A situação do sistema penitenciário brasileiro, que se vem deteriorando há muito, sem que o poder público consiga resolver o problema, chegou a tal ponto que um dos encarregados da questão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Guilherme Calmon, não hesita em sugerir a intervenção federal nos presídios de três Estados. Tendo em vista que as seguidas denúncias sobre a superlotação e as condições subumanas em que vive a maior parte dos presos não surtem efeito, a intervenção talvez seja mesmo indispensável.
Em entrevista ao jornal O Globo, Calmon, que é supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário no CNJ, diz que a intenção do governo de adotar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para a construção de presídios é um sinal de que ele está preocupado com o problema, o que é positivo. O RDC é mais flexível e deve tornar mais ágil e rápida a criação de novos presídios. Mas a seu ver essa é uma medida paliativa que só deve produzir efeito a longo prazo e, quando isso acontecer, ela já poderá estar defasada.
A situação é grave e por isso exige providências imediatas, mas, diz ele, "o que temos percebido no âmbito federal ou estadual é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação de detentos e concessão de benefícios". Poderiam ser adotadas para melhorar os serviços prestados dentro dos presídios. "Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual", é a sua conclusão pessimista e preocupante.
Descontrole que não é novidade, já que atestado pelo conhecido domínio que organizações criminosas exercem sobre o sistema penitenciário, a começar pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que surgiu em São Paulo e está se espalhando por outros Estados. Um caso particularmente grave, neste momento, é o do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, onde só não se pode dizer que impera o caos, porque nele vigora a lei e a ordem da selva, impostas pelos bandidos.
Prova disso são os atos de selvageria ali praticados recentemente - como a decapitação de presos por grupos rivais, durante uma rebelião - e outros que se tornaram rotina, como o abuso sexual de irmãs e esposas de detentos que não têm poder dentro do presídio, durante as visitas íntimas, que disso só têm o nome, pois acontecem no meio das celas, não em espaços especiais, como deveriam. Tais violências foram constatadas pelo juiz auxiliar da presidência do CNJ Douglas Martins.
Para o desembargador Guilherme Calmon, há três Estados "onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo". O Maranhão, é claro, mas também Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul. A situação do Presídio Central de Porto Alegre demonstra que o descalabro do sistema penitenciário atinge Estados pobres e ricos, indistintamente. Depois de uma visita feita dias atrás àquele presídio por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seu presidente, Marcus Vinicius Furtado Coelho, resumiu a situação degradante ali encontrada: "É um dos piores presídios que já vi. Presos provisórios são misturados a condenados, facções mandam na cadeia, decidindo inclusive quem tem direito a atendimento médico e jurídico, além de esgotos e fezes correndo pelas paredes dos pavilhões a céu aberto".
Essa situação, além de injusta e inaceitável, é também uma vergonha para o Brasil, que se pretende cada vez mais um país influente e respeitável no cenário internacional. Ela não diz respeito apenas a setores isolados, mas a toda a população. Como diz o desembargador Calmon, "o problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade".
O problema atingiu tal dimensão e tal gravidade que é de difícil solução e exige esforço conjunto dos governos federal e estaduais. Mas ela não pode mais ser adiada ou disfarçada com meias medidas. A decretação da intervenção sugerida por Calmon, que tem de ser decretada pelo Supremo Tribunal Federal, provocaria um choque salutar e seria, por isso, um bom começo.
06 de janeiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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