"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA MILITAR, OS GOVERNOS CIVIS E O CENÁRIO ATUAL - 1


 
 
 
De forma simplificada podemos dizer que a Atividade de Inteligência (AI) visa à obtenção, análise e difusão do conhecimento, e não tem como escopo de trabalho colher provas e evidências acerca da materialidade de um delito ou evidenciar sua autoria; uma vez que estes quesitos são próprios da investigação criminal para subsidiar um inquérito policial. Ainda que as informações colhidas em uma possam ajudar a outra, e normalmente assim ocorre no caso da inteligência de segurança pública, são atividades com escopos diferentes.
A AI não tem uma data clara e definida de inicio, sendo uma atividade que se perde na noite dos tempos. De fato muito antiga quanto a essência, não tanto quanto a forma. No formato mais familiar aos procedimentos atuais podemos citar o ano de 1559 quando William Cécil, primeiro-secretário da Coroa e conselheiro de Elizabeth I, cria o "State Defense”, centralizando todas as atividades de inteligência. Em 1573, Sir Francis Walsingham, ministro do Exterior de Elizabeth I, cria o "Serviço Secreto da Coroa da Inglaterra", com os primeiros prontuários individuais de agentes, relatórios sistemáticos, verbas secretas e contabilidade especial. Walsingham organizou, na verdade, o primeiro serviço de inteligência profissional do mundo, pelo menos da forma como o entendemos hoje.
 
Os EUA começaram sua experiência em 1775 quando o Segundo Congresso Continental de Filadélfia decidiu pela criação do Comitê de Correspondência Secreta, e com a montagem do que ficou conhecida como a Rede Culper. A França, Alemanha e Rússia também desenvolveram seus serviços no passado bem recuado, todavia posterior aos ingleses. Vamos nos ater a questão inglesa e estadunidense.
Fiz este resumido histórico para situar a AI brasileira no tempo. No Brasil a dinâmica foi diferente. Em 1946 é criado o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (Sfici), que se tornou efetivamente operacional em 1958, ou seja, quase 400 anos depois dos ingleses aperfeiçoarem sua experiência; e perdurou até junho de 1964 com a criação do SNI (Serviço Nacional de Informações). Em termos de estrutura, doutrina e metodologia operacional o serviço progrediu bastante neste período, até que em 1990 ele foi extinto pelo governo do presidente Fernando Collor. Não entrarei aqui em aspectos doutrinários ou ideológicos, uma vez que não cabe nesta abordagem e nem adicionam nada ao objetivo deste artigo.
Com a extinção do SNI a AI foi relegada a um segundo plano, passando a estar ligada ao Departamento de Inteligência (DI) da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE); destoando completamente do posicionamento estratégico que ela ocupa em todos os países desenvolvidos, onde a mesma está ligada diretamente ao mais elevado mandatário da nação e tida como atividade da mais alta prioridade para o Estado. Afinal, o ditado diz que informação é poder!
No governo Fernando Henrique, em 07/12/99 através da Lei n 9.883, é criado o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e a Agencia Brasileira de Inteligência (Abin), como órgão gestor deste ultimo, e vinculada ao GSI/PR (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República). A AI voltava a ter relevância, mas sem adquirir o status anterior.
Grande parte dos progressos efetuados anteriormente foram perdidos, e o Brasil retrocedeu significativa no pouco que tinha, tecnicamente falando. Os profissionais da área foram depreciativamente apelidados de “arapongas” e a mídia adquiriu o costume de enxovalha-los. Ninguém os defendeu. Em certa medida as Forças Armadas conseguiram preservar alguma capacidade operacional nos seus centros de inteligência, ainda que longe dos padrões de excelência fixados atualmente para serviços de nível internacional.
Em todos os países relevantes no cenário mundial a AI é considerada área estratégica, de alta prioridade, e uma atividade de Estado e não do Governo A, B ou C. Possui sempre dotações orçamentárias a altura de suas missões estratégicas, sejam endógenas ou exógenas, e grupos de trabalho estáveis, sem compromissos políticos ou ideológicos, privilegiando a capacidade profissional de seus quadros. Seus quadros estratégicos não são selecionados por concurso público, e sim em função de uma análise de potencial. Aptidões e capacidades são o diferencial. 
Nenhum país sério abre mão desta ferramenta de poder. É impossível conceber um Estado eficiente sem informação de qualidade e oportuna a tomada de decisões. Os EUA, França, Inglaterra, Rússia, China e Israel gastam bilhões de dólares para manter serviços de inteligência operando com alto índice de eficiência. Estas montanhas de dinheiro são direcionadas prioritariamente ao desenvolvimento de tecnologia de ponta e formação de quadros, não sendo rara a cooperação entre as agências na perseguição de alvos comuns.
A formação de um bom quadro pode levar de 10 a 15 anos e custa caro. Como consequência deste trabalho estes países sabem muito do que acontece no planeta, e podem interferir sempre que necessário na defesa de seus interesses elegendo alvos em qualquer parte do mundo conhecido.  Certamente não é por coincidência que estes são os países que dominam o cenário político mundial, influenciando-o decisivamente, e são norteados por grupos com ligações carnais com a AI; como a família Bush ou Vladimir Putin.
 
Entretanto, o que temos visto no Brasil é o inverso. A visão míope e ideologicamente orientada retira da AI a prioridade que deveria ter, e conjugada com as restrições orçamentárias causa estragos significativos. A distância que nos separa dos outros países só tem crescido e toma uma dimensão astronômica, notadamente na questão da Sigint (Inteligência de Sinais); onde a GCHQ - Government Communications Headquarters inglesa é referência.
 
Para se ter uma idéia desta defasagem o tratado UKUSA (UK–USA Security Agreement) foi assinado em março de 1946 para monitorar as comunicações no mundo. A NSA (National Security Agency), criada em 1952, tem mais de 50 mil funcionários e uma verba de bilhões de dólares. Está construindo o maior centro de processamento de dados do planeta, o Utah Data Center, capaz de monitorar tudo o que transita neste planeta no espaço cibernético; com investimento de 2 bilhões de dólares e capacidade de processar e armazenar dados em Yottabytes (10 à 24 potência) – uma unidade tão grande que ainda não foi nomeada a que vem depois dela. As denuncias do Snowden são nada perto do que já existe a décadas.
 
Ademais, estes países terceirizaram grande parte do serviço de desenvolvimento de tecnologia na área de software de monitoramento, mantendo, entretanto, limitações estratégicas aos fabricantes. A parte altamente avançada e vital ainda permanece em órgãos como a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) criada em 1958, quando o Brasil nem sabia o que era tecnologia de ponta. Empresas como a Vupen (falhas na segurança), QinetiQ (Cyveillance) e Blue Coat (USA), Autonomy (BB), i2 Limited e Gamma (UK), Amesys (França), VasTech (Africa do Sul), ZTE (Chineses), Glimmerglass e Net Optics fazem o serviço. No Brasil a Tempo Real Group opera em representação.
 
E o Brasil? Para entender melhor basta verificar que o CDCIBER (Centro de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro) foi criado em 02/08/2010 e tem em torno de 40 colaboradores! Juntando todos os órgãos brasileiros com especialistas no assunto não passam de 90 colaboradores. É uma diferença brutal. A END (Estratégia Nacional de Defesa) elegeu 3 setores estratégicos: o espacial, o nuclear e o cibernético. Em todos eles estamos na época da pedra. Armas nucleares é assunto do Séc.XX. A nova fronteira são as armas escalares.
Como um país pode aspirar relevo na arena internacional desta forma. O que estamos esperando? Talvez que todos os dados estratégicos do Brasil saiam, se já não saíram e continuam a sair, pela porta 137 dos fundos; ou que nossos experts visualizem um link escrito “notify.cia.com/notify-NSA Compliance?http/abin.gov.br/aHR”?
 
Falta uma análise séria, justa e imparcial do cenário. Desprovida de sentimentos e altamente técnica. O ex-inspetor geral das Polícias e Bombeiros Militares do Brasil, general de brigada Cesar Leme Justo, atual chefe do CIE (Centro de Inteligência do Exército), pode ter uma enorme surpresa no dia que precisar invocar os laços com estas instituições.
 
São mais de 400 mil homens em todo o Brasil, armados, equipados e treinados, com grupamentos especializados em combate como o BOPE e GEFRON, e que seria um aliado vital em caso de emergência ou litigio; ainda mais considerando que o EB (Exercito Brasileiro) tem pequeno efetivo profissional e munição para apenas uma hora de combate.
 
Coloquei a vários altos oficiais da PM, em situações estanques e locais diferentes, o cenário hipotético do comandante da corporação receber duas ligações, uma do governador e outra de um oficial general do EB, dando ordens opostas. Perguntei: a quem você acredita que o comandante atenderia?
 
Unanimemente ouvi: ao Governador do Estado! Jamais diriam isto a um oficial do EB, mas é o que fariam.

14 de outubro de 2013
Luiz Antonio Peixoto Valle é Administrador de Empresas. Continua no próximo artigo.

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