Mudanças que reduzam o custo de concessão de crédito levam a queda dos spreads
Tramita no Congresso o projeto de lei do Senado de número 212, de 2017, que avança no cadastro positivo.
O cadastro positivo é um serviço prestado por empresas especializadas que avaliam o risco de crédito de pessoas e empresas de acordo com seu histórico de crédito.
Já há no Brasil cadastros negativos, isto é, cadastros que informam às instituições financeiras se a pessoa está inadimplente em algum crédito ou outros compromissos financeiros (água, luz, escola etc.).
No entanto não há um cadastro abrangente que mantenha um resultado de um histórico mais longo de crédito. Por exemplo, um financiamento de veículos já quitado ou uma conta de luz paga.
O maior efeito da inexistência de um bom cadastro positivo é que os grandes bancos têm, particularmente no crédito à pessoa física, forte poder de mercado. Como a informação do histórico de crédito não é pública, o banco que não atende uma pessoa tem dificuldade de avaliar o risco da concessão de crédito a ela. Dada essa dificuldade dos bancos que não atendem essa pessoa, o poder de barganha do banco que a atende é muito maior.
A falta de competição, estimulada pelo alto custo de informação dos bancos concorrentes para avaliar o risco de crédito das pessoas, é um fator de elevação do spread bancário.
O cadastro positivo, ao reduzir muito o custo informacional dos concorrentes, contribui para a elevação da competição bancária. Esse fato será agora mais verdadeiro, quando inúmeras empresas fintechs entram no mercado de concessão de crédito.
Estudo da OCDE de 2010 sugere que a existência de cadastros de crédito abrangentes pode elevar a concessão de crédito em quase 50%.
De fato, já temos um cadastro positivo, mas que não decolou. Na forma atual, a entrada no cadastro ocorre após a autorização prévia do cliente. O prof. Thaler, da Universidade de Chicago, vencedor do Nobel de Economia de 2017, mostrou que comportamentos como a inércia fazem toda a diferença para a economia.
Para fazer parte do cadastro, o cliente precisa dar expressa autorização prévia. A inércia e o custo de solicitar a inclusão de seu nome no Cadastro fazem o consumidor não agir. Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões no cadastro.
A reforma inverte a lógica. Todos estão no cadastro positivo, a não ser que expressem sua vontade de não fazer parte.
A negativação não requer consentimento prévio. O cadastro positivo é a oportunidade de os consumidores hoje negativados reconstruírem seus históricos de bom pagador. Hoje há apenas o registro de que o indivíduo não pagou uma prestação de crediário. Com a nova lei, ficará registrado que ele não pagou essa prestação, mas que paga em dia a água, a luz, as mensalidades escolares e várias outras prestações. Tudo isso estará refletido em uma nota de crédito.
A reforma traz salvaguardas para proteger a privacidade do consumidor. Apenas o escore de crédito, uma nota atribuída por agências de crédito, estará disponível sem o consentimento prévio. A informação detalhada de adimplência de cada compromisso financeiro importa para o cálculo do escore de crédito, mas não por si mesma.
Trata-se de uma importante reforma microeconômica. A experiência recente por exemplo, com crédito em consignação indica que mudanças institucionais que reduzam o custo de concessão de crédito redundam em queda dos spreads bancários.
Oxalá o projeto seja aprovado.
05 de fevereiro de 2018
Samuel Pessôa, Folha de SP
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.
Tramita no Congresso o projeto de lei do Senado de número 212, de 2017, que avança no cadastro positivo.
O cadastro positivo é um serviço prestado por empresas especializadas que avaliam o risco de crédito de pessoas e empresas de acordo com seu histórico de crédito.
Já há no Brasil cadastros negativos, isto é, cadastros que informam às instituições financeiras se a pessoa está inadimplente em algum crédito ou outros compromissos financeiros (água, luz, escola etc.).
No entanto não há um cadastro abrangente que mantenha um resultado de um histórico mais longo de crédito. Por exemplo, um financiamento de veículos já quitado ou uma conta de luz paga.
O maior efeito da inexistência de um bom cadastro positivo é que os grandes bancos têm, particularmente no crédito à pessoa física, forte poder de mercado. Como a informação do histórico de crédito não é pública, o banco que não atende uma pessoa tem dificuldade de avaliar o risco da concessão de crédito a ela. Dada essa dificuldade dos bancos que não atendem essa pessoa, o poder de barganha do banco que a atende é muito maior.
A falta de competição, estimulada pelo alto custo de informação dos bancos concorrentes para avaliar o risco de crédito das pessoas, é um fator de elevação do spread bancário.
O cadastro positivo, ao reduzir muito o custo informacional dos concorrentes, contribui para a elevação da competição bancária. Esse fato será agora mais verdadeiro, quando inúmeras empresas fintechs entram no mercado de concessão de crédito.
Estudo da OCDE de 2010 sugere que a existência de cadastros de crédito abrangentes pode elevar a concessão de crédito em quase 50%.
De fato, já temos um cadastro positivo, mas que não decolou. Na forma atual, a entrada no cadastro ocorre após a autorização prévia do cliente. O prof. Thaler, da Universidade de Chicago, vencedor do Nobel de Economia de 2017, mostrou que comportamentos como a inércia fazem toda a diferença para a economia.
Para fazer parte do cadastro, o cliente precisa dar expressa autorização prévia. A inércia e o custo de solicitar a inclusão de seu nome no Cadastro fazem o consumidor não agir. Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões no cadastro.
A reforma inverte a lógica. Todos estão no cadastro positivo, a não ser que expressem sua vontade de não fazer parte.
A negativação não requer consentimento prévio. O cadastro positivo é a oportunidade de os consumidores hoje negativados reconstruírem seus históricos de bom pagador. Hoje há apenas o registro de que o indivíduo não pagou uma prestação de crediário. Com a nova lei, ficará registrado que ele não pagou essa prestação, mas que paga em dia a água, a luz, as mensalidades escolares e várias outras prestações. Tudo isso estará refletido em uma nota de crédito.
A reforma traz salvaguardas para proteger a privacidade do consumidor. Apenas o escore de crédito, uma nota atribuída por agências de crédito, estará disponível sem o consentimento prévio. A informação detalhada de adimplência de cada compromisso financeiro importa para o cálculo do escore de crédito, mas não por si mesma.
Trata-se de uma importante reforma microeconômica. A experiência recente por exemplo, com crédito em consignação indica que mudanças institucionais que reduzam o custo de concessão de crédito redundam em queda dos spreads bancários.
Oxalá o projeto seja aprovado.
05 de fevereiro de 2018
Samuel Pessôa, Folha de SP
É físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.
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