ARTIGOS - CULTURA
A covardia é uma falta de amor ao próximo, em primeiro lugar, e de amor a Deus, em segundo lugar [que morreu na cruz por nós].
(Trecho da aula 327, do Curso Online de Filosofia.)
Toda covardia é um egoísmo e uma falta de amor ao próximo. Se o sujeito é covarde, é porque ele está querendo se preservar em primeiríssimo lugar, ou seja: aconteça o que acontecer — pode cair o mundo —, ele tem de sair inteiro. A pergunta é: por que você e não o seu vizinho? Lembrando a frase de Eric Voegelin: “Toda vida humana está integrada em uma hierarquia de bens”. Isto é básico. Hierarquia de bens: este bem que eu desejo não é tão valioso quanto aquele outro.
Por exemplo, a vida moral começa no instante em que o bebê tem de escolher entre a posse de um objeto desejado e a amizade com o irmãozinho, não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo. Sempre se tem de fazer uma escolha, e nessa escolha entra uma hierarquia de bens. Nós estamos fazendo essas escolhas o tempo todo e quando fazemos a escolha errada, em geral, é porque não nos lembramos que existe uma hierarquia, que existe o mais importante e o menos importante; [que existe] a perspectiva da vida eterna ou a limitação da vida a este espaço terrestre. Como seres biológicos, nossa tendência é defender, em primeiro lugar, nossa subsistência biológica — é instintivo. E é um valor, sem dúvida. Você continuar vivo é um valor. Por que você e não o outro? Por exemplo: há um incêndio, você vai salvar a si mesmo e deixar seu filho queimando lá dentro ou vai salvar seu filho com o risco da sua própria vida? Você terá de fazer uma escolha.
O problema da coragem, no fim das contas, é apenas uma questão de [escolher] qual é o bem que você preza mais. Se você descobre bens maiores, no fim das contas a sua própria vida não tem mais importância; o importante não é conservar a vida, mas gastá-la e se preciso perdê-la em função de um bem maior, de um bem que merece ser mais amado. É só este o problema, ou seja, a covardia é uma falta de amor ao próximo, em primeiro lugar, e de amor a Deus, em segundo lugar [que morreu na cruz por nós]. [A coragem] não é uma virtude que tem em si a sua própria substância, ela deriva de uma outra coisa, ela deriva da noção do bem maior. Não se trata de se tornar mais corajoso fazendo exercícios (alguns exercícios podem ser úteis, evidentemente).
(...)
Quando fomos fazer o recenseamento escolar no sul do Estado, estávamos em quatro, e um deles era um sujeito meio — como diria o povo — boiola. A primeira vez que ele meteu o pé na lama, disse que não ia mais, que ia voltar. Vamos supor que eu fosse ele, que eu tivesse ficado desesperado porque meti o pé na lama e quisesse voltar para casa. Se eu voltasse para casa, estaria deixando os três sozinhos lá, eles poderiam precisar de mim. Ele só pensou no seu conforto, ou seja, a hierarquia de bens dele termina aí: o meu conforto acima de tudo. Isto é apenas covardia? Não, o básico da covardia é a maldade. Quando você se tornar um sujeito bom, tiver amor pelas pessoas, você cuida delas primeiro.
Hoje mesmo eu estava lembrando, está aqui a Stella Caymmi: uma vez eu estava dando aula na Casa do Estudante, no Rio de Janeiro, e de repente chega a Stella e começa a soprar na orelha de um por um (estávamos no nono andar), sem criar alarme: “Vá descendo a escada devagar porque está pegando fogo no sétimo andar”. E um por um [os alunos] foram descendo. Um sangue frio admirável. Ela poderia ter dado no pé, gritando [e pensando] em se salvar. Ela não poderia ter feito isso? No entanto, ela ficou mais tempo lá, se arriscando para que o mal não acontecesse aos outros. E a Stella não é nenhum Schwarzenegger, não é nenhum soldado da guerra do Afeganistão.
A coragem nasce do amor ao próximo, é só isso.
Então, não se preocupe em ser corajoso, pois a coragem é um resultado, não uma causa. A causa é o amor ao próximo ou falta dele.
O problema da coragem, no fim das contas, é apenas uma questão de [escolher] qual é o bem que você preza mais. Se você descobre bens maiores, no fim das contas a sua própria vida não tem mais importância; o importante não é conservar a vida, mas gastá-la e se preciso perdê-la em função de um bem maior, de um bem que merece ser mais amado. É só este o problema, ou seja, a covardia é uma falta de amor ao próximo, em primeiro lugar, e de amor a Deus, em segundo lugar [que morreu na cruz por nós]. [A coragem] não é uma virtude que tem em si a sua própria substância, ela deriva de uma outra coisa, ela deriva da noção do bem maior. Não se trata de se tornar mais corajoso fazendo exercícios (alguns exercícios podem ser úteis, evidentemente).
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Quando fomos fazer o recenseamento escolar no sul do Estado, estávamos em quatro, e um deles era um sujeito meio — como diria o povo — boiola. A primeira vez que ele meteu o pé na lama, disse que não ia mais, que ia voltar. Vamos supor que eu fosse ele, que eu tivesse ficado desesperado porque meti o pé na lama e quisesse voltar para casa. Se eu voltasse para casa, estaria deixando os três sozinhos lá, eles poderiam precisar de mim. Ele só pensou no seu conforto, ou seja, a hierarquia de bens dele termina aí: o meu conforto acima de tudo. Isto é apenas covardia? Não, o básico da covardia é a maldade. Quando você se tornar um sujeito bom, tiver amor pelas pessoas, você cuida delas primeiro.
Hoje mesmo eu estava lembrando, está aqui a Stella Caymmi: uma vez eu estava dando aula na Casa do Estudante, no Rio de Janeiro, e de repente chega a Stella e começa a soprar na orelha de um por um (estávamos no nono andar), sem criar alarme: “Vá descendo a escada devagar porque está pegando fogo no sétimo andar”. E um por um [os alunos] foram descendo. Um sangue frio admirável. Ela poderia ter dado no pé, gritando [e pensando] em se salvar. Ela não poderia ter feito isso? No entanto, ela ficou mais tempo lá, se arriscando para que o mal não acontecesse aos outros. E a Stella não é nenhum Schwarzenegger, não é nenhum soldado da guerra do Afeganistão.
A coragem nasce do amor ao próximo, é só isso.
Então, não se preocupe em ser corajoso, pois a coragem é um resultado, não uma causa. A causa é o amor ao próximo ou falta dele.
18 de fevereiro de 2016
Olavo de Carvalho
Transcrição: Carla Farinazzi
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