"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

QUE ÓDIO É ESSE?

No fim de semana, em João Pessoa, na Paraíba, duas mulheres - e o bebê de uma delas -, foram sequestrados por dois motoqueiros. Levadas a Pernambuco, foram barbarizadas, depois atropeladas e abandonadas à própria sorte. Uma delas morreu. Repetição do crime de Castelo, no Piauí.

Em menos de 30 dias dois estupros coletivos – com violência máxima – atingiram seis mulheres e mataram duas, uma adolescente, outra adulta de 42 anos.

As barbáries aconteceram em três estados nordestinos. Mas podia ser em qualquer outro nesse momento de violência generalizada com o qual temos convivido – apavorados ou não, conformados, aumentando grades e chaves, contratando segurança privada ou só pedindo intensa proteção divina.

Certo é que não é coincidência, mas crime repetido em grau máximo de ódio endereçado às mulheres, sem respeitar suas crianças, bebês, como no caso das derradeiras duas massacradas na beira da BR, em Pernambuco. O filho da mulher que conseguiu sobreviver foi abandonado - vivo, mas para morrer – no meio do mato. Felizmente, também sobreviveu.

Mais que tara ou loucura é doença social o ódio a nós mulheres dirigido, inclusive por outras mulheres.

Quem já não assistiu gravações de celulares onde mulheres – sempre jovens - torturam outras jovens, sequestradas, amarradas, indefesas, pelo “crime” de serem mais bonitas, mais amadas, ou mais desejadas por alguém cobiçado por suas agressoras?

Que ódio desmedido é esse? Que gente infeliz é essa a se alimentar de violência como vingança e revolta por sua própria sorte – a de ser invisível e igual, um nada, numa sociedade que cobra e celebra algum tipo de destaque, ainda que seja o da crueldade?

Em que espécie de monstros estamos nos desumanizando? Desgraçado predador, amoral, desses que a ficção cria para fazer a gente tremer e suar frio diante das telas?

Que gente somos nós? Engolidores de sapos, facas e medos, capazes de fingir que nada está acontecendo com tanto que não nos atinja diretamente?

Lamento informar que já estamos atingidos, de alguma forma alcançados por alguma dessas agressões cotidianas. No mínimo, uma dessas de ler na internet exposições diárias de intolerância e ódio contra alguma coisa, alguém.

Há uma brutalidade cega e consentida nos cercando. E vamos nos desumanizando até sermos capazes de aprovar vaias a acompanhantes de doentes graves em hospitais, ou dizer (e sentir) bem feito! a um pai que perde o filho em acidente porque esses não comungavam de nossas crenças.

Não se quer mais a prisão e julgamento de culpados. Quer-se a humilhação pública e publicada. Em qualquer circunstância, quer-se vingança, não justiça.

Se eu não posso pegar, prender e matar o objeto do meu ódio, que uma doença grave e mortal, um acidente, ou a PM, o Ministério Público, a PF, o juiz, o matador profissional, o estuprador desvairado... pegue, mate e coma.
Que ódio é esse que nos cerca e, de alguma forma, nos alimenta? Que gente (gente?) é essa que nem indignada fica mais com as barbáries?

No final dos anos 70, início dos 80, também houve um surto de violência contra mulheres, marcado por alguns crimes passionais envolvendo celebridades/figuras públicas. Começou com o assassinato de Ângela Diniz, em 30 de dezembro de 1976.

Jovem e bela socialite mineira, Ângela foi morta a tiros pelo namorado Doca Street. Para defendê-lo seus advogados detonaram a morta – exposta como libertina, inconsequente, bissexual, tarada, etc..

Até inventaram atenuante para o assassinato: legítima defesa da honra. Colou. E, apesar de condenado no primeiro julgamento, Doca foi autorizado a cumprir pena em liberdade.

No meio da escandalosa “meia absolvição” do assassino de Ângela, - como ela, moço bem nascido - aconteceram dois outros crimes do tipo “por legítima defesa da honra”.

Em 1981, um cantor em fim de carreira, Lindomar Castilho, matou a jovem ex-mulher, Eliana de Grammont, também cantora. Um ano antes uma atriz, Dorinha Duval, havia matado o marido, Paulo Sérgio Garcia. Dois crimes a tiros e quase a queima roupa, motivados por ciúme ou despeito.

E aí a sociedade saiu da perplexidade e reagiu. Capitaneada por organizações de mulheres, uma frase pixada nos muros desencadeou a campanha “Quem Ama não Mata”, que chegou a TV, com a minissérie de mesmo nome. (A mesma, aliás que inspirou também minissérie recente, Felizes para Sempre).

Assim deslanchamos grande debate nacional sobre violência doméstica e impunidades. Reagimos, discutimos e estancamos aquele surto. O legítima defesa da honra virou pó. Doca foi a novo julgamento e não escapou da prisão.

Até já passou da hora de reagirmos, de novo, para estancar esse ódio que só cresce, incentivando desamor e permitindo tudo em nome de nada.


PS.: Maioridade penal. O estudo do Conselho do Ministério Público mostra déficit de vagas nas “prisões” de medidas socioeducativas para menores infratores em todos os estados do Centro-Oeste, no DF, na Bahia, no Ceará, no Maranhão, na Paraíba, em Pernambuco e Sergipe.

Há também superlotação em São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e ainda no Acre, no Amapá e no Pará.

Em São Paulo, o número de menores infratores é 8% maior do que o total de vagas. São 115 estabelecimentos, com 8.348 vagas, mas abrigando 9.070. O principal problema está no Maranhão, onde a superlotação supera os 786%. O Estado registra 52 vagas e para 461 menores internados.

Onde será mesmo que vamos prender os meninos bandidos depois da redução da maioridade penal?


24 de junho de 2015
Tânia Fusco

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