"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

TOCQUEVILLE: PROFETA DA DEMOCRACIA MODERNA


 
Alexis de Tocqueville, pensador francês de origem aristocrática, foi dos primeiros a vislumbrar as profundas mudanças sociais, políticas e econômicas que o mundo ocidental experimentaria ao longo dos séculos XIX e XX.
Mudanças como o fim da aristocracia, o fortalecimento da burguesia, a emergência do sistema democrático e a urbanização da população.
Frutos do pensamento iluminista e da Revolução Industrial, estas mudanças, que transformaram as sociedades e as instituições, tiveram como marcos iniciais a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos.
Atento aos acontecimentos históricos e sensível às mudanças que estes acontecimentos poderiam gerar, Tocqueville, na primeira metade do século XIX, já previa a ascendência político-econômica dos Estados Unidos e as dificuldades que a democracia iria enfrentar na Europa.
Com décadas de antecipação, ele já falava do agravamento dos problemas raciais e da possibilidade de eclosão de uma guerra civil nos Estados Unidos, do risco de implantação de regimes autoritários na Europa, do surgimento de duas grandes superpotências (Estados Unidos e Rússia) e da deterioração dos valores morais da sociedade capitalista.
De uma forma geral, em pleno século XIX, Tocqueville parecia já estar vivendo no século XX. Talvez por isso seus escritos alternem uma visão entusiástica e otimista da evolução da humanidade com momentos de lamento e pessimismo em relação às ameaças que esta mesma evolução poderia trazer.
A experiência adquirida em sua passagem pela atividade política francesa deu, porém, a Tocqueville uma visão mais realista do ritmo das mudanças e da capacidade dos atores políticos no processo de implantação das mesmas. A burocracia, a baixa qualificação dos políticos e a carência de grandes ideais no seio da população, tornariam mais lento e mais difícil o caminho para a democracia na França.
Mas, apesar das recaídas, Tocqueville manteve a confiança no ser humano e na sua capacidade de adaptação às mudanças. Para o pensador francês, a sociedade, ainda que por caminhos tortuosos, faz prevalecer a tendência ao progresso material e à defesa das liberdades individuais e coletivas.
Como costuma acontecer com os visionários, que parecem viver à frente de seu tempo, Tocqueville caiu em esquecimento durante um longo período. A sua crença no progresso da sociedade democrática entrou em confronto com os acontecimentos políticos do século XIX.
O crescimento das desigualdades, gerado pelo desenvolvimento do sistema capitalista, fez com que muitos analistas classificassem como ingênuo e utópico o pensamento tocquevilleano. Mas com a sucessão de catástrofes na primeira metade do século XX, tais como as duas guerras mundiais, a depressão econômica e a ascendência do fascismo na Europa, as obras de Tocqueville foram reabilitadas, e as suas recomendações sobre os perigos que a democracia poderia enfrentar, passaram a ser consideradas premonitórias.
A reabilitação de Tocqueville coube principalmente ao trabalho de um dos maiores intelectuais franceses do século XX. Foi Raymond Aron, o primeiro a colocar Tocqueville no panteão dos grandes pensadores modernos.
Em seu livro, “Etapas do Pensamento Sociológico”, Aron considera Tocqueville como um dos fundadores da Ciência Sociológica, junto com Montesquieu, Comte e Marx. Aron, no entanto, diferencia o objeto de estudo e o método analítico de Tocqueville daquele usado por Comte e Marx.
Diz Aron: “em vez de dar preponderância ao fato industrial como Comte, ou ao fato capitalista, como Marx, Tocqueville atribui primazia ao fato democrático. (...) Tocqueville parte da determinação de certos traços estruturais das sociedades modernas para a comparação das diversas modalidades dessas sociedades. Comte observava a sociedade industrial e, sem negar que ela comporta diferenças secundárias, de acordo com as nações e os continentes, acentuava as características comuns a todas as sociedades industriais.
Tendo definido a sociedade industrial, pensava ser possível, a partir dessa definição, indicar as características da organização política e intelectual de qualquer sociedade industrial. Marx definiu o regime capitalista e descreveu certos fenômenos que, segundo ele, seriam encontráveis em todas as sociedades capitalistas.
Comte e Marx concordam, portanto, quando insistem nos traços genéricos de toda a sociedade, seja industrial, seja capitalista, subestimando, contudo, a margem de variação da sociedade industrial ou do regime capitalista. Tocqueville, ao contrário, constata certas características associadas à essência de toda sociedade democrática, mas acrescenta que, a partir desses fundamentos comuns, há uma pluralidade de regimes políticos possíveis.
As sociedades democráticas podem assumir características distintas nos Estados Unidos e na Europa, na Alemanha e na França. Tocqueville é o sociólogo comparativista por excelência; procura identificar o que é importante, confrontando espécies de sociedade pertencentes a um mesmo gênero ou a um mesmo tipo”.       
Ao longo de sua vida, Tocqueville escreveu dois livros seminais: “A Democracia na América” e “O Antigo Regime e a Revolução”. O primeiro, escrito na juventude, mostra as características sociais e políticas da sociedade americana e o segundo, escrito na idade madura, discorre sobre os principais traços da Revolução Francesa de 1789.
O primeiro é resultado de um trabalho de campo, típico de um pesquisador. É analítico-descritivo. O segundo busca comprovar uma tese: as principais características atribuídas à Revolução Francesa já estavam presentes na França antes da Revolução.
Um terceiro livro, “Souvenirs” que descreve as experiências vividas pelo autor na sua carreira política, e uma infinidade de artigos, análises, entrevistas, e outras contribuições foram posteriormente compilados e publicados, muitos deles postumamente. 
Da obra de Tocqueville podemos conhecer o pensamento daquele que merece ser chamado de O Profeta da Democracia Moderna. Um pensador que, vivendo numa época de grandes paixões ideológicas, conseguiu manter-se sóbrio e equilibrado.
Um pensador otimista, mas não utópico; idealista, mas não dogmático; simples e ao mesmo tempo profundo, brilhante e honesto intelectualmente. Ele recuperou a crença na democracia que havia sido corroída pelos desmandos da Revolução Francesa. Desmandos baseados no ideal totalitário dos Rousseauneanos que confundiram democracia com democratismo.
Hoje, mais do que nunca, se faz necessário recorrer ao pensamento de Tocqueville, especialmente na América Latina, onde a jovem e frágil democracia ainda corre sérios perigos.
 
09 de janeiro de 2014
Alcides Leite é Economista e Professor da Trevisan Escola de Negócios.

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