O Youtube, diretório de vídeos do Google, censura a veiculação de mensagens por seu suposto conteúdo ideológico. A afirmação que faço, tantas vezes refutada pela empresa em situações análogas, está amparada em um fato que acabo de vivenciar.
E, como você verá, é indesmentível.
Tenho uma pequena coleção de videos na minha página do Youtube.
Alguns deles — seis no total — compunham uma série de reportagens que fiz em 1999 na Colômbia. Foi um trabalho muito importante não apenas para a minha carreira de jornalista, mas para o público brasileiro em especial, uma vez que não havia muitas informações disponíveis sobre a organização das FARC. A experiência também forneceu os insumos para o único livro que publiquei, “A Última Trincheira”, lançado pela editora Record dois anos depois.
Na época, as FARC, objeto da série de reportagens, guardavam ainda muito do romantismo que levou o grupo guerrilheiro a se manter coeso nas selvas da Colômbia. A imbricação com o narcotráfico, no entanto, já era evidente.
Havia uma construção moral que justificava essa proximidade deletéria: o grupo insurgente não tinha fontes lícitas de financiamento de suas atividades e precisava angariar recursos para manter 20 mil homens em armas. Com o Muro de Berlin recém-derrubado e Cuba quebrada, os meios para obter dinheiro eram a extorsão, os sequestros em massa e a intermediação da compra da pasta-base de cocaína. A luta contra o Estado burguês justificava a proximidade.
A reportagem que tratava desse aspecto — a relação entre a guerrilha e o narcotráfico — simplesmente foi vetada pelos censores do Google/Youtube.
O link que deveria levar a esse vídeo agora não leva a lugar nenhum, a não ser ao aviso reproduzido na imagem acima que comunica sua supressão por ter supostamente violado os “termos de uso” do portal. Se quiser saber o que aconteceu com o material, clique no link e a seguir e observe o que vai acontecer:
http://www.youtube.com/watch?v=FpUHvzUJiOA .
Não entendo como “termos de uso” de um site podem se sobrepor à Constituição brasileira, aquele livrinho que me assegura o livre direito à expressão do meu pensamento.
Não entendo o que pode ter iluminado as mentes dos censores privados dessa organização a ponto de considerar que uma reportagem exibida em rede nacional de televisão há quase uma década e meia não pode ser assistida por quem busca conteúdos sobre o assunto na internet.
O fato é que essas convenções — os contratos de adesão a serviços como Google e Youtube — constituem hoje uma barreira concreta à livre circulação de ideias na rede. Você, que acredita que a liberdade na rede está assegurada pelas corporações que se assenhoraram dessa enorme teia, ainda vai quebrar a cara. As decisões dos censores do Google são inapeláveis e não há ninguém para justificá-las ou explicá-las. Eles simplesmente tiram do ar e pronto.
A gestão arbitrária da liberdade também está presente no Facebook. E, a julgar pelas reclamações publicadas na própria rede, não é pequena. Há milhares de casos: ativistas políticos de Minas Gerais reclamam do sumiço de posts que criticavam o governador Anastasia. O perfil da paródia Dilma Bolada foi suprimido sem maiores explicações. Mas, a despeito de haver uma infinidade de denúncias, vou me ater apenas a outro caso que aconteceu recentemente comigo mesmo.
Na semana passada, travei um discussão com um grupo de ativistas presos durante a manifestação do dia 30 de junho em São Paulo. Essa discussão foi do Blog do Pannunzio ao eu perfil do Facebook.
Vocês, que me acompanham há algum tempo, sabem que não me furto a entrar em contendas com leitores que agridem a minha reputação profissional. Fui enfático ao responder a um sujeito que me chamou de desonesto, aético e mentiroso. Chamei-o de “burro” por não conseguir sequer ler literalmente algo que eu havia escrito com todo o respeito aos postulados éticos.
Recebi, dois dias depois, um comunicado de que meu post havia sido removido por violar a convenção de uso do Facebook. Não sei onde os censores desse serviço enxergaram qualquer tipo de violação. chamar de “burro” alguém que detona seu patrimônio moral, além de expressar uma verdade em si, pode ser considerado algo até bem comportado diante das acusações proferidas pelo ofensor.
Não cabe ao Google ao Facebook estabelecer limites para a atividade de um jornalista, nem de qualquer cidadão. Quem decide o que deve e o que não deve permanecer no ar é, no limite, o Poder Judiciário.
Ainda que eles sejam um empresa com normas para o fornecimento de seus serviços, o espaço que me franqueiam é o da livre expressão do meu pensamento.
Sou um cidadão capaz e assumo responsabilidade civil e criminal pelo que escrevo.
Sou perfeitamente identificável. Tenho um número de IP, um endereço para receber intimações e estou ao alcance da legislação. Não lhes cabe estabelecer o que eu digo ou o que eu penso, como digo ou como penso.
Para isso ha juízes, promotores e advogados. Se querem me censurar, que corram atrás de uma ordem judicial. As minhas ideias pertencem a mim e, mesmo que veiculadas em seu espaço tecnológico, não lhes dei permissão para mutilar, suprimir ou vilipendiar meus textos e minhas imagens.
Preste atenção a isso. Especialmente se você acredita que a gênese caótica da rede é a guardiã das liberdades civis. Não é. Por trás dos espaços em que a democracia se expressa há megacorporações que têm na comunicação social apenas um meio para veicular seus anúncios. Você posta, leva milhares de pessoas a ler o que escreveu; eles enchem a página de anúncios, faturam horrores e ainda te censuram!
Você trabalha para eles de graça, produz textos em profusão, leva consumidores aos anunciantes que eles arregimentam, aceita essa condição subalterna em nome de uma “democracia” que não existe.
Antes, é apenas um conjunto de etiquetas de conveniência, uma síntese de regras não-escritas que vão acabar por transformá-lo em uma espécie de títere involuntário do espaço ideológico franqueado por CEOs e executivos alienígenas.
Desconfie. Vai fazer bem para você, mesmo que você não seja, como eu, adepto de teorias da conspiração. Aquele não é um espaço público. É um espaço privado. E não te pertence, pertence a eles, ainda que as ideias sejam as suas.
21 de agosto de 2013
blog do pannunzio
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