Eis uma pergunta que todo mundo faz. De minha parte, digo apenas, com humildade, como manda a boa norma do colunismo impresso, que ela serve para ironizar esses tempos paradoxais de brutal enriquecimento fácil, ilícito e ilegítimo.
Afora isso, a pergunta pode ser usada para expressar profunda ambição ou quixotesca fantasia. Por que não sou Rei, Sinatra ou Karl Marx? Não comi Brigitte Bardot ou fui escolhido para presidir uma estatal?
No meu caso, informo, sem deblaterar, que sou candidato a presidente da Fifa.
Isso mesmo: o antropologista e cronista lido com afeto e desdém, é candidato ao cargo deixado vago pelo infausto e malogrado Joseph “Sepp” Blatter.
Minhas qualificações? São extraordinárias.
Ei-las:
1. Entendo de futebol desde 1947, quando, em Juiz de Fora e São João Nepomuceno, terra do melancólico supercraque Heleno de Freitas, de quem namorei uma sobrinha, descobri o campeonato local e o carioca e comecei a ler as revistas esportivas que recebia pela rede ferroviária, da Leopoldina.
Desse conjunto de leituras e de discussões acaloradas, memorizei times inteiros e listas de campeões nacionais e sul-americanos. Em paralelo, fiz como todo entendido, pesquisas densas sobre a vida de jogadores. Sabia onde tinham nascido, em que clube jogaram e, eis um dado básico para qualquer pedagogia do futebol, sabia de suas mágicas e intangíveis habilidades. Quem chutava com os dois pés? Em que posição melhor atuavam? Quem engolia frango ou perdia pênaltis? Quem era temperamental ou frio, como foi o caso de Danilo e Didi. Não se falava em dinheiro porque o futebol, embora profissionalizado, permanecia com uma forte dose de amor e amadorismo. Como o problema da Fifa, mas também o da arte, da ciência, da religião e, sobretudo, da economia e do populismo político é a grana, minha candidatura chega para conter o descalabro e erradicar bandalheiras. É isso que, dentro do padrão Fifa, prometo oferecer.
2. Qualquer presidente tem que saber perder e ganhar e ninguém melhor do que “um Fluminense”, como eu, sabe fazê-lo. O futebol, o cinturão do meu pai e a escova de cabelo de mamãe, bem como o seu piano, ensinaram-me que o futebol é uma mistura de certeza e incerteza ao lado de transparência e técnica, o que quase sempre conduz a resultados contrários à vontade do torcedor. Por isso, ele é uma escola de democracia e um exercício permanente de frustração. Então pergunto: haverá alguém com maior aprendizado para a presidência da Fifa do que quem tem essa convivência com a frustração ao longo de sofridos e gostosos 68 anos de amor pelo que chamávamos com ares de suprema intelectualidade de “esporte bretão”?
2. Ademais, fui jogador! Vi jogando a malfadada seleção de 1950, tal como privei com Heleno de Freitas, em São João Nepomuceno, quando lhe passei um taco na sinuca do Cida e com ele vivi um baile de carnaval no Clube Democráticos. Amarrava minhas chuteiras imitando o estilo do Heleno e aprendi o seu uso dentro e fora do campo, quando as usávamos em casa, na escola e na igreja, despertando protestos no paciente padre Geraldo, que jogava segurando a sua inseparável e sagrada batina. Canhoto, fui ponta-esquerda do reputadíssimo time do Ginásio de São João Nepomuceno e imbatível do juvenil do Sport Clube Juiz de Fora e, muito embora jamais tivesse feito um mísero gol, sei bem as agruras dos atacantes quando eles encontram um defensor disposto a quebrar-lhes a perna como quem toma um sorvete.
3. No quesito experiência administrativa, tenho altas credenciais. Organizei, ao lado do Mario Roberto Zagari, o campeonato são-joanense de futebol de botão e, em seguida, um imaginário torneio internacional. Em ambos, o Carlyle, meu center-foward – jogador fabricado de um botão do sobretudo de papai –, foi o artilheiro. Sagrou-se como melhor gol-keeper o Oderban do Mario Roberto. Feito de chumbo e caixa de fósforo pintada de verde, ele foi um craque capaz de rebater incólume nossos terríveis chutes com pelotas de miolo de pão. Escalamos, no final do torneio, um selecionado brasileiro imbatível. Incapaz de tomar de 7 (pelo amor de Deus...) dos germânicos.
4. No plano ético, sou um pleiteante sem máculas, apesar de alguns ruídos que o espírito da má-fé tem circulado a meu respeito. Dou, então, meu honesto testemunho: neste campeonato maior, cobramos ingresso, mas não houve propina. Apenas achamos justo “tirar” uns trocados a mais no último jogo. A maior parte da arrecadação, porém, permitiu comprar as lâmpadas do nosso estádio: a sala de jantar lá de casa.
Enfim e sem maiores deblaterações, sou candidato a substituir o Blatter. Mais: se for eleito, prometo instituir o “recall” – esse instrumento que o nosso sistema político mais necessita e que nem sequer foi cogitado pelos nossos impecáveis líderes do parlamento.
10 de junho de 2015
Roberto DaMatta
Afora isso, a pergunta pode ser usada para expressar profunda ambição ou quixotesca fantasia. Por que não sou Rei, Sinatra ou Karl Marx? Não comi Brigitte Bardot ou fui escolhido para presidir uma estatal?
No meu caso, informo, sem deblaterar, que sou candidato a presidente da Fifa.
Isso mesmo: o antropologista e cronista lido com afeto e desdém, é candidato ao cargo deixado vago pelo infausto e malogrado Joseph “Sepp” Blatter.
Minhas qualificações? São extraordinárias.
Ei-las:
1. Entendo de futebol desde 1947, quando, em Juiz de Fora e São João Nepomuceno, terra do melancólico supercraque Heleno de Freitas, de quem namorei uma sobrinha, descobri o campeonato local e o carioca e comecei a ler as revistas esportivas que recebia pela rede ferroviária, da Leopoldina.
Desse conjunto de leituras e de discussões acaloradas, memorizei times inteiros e listas de campeões nacionais e sul-americanos. Em paralelo, fiz como todo entendido, pesquisas densas sobre a vida de jogadores. Sabia onde tinham nascido, em que clube jogaram e, eis um dado básico para qualquer pedagogia do futebol, sabia de suas mágicas e intangíveis habilidades. Quem chutava com os dois pés? Em que posição melhor atuavam? Quem engolia frango ou perdia pênaltis? Quem era temperamental ou frio, como foi o caso de Danilo e Didi. Não se falava em dinheiro porque o futebol, embora profissionalizado, permanecia com uma forte dose de amor e amadorismo. Como o problema da Fifa, mas também o da arte, da ciência, da religião e, sobretudo, da economia e do populismo político é a grana, minha candidatura chega para conter o descalabro e erradicar bandalheiras. É isso que, dentro do padrão Fifa, prometo oferecer.
2. Qualquer presidente tem que saber perder e ganhar e ninguém melhor do que “um Fluminense”, como eu, sabe fazê-lo. O futebol, o cinturão do meu pai e a escova de cabelo de mamãe, bem como o seu piano, ensinaram-me que o futebol é uma mistura de certeza e incerteza ao lado de transparência e técnica, o que quase sempre conduz a resultados contrários à vontade do torcedor. Por isso, ele é uma escola de democracia e um exercício permanente de frustração. Então pergunto: haverá alguém com maior aprendizado para a presidência da Fifa do que quem tem essa convivência com a frustração ao longo de sofridos e gostosos 68 anos de amor pelo que chamávamos com ares de suprema intelectualidade de “esporte bretão”?
2. Ademais, fui jogador! Vi jogando a malfadada seleção de 1950, tal como privei com Heleno de Freitas, em São João Nepomuceno, quando lhe passei um taco na sinuca do Cida e com ele vivi um baile de carnaval no Clube Democráticos. Amarrava minhas chuteiras imitando o estilo do Heleno e aprendi o seu uso dentro e fora do campo, quando as usávamos em casa, na escola e na igreja, despertando protestos no paciente padre Geraldo, que jogava segurando a sua inseparável e sagrada batina. Canhoto, fui ponta-esquerda do reputadíssimo time do Ginásio de São João Nepomuceno e imbatível do juvenil do Sport Clube Juiz de Fora e, muito embora jamais tivesse feito um mísero gol, sei bem as agruras dos atacantes quando eles encontram um defensor disposto a quebrar-lhes a perna como quem toma um sorvete.
3. No quesito experiência administrativa, tenho altas credenciais. Organizei, ao lado do Mario Roberto Zagari, o campeonato são-joanense de futebol de botão e, em seguida, um imaginário torneio internacional. Em ambos, o Carlyle, meu center-foward – jogador fabricado de um botão do sobretudo de papai –, foi o artilheiro. Sagrou-se como melhor gol-keeper o Oderban do Mario Roberto. Feito de chumbo e caixa de fósforo pintada de verde, ele foi um craque capaz de rebater incólume nossos terríveis chutes com pelotas de miolo de pão. Escalamos, no final do torneio, um selecionado brasileiro imbatível. Incapaz de tomar de 7 (pelo amor de Deus...) dos germânicos.
4. No plano ético, sou um pleiteante sem máculas, apesar de alguns ruídos que o espírito da má-fé tem circulado a meu respeito. Dou, então, meu honesto testemunho: neste campeonato maior, cobramos ingresso, mas não houve propina. Apenas achamos justo “tirar” uns trocados a mais no último jogo. A maior parte da arrecadação, porém, permitiu comprar as lâmpadas do nosso estádio: a sala de jantar lá de casa.
Enfim e sem maiores deblaterações, sou candidato a substituir o Blatter. Mais: se for eleito, prometo instituir o “recall” – esse instrumento que o nosso sistema político mais necessita e que nem sequer foi cogitado pelos nossos impecáveis líderes do parlamento.
10 de junho de 2015
Roberto DaMatta
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