Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos
Recentemente o presidente Michel Temer fez menção a um aspecto da Constituição de 1988 pouco lembrado e, principalmente, pouco aplicado pelo Poder Judiciário. “A Constituição diz que temas como saúde e educação são dever do Estado e de todos”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Michel Temer ainda lembrou que o legislador constituinte, com a expressão “todos”, fez referência à iniciativa privada.
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos. Torna-se notório que o Estado é absolutamente incapaz de sustentar sozinho todas as frentes de desenvolvimento econômico e social do País. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, há quem veja no reconhecimento das limitações do Estado uma espécie de concessão espúria, já que – segundo esse entendimento – haveria uma indevida restrição de direitos por força de vicissitudes econômicas.
Ainda que seja um tanto incongruente e ingênuo contrapor direito e realidade, tal modo de ver as coisas está bem difundido. Sua presença é tão marcante que não é exagero dizer que a maior parte da jurisprudência relativa à Constituição de 1988 foi construída sobre estas bases um tanto irreais. Não por outro motivo, o Judiciário tem uma especial responsabilidade quanto ao desequilíbrio fiscal estrutural que se verifica atualmente no Estado brasileiro.
Nesse sentido, é muito oportuna a menção feita pelo presidente Michel Temer à responsabilidade da sociedade – da iniciativa privada – no desenvolvimento econômico e social. Ainda que sejam graves e evidentes os erros da Constituição de 1988, que concedeu fartamente direitos sem a necessária contrapartida dos deveres, a situação atual não é responsabilidade apenas do texto constitucional. A interpretação feita pelo Poder Judiciário ignorou aspectos importantes da ordem jurídica fixada na Carta Magna. Tivessem sido levados em consideração, o momento presente seria bem melhor. Ou seja, o texto da Constituição é culpado, mas não é o único culpado. Frequentemente ele é lido e aplicado de forma equivocada.
Um exemplo de que a Constituição de 1988, mesmo com todos os seus enormes defeitos, não é irrealista em relação ao papel do Estado no desenvolvimento social do País é o seu art. 205, que abre o capítulo sobre a educação, a cultura e o desporto. O texto assegura que a educação é “direito de todos” e “dever do Estado e da família”. Consciente das limitações da atuação do Estado na área da educação – limitações que não decorrem apenas da economia do País, mas da própria essência do que é educação –, o legislador constituinte estabeleceu que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A Constituição reconhece que o Estado não é capaz de fazer tudo e que a participação da sociedade na empreitada da educação é essencial. A leitura do art. 205 joga muitas luzes sobre as limitações do debate acerca da educação brasileira nas últimas décadas.
Muitas vezes, a impressão era de que o volume de recursos públicos destinados à área era a questão fundamental para a melhoria do ensino.
Por exemplo, desde 1988, quais foram os incentivos para que a sociedade, também a iniciativa privada, aumentasse a sua participação e o seu protagonismo no ensino fundamental e médio? Quais foram as medidas de apoio por parte do Estado às iniciativas da população em prol da educação? Muita coisa foi realizada, mas quase sempre à revelia do Estado. Não se cumpriu integralmente a Constituição.
É preciso voltar a ler a Constituição. Ela não manda conceder direitos como se o Estado não tivesse limites, como alguns querem fazer crer. O texto constitucional está muito longe de um fundamentalismo cego às circunstâncias do presente. O ajuste fiscal – trazer o Estado para mais próximo da realidade – é, na verdade, fiel aplicação da Constituição, em sua concepção fundamental de Estado e de sociedade.
05 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
Recentemente o presidente Michel Temer fez menção a um aspecto da Constituição de 1988 pouco lembrado e, principalmente, pouco aplicado pelo Poder Judiciário. “A Constituição diz que temas como saúde e educação são dever do Estado e de todos”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Michel Temer ainda lembrou que o legislador constituinte, com a expressão “todos”, fez referência à iniciativa privada.
Tempos de ajuste fiscal deixam em evidência a escassez dos recursos públicos. Torna-se notório que o Estado é absolutamente incapaz de sustentar sozinho todas as frentes de desenvolvimento econômico e social do País. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, há quem veja no reconhecimento das limitações do Estado uma espécie de concessão espúria, já que – segundo esse entendimento – haveria uma indevida restrição de direitos por força de vicissitudes econômicas.
Ainda que seja um tanto incongruente e ingênuo contrapor direito e realidade, tal modo de ver as coisas está bem difundido. Sua presença é tão marcante que não é exagero dizer que a maior parte da jurisprudência relativa à Constituição de 1988 foi construída sobre estas bases um tanto irreais. Não por outro motivo, o Judiciário tem uma especial responsabilidade quanto ao desequilíbrio fiscal estrutural que se verifica atualmente no Estado brasileiro.
Nesse sentido, é muito oportuna a menção feita pelo presidente Michel Temer à responsabilidade da sociedade – da iniciativa privada – no desenvolvimento econômico e social. Ainda que sejam graves e evidentes os erros da Constituição de 1988, que concedeu fartamente direitos sem a necessária contrapartida dos deveres, a situação atual não é responsabilidade apenas do texto constitucional. A interpretação feita pelo Poder Judiciário ignorou aspectos importantes da ordem jurídica fixada na Carta Magna. Tivessem sido levados em consideração, o momento presente seria bem melhor. Ou seja, o texto da Constituição é culpado, mas não é o único culpado. Frequentemente ele é lido e aplicado de forma equivocada.
Um exemplo de que a Constituição de 1988, mesmo com todos os seus enormes defeitos, não é irrealista em relação ao papel do Estado no desenvolvimento social do País é o seu art. 205, que abre o capítulo sobre a educação, a cultura e o desporto. O texto assegura que a educação é “direito de todos” e “dever do Estado e da família”. Consciente das limitações da atuação do Estado na área da educação – limitações que não decorrem apenas da economia do País, mas da própria essência do que é educação –, o legislador constituinte estabeleceu que a educação “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A Constituição reconhece que o Estado não é capaz de fazer tudo e que a participação da sociedade na empreitada da educação é essencial. A leitura do art. 205 joga muitas luzes sobre as limitações do debate acerca da educação brasileira nas últimas décadas.
Muitas vezes, a impressão era de que o volume de recursos públicos destinados à área era a questão fundamental para a melhoria do ensino.
Por exemplo, desde 1988, quais foram os incentivos para que a sociedade, também a iniciativa privada, aumentasse a sua participação e o seu protagonismo no ensino fundamental e médio? Quais foram as medidas de apoio por parte do Estado às iniciativas da população em prol da educação? Muita coisa foi realizada, mas quase sempre à revelia do Estado. Não se cumpriu integralmente a Constituição.
É preciso voltar a ler a Constituição. Ela não manda conceder direitos como se o Estado não tivesse limites, como alguns querem fazer crer. O texto constitucional está muito longe de um fundamentalismo cego às circunstâncias do presente. O ajuste fiscal – trazer o Estado para mais próximo da realidade – é, na verdade, fiel aplicação da Constituição, em sua concepção fundamental de Estado e de sociedade.
05 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
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