Um artigo abordando um tema bastante delicado: o Bolsa-Família. Um excelente 2014 para todos os apreciadores do excelente “Prosa e Política”. Que 2014 seja mais generoso com o Brasil. Oremos, pois.
Bolsa-Família: A redenção da miséria ou a rendição dos miseráveis?
Escrever sobre o Bolsa-Família realmente requer cuidados redobrados, principalmente se o texto for crítico ao programa.
A reação da patrulha “progressista” a serviço da causa é instantânea e, então, para fazer jus ao soldo, executa com incontido prazer aquilo que sabe fazer de melhor: desqualificar e intimidar o autor da crítica recorrendo a mentiras, impropérios e ameaças.
Essa é a argumentação ordinária que a identifica. Os patrulheiros da miséria erradicada por decreto presidencial jamais admitirão que o Bolsa-Família é a prova mais contundente do quanto o PT pode ser canalha e fingem desconhecer que a empulhação em curso nada mais é do que uma das mais vergonhosas usurpações de programas alheios.
Filho bastardo de programas sociais de governos que antecederam o do PT, a princípio o Bolsa-Família, ainda que disfarçadamente, trazia no seu bojo a incumbência de desagravar à inquestionável incompetência petista exercitada ao extremo na fracassada aventura do Fome Zero.
Porém, não demorou muito para ser desmascarado pelos próprios petistas, alguns de alta patente, inclusive, como um bem elaborado projeto de institucionalização da miséria com finalidade sordidamente eleitoreira.
Os resultados das eleições presidenciais que se sucederam foram tão expressivos, e aguçaram de tal forma a ganância de poder dos petistas, que Lula e seus sectários logo descobriram que a manipulação desse mundo regido pela égide do sofrimento era a forma ideal para consolidar o projeto de perpetuação no poder perseguido pelo partido desde a sua fundação e colocado em prática a partir de 1.º de janeiro de 2003.
Hoje, especula-se, são 22 milhões de famílias atendida pelo programa. Esse número assustador pressupõe que cerca de 90 milhões de brasileiros têm sua subsistência diretamente vinculada à generosidade governista. Para piorar, eu não consigo vislumbrar o menor esforço das autoridades para modificar essa realidade trágica.
Ao contrário. Instigados pela deflagração descarada da campanha pela reeleição da presidente Dilma, seus agentes estão empenhados em aumentar esse universo. Não se trata de profecia, mas somente uma simples constatação: até o dia da eleição, não sobrará um único miserável que não esteja agasalhado sob as asas cinicamente protetoras da galinha de votos do PT.
É pouco ambicioso, mais que isso, medíocre, o governo que se encanta com sua generosa verve filantrópica e celebra a indigência como um dos seus maiores feitos. Extasiado com o domínio que exerce sobre multidões não se dá conta de que pouco a pouco avoluma-se aos milhões as pessoas que sucumbem à vala comum da servidão, subjugadas que são pela sensação crônica de dependência aliada ao mais primitivo dos instintos: o da sobrevivência.
Sem querer reivindicar a minha verdade como absoluta, acredito, entretanto, que programas com esses perfis, principalmente quando mantidos por tempo demasiado sem demonstrar nenhuma evolução significativa no padrão de vida dos beneficiados, jamais trouxeram – e nem trarão em tempo algum-, qualquer vestígio de justiça social até porque, analisados com mais acuidade, revelam-se apenas meros paliativos desprovidos de consistência e substância à medida em que vulgarizam a dignidade ao abrirem mão da contra-partida indispensável daqueles que deles se beneficiam.
É nessa fina e delicada fresta que o solo árido da promiscuidade fertiliza-se e a metamorfose acontece, transformando a proteção almejada em submissão adquirida. Antes de redimir os miseráveis, de forma dissimulada prestam-se apenas à asquerosa tarefa de institucionalizar a pobreza.
Depois de institucionalizada, o poder central sempre a manterá monitorada, disponível para ser manipulada como importante trunfo político e eleitoral, ficando sua utilização, ou não, a mercê do comprometimento com os princípios éticos e morais do inquilino da vez do Palácio do Planalto.
A decepção de petistas históricos com os rumos do programa, e por extensão com a debacle ideológica do partido, reafirma minha convicção de que o PT tirou milhões de brasileiros da miséria para acomodá-los na pobreza e mantê-los reféns do maior curral eleitoral oficial do planeta.
Ex-petista de alta patente, o Dr. Hélio Bicudo tem gravada na memória uma das evidências do divórcio de seu ex-partido com o idealismo de suas origens.
Conta que, no início do governo Lula, quando foi lançado o Bolsa-Família, indagou do então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, os objetivos do programa. Obteve uma resposta direta: “Serão 12 milhões de bolsas que poderão se converter em votos em quantidade três ou quatro vezes maior. Isso nos garantirá a reeleição de Lula”.
Na resposta a Hélio Bicudo, José Dirceu sintetizou o compromisso com a ética que nortearia os dois mandatos do ex-presidente Lula e tem sustentado o governo da presidente Dilma Rousseff.
Diante desse cenário desolador onde a insensibilidade petista impede qualquer possibilidade de distinguir onde termina a ação de governo e começa a sanha autoritária do partido, fica apenas a indagação. No projeto de perpetuação no poder em andamento, o que seria mais importante para o PT. A redenção da miséria ou a rendição dos miseráveis? A extraordinária amplitude dos números pode ser um indicativo.
Talvez o que penso se exauri na relevância, mas a presidente Dilma Rousseff terá minha admiração eterna se, numa eventual reeleição, até o final do seu segundo mandato reduzir em pelo menos 20% o número de brasileiros assistidos pelo Bolsa-Família, tendo como compensação, é óbvio, a garantia de reintegrá-los, intactos, ao setor produtivo com a auto-estima restaurada através da qualificação profissional, do emprego decente e do salário justo.
O resto é só politicagem barata.
06 de janeiro de 2014
Mauro Pereira
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