Leitor me envia recorte em que escritores brasileiros vão chorar as pitangas junto ao The New York Times, de reportagem publicada em dezembro passado, onde se afirma que ser escritor no Brasil é a “mais patética de todas as profissões”.
O diário inicia a reportagem dizendo que os escritores brasileiros participaram de diversos encontros literários em países como Alemanha, Suécia e Itália, mas, mesmo assim, a carreira é desprezada no País. E adverte que, se você for ao Brasil, “não conte a ninguém sobre seu real ofício”. A publicação afirma que “não apenas vão negar seu cartão de crédito na mercearia, mas certamente eles irão rir de você e ainda vão questionar”.
— Não, sério, o que você faz para sobreviver?
A autora da reportagem, Vanessa Bárbara – que não por acaso é brasileira - parece não viver neste mundo ou sofisma. Ninguém pede profissão para quem paga com cartão. Mas a pergunta procede, porque literatura só dá de comer no Brasil, salvo raras exceções, aos escritores do Estado. Aqueles que chamo de amigos do Rei, que por relações, parentesco ou simplesmente obra da antiga prática do “louons-nous-les-uns-les-autres”, conseguem vender seus livros para bibliotecas públicas ou enfiá-los goela abaixo nas escolas e vestibulares. Literatura, no Brasil, não é para amadores. E sim para putas velhas, ainda que jovens.
Existe ou não existe a profissão de escritor no Brasil? Primeiro ter-se-ia de perguntar se escritor é profissão. Em um livro que causou algum escândalo há uns bons 40 anos em Paris - Le Bazar des Lettres - Roger Gouze contestava com energia o caráter profissional do ofício. "O estatuto oficial do escritor me parece tão absurdo quanto o das prostitutas que também reivindicam o seu: não se pode ao mesmo tempo desafiar o poder, a polícia, as leis (por hipócritas que sejam) da sociedade e pedir-lhes uma proteção". Se a literatura é uma arte - argumenta o autor - o escritor deve, como todo mundo, ter uma profissão que o sustente, ao lado da arte que ele alimenta com o melhor de si mesmo. "Não uma segunda profissão, pois a literatura não é uma".
Como viverá então o escritor se a obra não lhe rende nada? "Como todo mundo" - responde Gouze. Claro que o autor francês fala de uma época em que literatura era vista como contestação. Hoje, os autores estão se profissionalizando. O editor pesquisa o paladar do público e encomenda um produto de moda. O escritor, como carneirinho dócil, escreve o que o público pede e o editor ordena. Ou o que um político paga.
A explicação de Vanessa, que também é escritora e como tal choramingas, para o descaso com tais profissões, é que os brasileiros leem menos de quatro livros por ano, dois deles apenas de forma parcial. Entre as principais razões estão a falta de tempo (53%), a falta de interesse (30%) e a preferência por outras atividades (21%).
Em parte tem razão. Mas mesmo com essa escassez de leitores, um Paulo Coelho vende que nem pão quente. Você quer grande público? Ausculte a mediocridade média do país e escreva nesse diapasão. E tiver talento para tanto. A escritora usa seus números para ilustrar o cenário precário da profissão no País.
— Eu escrevi um livro em 2008, que venceu um prêmio literário e recentemente vendeu a cópia de número 3.000. O livro custa, em média, US$ 15 (R$ 34,8), o valor repassado para o autor é de 5%, então, eu recebia US$ 0,75 (R$ 1,34) por cada cópia vendida. Pelo livro que eu levei um ano para escrever e mais quatro anos para vender, eu recebi em torno de US$ 2.250 (R$ 5.220). Deveria ter destinado meu corpo para a ciência.
Ou para a prostituição. Rende bem mais. Puta por puta, tem mais dignidade quem vende apenas o corpo e preserva a alma. Salvo o Paulo Coelho, os escritores bem sucedidos do Brasil não vivem de leitores, mas do contribuinte. O cidadão brasileiro está pagando até traduções do Chico Buarque na Coréia (suponho que a do Sul). Cinco mil reais jamais pagarão quatro anos de trabalho. E isso que Vanessa ainda recebeu cinco mil. Há quem não receba nada e mais: tem de pagar pela vaidade de chamar-se escritor.
Parece que a moça ainda não entendeu os dias em que vive. Se é para receber uma micharia, melhor publicar em ebook e distribuí-lo gratuitamente na rede. Dispensa editor, distribuidor e livreiro. E seu livro está a dois ou três cliques de distância do leitor.
09 de janeiro de 2014
janer cristaldo
O diário inicia a reportagem dizendo que os escritores brasileiros participaram de diversos encontros literários em países como Alemanha, Suécia e Itália, mas, mesmo assim, a carreira é desprezada no País. E adverte que, se você for ao Brasil, “não conte a ninguém sobre seu real ofício”. A publicação afirma que “não apenas vão negar seu cartão de crédito na mercearia, mas certamente eles irão rir de você e ainda vão questionar”.
— Não, sério, o que você faz para sobreviver?
A autora da reportagem, Vanessa Bárbara – que não por acaso é brasileira - parece não viver neste mundo ou sofisma. Ninguém pede profissão para quem paga com cartão. Mas a pergunta procede, porque literatura só dá de comer no Brasil, salvo raras exceções, aos escritores do Estado. Aqueles que chamo de amigos do Rei, que por relações, parentesco ou simplesmente obra da antiga prática do “louons-nous-les-uns-les-autres”, conseguem vender seus livros para bibliotecas públicas ou enfiá-los goela abaixo nas escolas e vestibulares. Literatura, no Brasil, não é para amadores. E sim para putas velhas, ainda que jovens.
Existe ou não existe a profissão de escritor no Brasil? Primeiro ter-se-ia de perguntar se escritor é profissão. Em um livro que causou algum escândalo há uns bons 40 anos em Paris - Le Bazar des Lettres - Roger Gouze contestava com energia o caráter profissional do ofício. "O estatuto oficial do escritor me parece tão absurdo quanto o das prostitutas que também reivindicam o seu: não se pode ao mesmo tempo desafiar o poder, a polícia, as leis (por hipócritas que sejam) da sociedade e pedir-lhes uma proteção". Se a literatura é uma arte - argumenta o autor - o escritor deve, como todo mundo, ter uma profissão que o sustente, ao lado da arte que ele alimenta com o melhor de si mesmo. "Não uma segunda profissão, pois a literatura não é uma".
Como viverá então o escritor se a obra não lhe rende nada? "Como todo mundo" - responde Gouze. Claro que o autor francês fala de uma época em que literatura era vista como contestação. Hoje, os autores estão se profissionalizando. O editor pesquisa o paladar do público e encomenda um produto de moda. O escritor, como carneirinho dócil, escreve o que o público pede e o editor ordena. Ou o que um político paga.
A explicação de Vanessa, que também é escritora e como tal choramingas, para o descaso com tais profissões, é que os brasileiros leem menos de quatro livros por ano, dois deles apenas de forma parcial. Entre as principais razões estão a falta de tempo (53%), a falta de interesse (30%) e a preferência por outras atividades (21%).
Em parte tem razão. Mas mesmo com essa escassez de leitores, um Paulo Coelho vende que nem pão quente. Você quer grande público? Ausculte a mediocridade média do país e escreva nesse diapasão. E tiver talento para tanto. A escritora usa seus números para ilustrar o cenário precário da profissão no País.
— Eu escrevi um livro em 2008, que venceu um prêmio literário e recentemente vendeu a cópia de número 3.000. O livro custa, em média, US$ 15 (R$ 34,8), o valor repassado para o autor é de 5%, então, eu recebia US$ 0,75 (R$ 1,34) por cada cópia vendida. Pelo livro que eu levei um ano para escrever e mais quatro anos para vender, eu recebi em torno de US$ 2.250 (R$ 5.220). Deveria ter destinado meu corpo para a ciência.
Ou para a prostituição. Rende bem mais. Puta por puta, tem mais dignidade quem vende apenas o corpo e preserva a alma. Salvo o Paulo Coelho, os escritores bem sucedidos do Brasil não vivem de leitores, mas do contribuinte. O cidadão brasileiro está pagando até traduções do Chico Buarque na Coréia (suponho que a do Sul). Cinco mil reais jamais pagarão quatro anos de trabalho. E isso que Vanessa ainda recebeu cinco mil. Há quem não receba nada e mais: tem de pagar pela vaidade de chamar-se escritor.
Parece que a moça ainda não entendeu os dias em que vive. Se é para receber uma micharia, melhor publicar em ebook e distribuí-lo gratuitamente na rede. Dispensa editor, distribuidor e livreiro. E seu livro está a dois ou três cliques de distância do leitor.
09 de janeiro de 2014
janer cristaldo
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