e Newton Mendonça compuseram o “Samba de uma nota só”. A canção é curiosa, pois a linha melódica foi moldada em uma única nota repetida várias vezes. A dupla Jobim e Mendonça foi a mesma que compôs “Desafinado”, ironia dirigida àqueles que implicavam com os acordes dissonantes da bossa nova.
Lembrei-me do “sambinha” — como Tom o chamava — ao observar que, passados três meses do afastamento da presidente Dilma, muito pouco de concreto foi realizado para o reequilíbrio das contas públicas. Apesar do déficit primário (diferença entre despesas e receitas excluído o pagamento de juros) de R$ 170,5 bilhões, Temer praticamente limitou-se a encaminhar ao Congresso Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria um teto para as despesas. Assim, tornou-se o governo de uma PEC só, a que promete curar até o vírus da zika.
Como no período entre 2008 e 2015, a despesa do governo federal cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%, a PEC estabelece que durante 20 anos o crescimento anual do dispêndio será, apenas, o correspondente à variação do IPCA do ano anterior. O que se depreende da norma é que, respeitado o teto, determinadas despesas poderão subir mais do que a inflação, desde que outras cresçam menos. A questão crucial será definir quais serão as despesas que passarão a crescer menos do que vinham crescendo anteriormente. A área econômica enxugou ao máximo o texto remetido ao Congresso justamente para minimizar a polêmica do detalhamento. Dessa forma, a regra geral deverá passar, mas os problemas surgirão quando da implementação.
É óbvio que a PEC só terá eficácia se valer para os grandes grupos de despesas que são Saúde, Educação, Assistência e Previdência Social, os quais somam três quartos da despesa primária. Cada um desses segmentos, entretanto, possui grupos de pressão organizados que até concordam com o teto, desde que este não os afete.
As mobilizações estão em curso. Em Brasília, no caminho do aeroporto, já está fincado enorme outdoor com os dizeres “Diga não à Reforma da Previdência”. Movimentos sociais também já se manifestaram contra a PEC para manter a vinculação de receitas para gastos com Saúde e Educação, prevista na Constituição. Para pressionar o Congresso, Meirelles afirma que o plano A é o controle de despesas, o B é a privatização, e o C, o aumento de impostos.
A PEC é o cerne do plano A. Sua aprovação será essencial para restabelecer a confiança mínima dos agentes econômicos no reequilíbrio das contas públicas. Mas, por si só, a emenda não será suficiente para promover a retomada dos investimentos e o reaquecimento da economia, de forma a ampliar a arrecadação e favorecer o equilíbrio fiscal.
Na pratica, a PEC indexa a despesa primária à inflação e só trará benefícios fiscais se as receitas crescerem de forma real, acima da variação nominal dos dispêndios.
Porém, sem mudanças radicais na Previdência, a PEC será inócua. A questão vai muito além da discussão sobre a idade mínima. Precisamos de uma “nova Previdência”, atrativa para os jovens que hoje fogem das leis trabalhistas e do INSS. A geração que irá sustentar as aposentadorias futuras está criando pessoas jurídicas e procurando pokémons.
Quanto ao plano B, as privatizações, o aperfeiçoamento da modelagem e a maior celeridade nos projetos de concessões, outorgas e parcerias público-privadas (PPP) precisam urgentemente sair do papel.
O pior dos planos é o C, o aumento dos impostos. Em um país onde existem mais de cem empresas estatais, com cerca de meio milhão de funcionários, movimentando anualmente valor equivalente ao PIB da Argentina, há muito o que cortar, antes de aumentar impostos. Os 99.800 cargos, funções de confiança e gratificações do Poder Executivo Federal dão a dimensão da burocracia. O custo dos dez milhões de funcionários públicos da União, estados e municípios, soma 14% do PIB.
O economista e diplomata Roberto Campos completaria 100 anos em abril de 2017. Costumava dizer que o Brasil tinha três saídas: Galeão, Cumbica e o liberalismo. E acrescentava, "pagar impostos não é cidadania. Cidadania é exatamente o contrário: é controlar os gastos do governo”. Se este é o caminho, o erro de Roberto Campos foi apenas o de dizer verdades antes que os demais as compreendessem.
Enfim, por maior que seja a admiração que tenhamos por Tom Jobim e Newton Mendonça, a economia brasileira não pode depender da PEC, como o samba de uma nota só. Em sendo assim, o país continuará “desafinado”.
19 de agosto de 2016
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário