País precisava aproveitar ‘janela favorável’ vinda da economia mundial
Olhando para as cotações das ações e do CDS brasileiro tem-se a sensação de que a economia vai muito bem. O otimismo se reforça quando lembramos que a recessão terminou, e que graças à competente ação do Banco Central a inflação despencou, com as expectativas se mantendo ancoradas vários anos à frente, permitindo que as taxas de juros se mantenham baixas por todo o ano de 2018.
Porém, quando se olha para o lado fiscal, a situação está longe de ser tranquila. A dívida pública bruta saltou de pouco mais de 50% do PIB no início de 2014 para perto de 75% do PIB atualmente, e continua a crescer. Um exercício de dinâmica de dívida com hipóteses conservadoras sobre a taxa real de juros e o crescimento do PIB indica que para estabilizar a relação dívida/PIB são necessários superávits primários de, no mínimo, 2% do PIB. No entanto, atualmente há déficits não recorrentes próximos de 2,5% do PIB, o que significa que é necessário um esforço em torno de 4,5% do PIB. Não é uma tarefa fácil nem algo que possa ser realizado em um curto período.
Parte importante da consolidação fiscal é a aprovação de uma reforma da Previdência. Se for aprovada a versão elaborada por Marcelo Caetano, que leva a uma economia bem maior do que a da proposta que o governo vem negociando com o Congresso, os déficits da Previdência se estabilizariam em proporção ao PIB, crescendo em termos reais, e a menos de uma contínua elevação da carga tributária, a totalidade das demais despesas primárias teria de cair continuamente em termos reais. Em resumo, a consolidação fiscal requer bem mais do que a aprovação de uma reforma da Previdência: são necessárias reformas que reduzam as demais despesas e levem a ganhos de arrecadação, cuja intensidade requer um grande apoio político.
Por que, diante desse quadro fiscal, há um grande otimismo nos investimentos em ativos brasileiros? Uma primeira hipótese é que o novo governo conseguirá implementar a tarefa necessária, mas para que essa aposta fizesse algum sentido precisaríamos, no mínimo, saber: de que governo estamos falando? Quem ganhará as eleições? A segunda hipótese é que há alguma força exógena no Brasil levando a esse comportamento dos preços dos ativos. Os dados nos mostram que as cotações dos CDS da grande maioria dos países emergentes estão em queda; que há uma valorização dos preços das ações de suas empresas; e que as suas taxas cambiais estão ou estáveis ou em trajetória de valorização.
De onde vem essa força? O último World Economic Oulook nos revela acelerações importantes nos crescimentos de EUA, Europa e Japão. Para chegar a esse resultado, esses países usaram os estímulos monetários em doses jamais vistas. Apesar de as taxas dos fed funds, nos EUA, já estarem se elevando, tanto lá quanto na Europa e no Japão, as taxas de juros estão em níveis historicamente muito baixos e, ao lado disso, indicadores de risco (como o VIX e os spreads dos high-yield-bonds vêm se mantendo em patamares baixos. A combinação de juros baixos no mundo desenvolvido com baixa aversão ao risco eleva a demanda por ativos de países emergentes, produzindo uma queda generalizada das cotações de seus CDS; e a valorização de suas moedas e das ações de suas empresas.
Os preços dos ativos no Brasil não têm um comportamento favorável porque a situação fiscal do País está sob controle, criando as condições para o aumento da confiança mantendo baixas as taxas de juros e assegurando a continuidade do crescimento. Seu comportamento se deve predominantemente a uma situação internacional extremamente favorável.
Não tenho nenhum motivo para prever que esse quadro da economia internacional deva terminar abruptamente em um futuro próximo. Mas tenho obrigação de lembrar que os ciclos econômicos continuam existindo, e que a atual situação da economia mundial não pode ser tomada como “um novo paradigma” que se manterá para sempre. Caberia ao Brasil aproveitar-se dessa “janela favorável” vinda da economia mundial para progredir na agenda de reformas, mas o tempo está passando e não trabalha a nosso favor.
05 de fevereiro de 2018
Affonso Celso Pastore, Estadão
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
Olhando para as cotações das ações e do CDS brasileiro tem-se a sensação de que a economia vai muito bem. O otimismo se reforça quando lembramos que a recessão terminou, e que graças à competente ação do Banco Central a inflação despencou, com as expectativas se mantendo ancoradas vários anos à frente, permitindo que as taxas de juros se mantenham baixas por todo o ano de 2018.
Porém, quando se olha para o lado fiscal, a situação está longe de ser tranquila. A dívida pública bruta saltou de pouco mais de 50% do PIB no início de 2014 para perto de 75% do PIB atualmente, e continua a crescer. Um exercício de dinâmica de dívida com hipóteses conservadoras sobre a taxa real de juros e o crescimento do PIB indica que para estabilizar a relação dívida/PIB são necessários superávits primários de, no mínimo, 2% do PIB. No entanto, atualmente há déficits não recorrentes próximos de 2,5% do PIB, o que significa que é necessário um esforço em torno de 4,5% do PIB. Não é uma tarefa fácil nem algo que possa ser realizado em um curto período.
Parte importante da consolidação fiscal é a aprovação de uma reforma da Previdência. Se for aprovada a versão elaborada por Marcelo Caetano, que leva a uma economia bem maior do que a da proposta que o governo vem negociando com o Congresso, os déficits da Previdência se estabilizariam em proporção ao PIB, crescendo em termos reais, e a menos de uma contínua elevação da carga tributária, a totalidade das demais despesas primárias teria de cair continuamente em termos reais. Em resumo, a consolidação fiscal requer bem mais do que a aprovação de uma reforma da Previdência: são necessárias reformas que reduzam as demais despesas e levem a ganhos de arrecadação, cuja intensidade requer um grande apoio político.
Por que, diante desse quadro fiscal, há um grande otimismo nos investimentos em ativos brasileiros? Uma primeira hipótese é que o novo governo conseguirá implementar a tarefa necessária, mas para que essa aposta fizesse algum sentido precisaríamos, no mínimo, saber: de que governo estamos falando? Quem ganhará as eleições? A segunda hipótese é que há alguma força exógena no Brasil levando a esse comportamento dos preços dos ativos. Os dados nos mostram que as cotações dos CDS da grande maioria dos países emergentes estão em queda; que há uma valorização dos preços das ações de suas empresas; e que as suas taxas cambiais estão ou estáveis ou em trajetória de valorização.
De onde vem essa força? O último World Economic Oulook nos revela acelerações importantes nos crescimentos de EUA, Europa e Japão. Para chegar a esse resultado, esses países usaram os estímulos monetários em doses jamais vistas. Apesar de as taxas dos fed funds, nos EUA, já estarem se elevando, tanto lá quanto na Europa e no Japão, as taxas de juros estão em níveis historicamente muito baixos e, ao lado disso, indicadores de risco (como o VIX e os spreads dos high-yield-bonds vêm se mantendo em patamares baixos. A combinação de juros baixos no mundo desenvolvido com baixa aversão ao risco eleva a demanda por ativos de países emergentes, produzindo uma queda generalizada das cotações de seus CDS; e a valorização de suas moedas e das ações de suas empresas.
Os preços dos ativos no Brasil não têm um comportamento favorável porque a situação fiscal do País está sob controle, criando as condições para o aumento da confiança mantendo baixas as taxas de juros e assegurando a continuidade do crescimento. Seu comportamento se deve predominantemente a uma situação internacional extremamente favorável.
Não tenho nenhum motivo para prever que esse quadro da economia internacional deva terminar abruptamente em um futuro próximo. Mas tenho obrigação de lembrar que os ciclos econômicos continuam existindo, e que a atual situação da economia mundial não pode ser tomada como “um novo paradigma” que se manterá para sempre. Caberia ao Brasil aproveitar-se dessa “janela favorável” vinda da economia mundial para progredir na agenda de reformas, mas o tempo está passando e não trabalha a nosso favor.
05 de fevereiro de 2018
Affonso Celso Pastore, Estadão
*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
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