"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O DECRE(PI)TO 8.243



 
Não é erro de digitação. O título deveria ser “O Decreto 8243”. Mas  como ele  aparenta ser  obra de “caduco”, nossa correção se adapta melhor ao tema.
Os militares que instalaram o governo em 1964 não tinham muita noção técnica de política legislativa. O mundo jurídico, que se “borrava”de medo em contrariá-los,deixava por isso mesmo. Então começou a anarquia das leis.
Resoluções, portarias, ordens de serviço ,simples atos  administrativos,passaram a tomar o lugar da constituição e das leis. Tudo era feito no “canetaço”, na “marra”. Mas a ignorância espalhou-se. Impregnou as próprias casas legislativas Tanto foi que uma das leis mais importantes feitas durante esse período foi a  lei das sociedades anônimas, mais precisamente, a lei  Nº 6.404/76. O último artigo, o 300º dessa lei, estabeleceu expressamente a revogação do Decreto-Lei 2.627/1940, que antes tratava da matéria.
Mas,”burramente”, mantinha em vigor os artigos 59 a 73  da lei “revogada”. Mas a lei não foi revogada? Com o manter “soltos” alguns dos seus dispositivos? O que deveria ter sido feito é a revogação de uns artigos e a permanência de outros. Mas sem revogar a lei anterior, como foi feito.
Perto do que fizeram agora em 2014, com a expedição do decreto 8243, aquelas antigas irregularidades podem ser consideradas brinquedos de criança. Eram obras  de “amadores”,ao contrário dos legisladores modernos,estelionatários das leis com formação acadêmica.
É sempre bom matar a cobra e mostrar o pau. Comecemos, então, do início.
 
O Decreto 8243/2014, que institui a política  e o sistema nacional de Participação Social,inicia assim : “A Presidenta da República,no uso das atribuições que lhe confere o art.84,caput,incisos IV e VI,alínea “a”,da Constituição Federal,e tendo em vista o disposto no art.3º,caput,inciso I,e no art.17 da Lei 10.683/2003, D E C R E T A ......................................;
Segue-se uma enorme lista de atividades que envolve, de um lado, o Poder Executivo da União,e de outro segmentos da sociedade civil bastante vagos. Nessas artimanhas jurídicas, o poder autoconcedido pelo Executivo a ele mesmo significa poderes absolutos que não têm qualquer limite. Suplanta, sem dúvida,os poderes recebidos pelo Poder Executivo através do Decreto-Lei Nº 200,de 1967,que estabeleceu a Reforma Administrativa. O detalhe é que à época o  decreto-lei estava na mesma hierarquia da lei,ao passo que o decreto ora questionado não passa de ato administrativo. Não tem nem pode ter a força de lei.
Sem dúvida o Executivo invadiu competência do Legislativo. Dito decreto é absolutamente INCONSTITCIONAL.
É “papo furado” essa história de “decreto autônomo”. Não se trata meramente de intervenção na administração pública federal, mas da outorga de poderes ilimitados para mexer com a administração  “da cabeça-aos-pés”,evidentemente acarretando despesas.
A inconstitucionalidade do decreto salta aos olhos especialmente pela onerosidade aos cofres públicos decorrentes das reformas ali elencadas. Só mesmo um idiota para não ver as enormes despesas que terá o Tesouro Nacional com a movimentação de todas essas engrenagens. É lógico que todas as despesas serão custeadas  pelo “paizão”governo,como sempre foi ,é ,e será.
Nesse ponto o decreto invadiu área proibida. Que me perdoem os “Notáveis”  que legitimaram juridicamente essa monstruosidade. Mas deles ouso divergir.
A  alegada base constitucional do decreto está  no art. 84 da CF. São falsas as “amarras” aos incisos !V e VI,do art.84 da Constituição. Quanto ao inciso IV, diz ele competir à Presidência da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. A referência que o decreto faz a esse dispositivo constitucional é “chute”. Os decretos presidenciais só podem ser feitos em cima de LEIS, não da Constituição,diretamente,como ocorre. Faltou uma “etapa”, a etapa da lei,de competência só do legislativo.
Outra sorte não merece a outra “amarra”do decreto questionado. Também o inciso ,VI ,”a”,do art. 84 ,da CF ,não se presta a suportar a pretensão governamental . Com isso inventaram o decreto “autônomo”.A redação vigente desse inciso VI ,”a”,   da CF ,foi dada pela Emenda Constitucional 32/2001. Ficou assim: “(compete ao Presidente da República) – Dispor, por decreto.sobre: a) organização e funcionamento da administração  federal, QUANDO NÃO IMPLICAR EM AUMENTO DE DESPESAS, nem  criação ou extinção de órgãos públicos”.
Como dizem por aí,somente quem ainda acredita em papai-noel poderia imaginar que “eles”vão colocar em funcionamento toda a engrenagem desse decreto GRATUITAMENTE ao erário. Não poderiam, portanto, serem feitas essas  despesas através de decreto. Teria que ser lei. Por isso o decreto 8243 é INCONSTITUCIONAL.
 
Sendo INCONSTITUCIONAL,é tarefa do Supremo Tribunal Federal declarar essa situação Segundo o art. 102,I,”a”, compete ao STF... I- processar e julgar originariamente a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Ora, o Decreto 8243 é  ato  normativo federal, passível, portanto, da medida.
 
Mas  nem todos têm legitimidade ativa para promover dita ação. Além do Presidente da República, podem propô-la a Mesa do Senado,da Câmara,a Procuradoria Geral da República, o Conselho Federal da OAB, e algum Partido Político com representação na Câmara. O problema seria encontrar algum “candidato” disposto a abraçar esse pleito. Mas dificilmente essa atitude seria tomada pelos “comprometimentos” naturais, exceto, talvez,pela  OAB ou algum Partido Político.
Estamos, por conseguinte, oferecendo gratuitamente essa “barbada”.
 
02 de julho de 2014
Sérgio Alves de Oliveira é Advogado e Sociólogo (RS).

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