"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

MORTOS SUSPEITOS DE FUNDAR PARTIDOS

Por que o TSE autorizou Pros e Solidariedade a funcionar sem checar se assinaturas são válidas?


Nada há a contestar na decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de negar registro ao Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, de vez que não lhe foi apresentado o número mínimo de assinaturas de apoio de eleitores aptos a votar exigido pela legislação eleitoral.

Nada justificaria que o tribunal passasse por cima da lei, pois sua função é exatamente garanti-la.

Os políticos – e a ex-senadora acriana é um deles, queira ou não queira, tenha ou não tenha outra imagem perante a população – deveriam saber que a democracia é o império da lei e a normal legal precisa ser cumprida também por eles, que a debatem, votam e aprovam. Marina teve 20 milhões de votos na última disputa presidencial, em 2010.

Desde as manifestações de junho, seu nome aparece como a mais viável opção contra a provável reeleição da presidente Dilma Rousseff, que encabeçará uma chapa de muitas legendas, a começar pelas duas maiores, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). E daí? Isso não a torna isenta de cumprir obrigações legais trabalhosas e complicadas: as assinaturas e os Estados onde elas podem ser obtidas e um prazo.

Faltou o mínimo de competência e sobrou bastante negligência à ex-senadora na coleta das 492 mil assinaturas em nove Estados e, por isso, ela chegou ao prazo fatal, sábado passado, sem tê-las em mão. Não adianta reclamar nem pôr a culpa nos outros. Desde que se desentendeu e saiu do Partido Verde (PV), pelo qual se candidatou à Presidência em 2010, ela teve tempo de sobra para conseguir mais do que o necessário.

É certo que sem máquina burocrática federal ou estadual, sem estrutura profissional de apoio para conduzir o processo e sem boa vontade dos políticos com os quais concorre, ela teria dificuldades. A estas se somaram, de acordo com seu depoimento (que não pode ser considerado insuspeito), a má vontade e a lerdeza burocrática dos cartórios nos quais teria de registrar as assinaturas exigidas pela lei.

Os governistas tentaram interpor um obstáculo casuístico à sua pretensão na forma de um projeto de lei criado apenas para dificultar a criação de novas legendas partidárias.
A oposição, normalmente desatenta e pouco propícia a enxergar qualquer coisa além dos muros de seus quintais, conseguiu, com o apoio do baixo clero silencioso e, ao contrário dela, atento aos próprios interesses, evitar a aprovação por urgência urgentíssima da providência que, em outras condições de temperatura e pressão, seria bem-vinda para evitar o caos partidário que enfraquece a democracia no Brasil. Mas nem isso lhe serviu de alerta para redobrar os esforços para obter o registro no TSE.

Em vez de fazer uma autocrítica sincera da própria negligência, Marina preferiu atacar os cartórios. Ora essa, cartórios são cartórios e não foram criados para simplificar o complexo, mas para complicar o simples.
Não é à toa que cartorial é um termo que carrega um significado nefasto, que designa maçada, delonga, adiamento. Se, como denunciou, cartórios do ABC dos metalúrgicos do PT agiram de má-fé com ela, por que não os denunciou na Justiça nem mobilizou os militantes da Rede para atazanar a vida deles? Ora, ora, como dizia minha avó, desculpa de cego é feira ruim e saco furado.

Apesar disso tudo, convém advertir que são controversas, sim, as decisões do TSE a respeito das duas novas legendas partidárias que aumentaram de 30 para 32 o número dos partidos políticos em atuação no Brasil.
Ao aceitar como boas assinaturas de apoio contestadas pelo Ministério Público, algumas entre elas suspeitas de serem de mortos, a Justiça Eleitoral lavou as mãos como o cônsul romano Pôncio Pilatos. Por que decidir a questão para não perder o prazo de 5 de outubro para a criação do Partido Republicano da Obra Social (PROS) e do Solidariedade? Por que não dirimir tais suspeitas?
A presidente do TSE, Cármen Lúcia, ao anunciar a negação de registro ao Rede, lamentou. Por quê?

Nada a lamentar. A política é um jogo que se joga com regras preestabelecidas e a própria perdedora deixou claro que logo terá um partido para chamar de seu.
Em vez de lamentar o inexorável, o tribunal podia explicar por que aceitou assinaturas suspeitas. Que hecatombe sofreria o País se o PROS e o Solidariedade não fossem autorizados a negociar seu apoio nas eleições de 2014? O benefício da dúvida a favor do acusado de fraudar assinaturas põe em dúvida o julgamento do tribunal.

O TSE orgulha-se muito da implantação da urna eletrônica, como se esta fosse a decretação automática do fim da fraude eleitoral no Brasil. O gato escaldado Leonel Brizola tinha dúvidas sobre isso desde que os bicheiros da Baixada Fluminense e os militares do regime tentaram tomar-lhe à força a primeira eleição direta para o governo do Estado do Rio, após ter voltado do exílio. Seria paranoia dele?
Ao aceitar assinaturas suspeitas para criar dois partidos que para nada servem, a não ser para distribuir dinheiro público e tempo em televisão e rádio às vésperas de eleições pelos bolsos de seus fundadores, a Justiça Eleitoral restaura duas fontes de fraude do tempo dos coronéis: a eleição de bico de pena da República Velha e os eleitores-fantasmas que assombraram a democracia brasileira até o fim do século passado.

Sebastião Néri, em sua hilariante coletânea de casos folclóricos, narra a história do coronel Chico Braga, do Vale do Piancó, no sertão da Paraíba, onde a proximidade do Ceará e o controle dos atestados de óbito no cartório permitiam inflar o eleitorado. Balançando-se numa rede no alpendre de sua casa, o coronel ouviu o apelo para que fosse votar antes do fechamento das urnas. “Co’os diachos, menina, já votei cinco vezes hoje e ainda querem que eu vote?”, disse à moça que o embalava. Ele morreu, mortos não votam, mas será que podem ajudar a fundar partidos?
09 de outubro de 2013
José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.

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