"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

CRISE E DESGASTE TIRAM EFICÁCIA DE DISCURSO DE LULA E PT


Acompanhado pela sonoplastia de um panelaço em várias capitais, o programa do partido atestou a dificuldade dele e do seu maior líder de reagirem ao momento

O conhecido termo “dia para esquecer” se encaixa à perfeição a esta terça-feira para Lula e PT. A jornada aziaga começou cedo, com as manchetes dos jornais noticiando a decretação da prisão do marqueteiro João Santana, o preferido nas três últimas eleições presidenciais petistas, como resultado da 23ª fase da Lava-Jato, batizada, com a ironia de costume, de Acarajé.

Relação direta ao fato de ter mirado, entre outros alvos, a baiana Odebrecht, suspeita de transferir no exterior, para Santana, também conterrâneo, alguns milhões de dólares suspeitos. Suposições da ligação dessas transferências com, pelo menos, a campanha de 2014 de reeleição de Dilma Roussef angustiam o PT.

A terça continuou tensa para o lulopetismo, até ir ao ar, antes do JN, o programa do partido. E em boa parte dos dez minutos do vídeo de propaganda ecoou em pelo menos 14 capitais o mais barulhento dos últimos panelaços. Foi reservado a Lula o espaço nobre da parte final do programa, e, quando ele foi ao ar, notou-se que o barulho subiu de decibéis.

O conteúdo do programa também não ajudou o carismático líder petista nem o partido. O PT tem feito um esforço de “unir os brasileiros” para, juntos, enfrentarem uma crise “que vem de fora”. Sintomaticamente, a marquetagem petista aposentou, ou quase isso, a cor vermelha, clássica dos partidos de esquerda, sempre brandida com orgulho (e agressividade) nas ruas. Passaram a surgir na TV bandeiras verdes, azuis, amarelas.

Mas não está fácil dar meia volta em um discurso já cristalizado, de tanto ter sido repetido anos a fio, do “nós contra eles”, do Brasil dos bons (o PT) e dos maus (a oposição).

O partido usa o horário eleitoral dito gratuito para se mostrar perplexo: “Por que tanto ódio?” O ódio destilado na política é sempre perigoso e indesejável. Mas se a cúpula do partido fizer um rápido exercício de autocrítica constatará que tem sido o PT que não guarda limites nas suas campanhas, ao investir contra candidatos adversários e seus apoiadores. Um caso recente é o que foi feito, sob inspiração do hoje trancafiado João Santana, no espaço da campanha de Dilma na TV, contra a adversária Marina Silva, por meio de ataques a Neca Setúbal, a “banqueira”, amiga e correligionária de Marina.

Lula, por sua vez, perdeu uma oportunidade para se defender, com explicações sobre as suspeitas que o rondam, a partir de alguns inquéritos em andamento. Preferiu ressaltar que os governos do PT foram os melhores, quando milhões saíram da pobreza etc. O problema é que isso ficou no passado, e o presente é dramático — inflação elevada, recessão profunda e desemprego em alta. Muitos que saíram da pobreza voltam para ela.

Em um ato falho, ao atacar a elite que “não quer dividir a poltrona do avião com o nosso povo”, Lula voltou a dividir o país entre “nós” e “eles”. Qual o discurso que vale? A crise e o desgaste dos escândalos superam a capacidade de Lula e do partido de reagirem.



26 de fevereiro de 2016
Editorial O Globo

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