Não foi por falta de tempo que cerca de 70% dos 5.570 municípios deixaram de elaborar seus planos de saneamento básico e de resíduos sólidos urbanos e, por isso, a partir de 1.º de janeiro de 2014, terão bloqueados os recursos que o governo federal poderia destinar a eles em programas nessa área. Desde janeiro de 2007 as prefeituras sabem que precisam elaborar um plano de melhoria dos serviços e da infraestrutura de abastecimento de água, coleta de esgotos e tratamento do material recolhido, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e destinação de águas pluviais urbanas.
Eventuais enchentes não serão culpa apenas das chuvas intensas, da mesma forma que a alta incidência de determinadas moléstias na população infantil não decorrerá do descuido das famílias. Serão, sobretudo, o resultado da desídia com que muitos gestores municipais lidam com essa questão essencial para a qualidade de vida e, em muitos casos, para a segurança dos munícipes.
A legislação nacional de saneamento básico estabeleceu, inicialmente, o ano de 2010 como prazo-limite para todos os municípios apresentarem seus planos integrados de saneamento básico. Como muito poucos deles conseguiriam cumprir o prazo, foi fixado o último dia de 2013 para que o fizessem. O número de prefeituras que cumpriram o prazo é muito pequeno e, como admitem dirigentes de associações municipais, novo adiamento de nada adiantará.
Observe-se que só no início de dezembro de 2013 o próprio governo federal conseguiu aprovar formalmente o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), previsto na legislação de 2007. Mas isso não serve de desculpa para o atraso das prefeituras na elaboração de seus planos específicos, pois os parâmetros essenciais do Plansab, bem como as responsabilidades dos municípios, são conhecidos há muito tempo.
O Plansab prevê investimentos de R$ 508 bilhões entre 2014 e 2033, com recursos públicos (federais, estaduais e municipais), de prestadores públicos e privados de serviços de saneamento, de outras empresas privadas e de organismos internacionais. Entre outras metas, o plano prevê, até 2033, o atendimento de 99% da população brasileira com água potável (100% na área urbana) e de 92% com esgotamento sanitário (93% na área urbana). A coleta de lixo na área urbana será estendida a toda a população e não haverá mais lixões ou vazadouros a céu aberto no País.
Pesquisas do Instituto Trata Brasil, que defende a disseminação dos serviços de saneamento básico no País, mostram que crianças de 0 a 5 anos são as grandes vítimas da falta de rede pública de abastecimento de água e de coleta de esgotos. Dados do Sistema Único de Saúde, de sua parte, mostram que os maiores gastos com internações em razão de diarreia ocorrem, proporcionalmente, nos municípios com sistemas precários de saneamento básico.
Dados como esses, no entanto, não têm sido suficientes para convencer boa parte dos prefeitos a dedicar mais atenção ao problema. Alguns fatores, como a falta de recursos e, sobretudo, de pessoal especializado - engenheiros sanitaristas, médicos, economistas, entre outros -, limitam sua atuação para a elaboração do plano municipal de saneamento básico. Mas eles não impedem que os administradores municipais façam o que precisa ser feito para melhorar a saúde e as condições de vida da população.
O governo federal, por exemplo, tem mecanismos de financiamento desses planos, um para municípios com mais de 50 mil habitantes, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e outro para os municípios menores, por meio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Além disso, cursos de preparação de técnicos municipais foram oferecidos em diversos Estados. A associação de municípios próximos e de características semelhantes pode reduzir os custos e viabilizar financeiramente a elaboração dos planos, sem desrespeitar as características de cada um.
Antes de tudo, porém, é preciso que os administradores municipais entendam a importância do saneamento básico - o que parece não ter ocorrido ainda na escala necessária.
06 de janeiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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