Lenha na fogueira – Durante o enfático discurso do escritor Luiz Ruffato na cerimônia de abertura da Feira de Frankfurt, na terça-feira (8), sobravam comentários cochichados.
Suas palavras sobre capitalismo selvagem, desigualdade e injustiça social foram seguidas de aplausos de pé e gritos de “bravo“, mas também de protestos e críticas negativas.
No primeiro dia da maior feira do setor livreiro, as opiniões ficaram divididas.
Após o cartunista Ziraldo levantar na cerimônia de abertura e gritar “Não tem que aplaudir! Que se mude do Brasil, então“, foi a vez de Nélida Piñon manifestar descontentamento, mesmo que de forma velada:
“Eu adoto a postura de não criticar o Brasil fora do país, assim como não critico meus colegas”, disse a escritora na segunda leitura no pavilhão brasileiro, sobre literatura e memória.
O colega de palco, Carlos Heitor Cony, não presenciou a cerimônia de abertura e a fala de Ruffato.
Contudo, no primeiro dia de Brasil como homenageado em Frankfurt a mostra de aprovação dada imediatamente após o discurso de abertura de Ruffato se confirmou na voz de outros autores.
“Faço deles as minhas palavras. Ele fez o que deveria ser feito, só agiu com honestidade e coragem“, disse Paulo Lins, autor de Cidade de Deus. “Mas há gente que quer esconder uma realidade que não pode e não deve mais ser escondida.”
Para Sueli Torres, professora brasileira que reside na Alemanha há 26 anos, o discurso só aumentou o clima de festa. “Ruffato fez um resumo da história do Brasil preciso e emocionante da história e da cultura brasileiras. Foi o melhor discurso que já ouvi. Me arrepiei e aplaudi de pé”, afirmou.
Michael Kegler, tradutor do português para o alemão que adaptou livros e o polêmico discurso de Ruffatto, disse ter ficado emocionado e ter ouvido apenas críticas e reações positivas de colegas estrangeiros.
“Eu não sou brasileiro, mas acho digno dizer que o Brasil é como ele é. E Ruffato não negou que houve mudanças para melhor”, elogiou. “Acho que essa é a qualidade de todas essas vozes da comitiva de autores brasileiros aqui, que falam alto e põem o dedo na ferida. Isso é um novo Brasil, consciente de seus problemas. Já se foram os tempos de ufanismo.”
Ruffato começou falando do passado brasileiro: “Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira [...]. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas negras pelos colonizadores brancos.”
E, ao falar do presente, foi aplaudido ainda durante o discurso: “E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.”
E, para o escritor, ainda há muito presente do “legado de 500 anos de desmandos” no país:
“Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direito de todos, mas o privilégio de alguns. [...] Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. [...] Em que estamos acostumados a burlar as leis.”
Para fechar, Ruffato destacou o Brasil como um país paradoxal, ora visto como exótico e paradisíaco, ora como um local execrável e violento. (Com informações da Deutsche Welle)
09 de outubro de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário