Só um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido das empreiteiras
Denunciado novamente na Lava-Jato, Lula soltou uma nota, por intermédio de seu Instituto, criticando os procuradores da operação. Um trecho dela diz o seguinte: “Os procuradores da Lava-Jato não se conformam com o fato de Lula ter sido presidente da República.”
Esse argumento encerra toda a polêmica: os playboys da Lava-Jato não suportam a ideia de viver num país onde o poder já esteve nas mãos de um pobre. Felizmente, o ex-presidente tem amigos ricos, um partido rico e um instituto rico para bancar os advogados milionários que redigiram esse argumento matador. A nota complementa:
“Para a Lava-Jato, esse é o crime de Lula: ter sido presidente duas vezes. Temem que em 2018 Lula reincida nessa ousadia.”
Fim de papo. Está na cara que é essa a motivação do pessoal de Curitiba: se vingar de um nordestino petulante e cortar as asinhas dele. Mas este não é um país só de playboys fascistas e rancorosos. Ainda há espaço para a bondade e a fraternidade, como mostra a planilha “Amigo” da empreiteira progressista, socialista e gente boa Norberto Odebrecht.
Amigo era o codinome de Lula, a quem Marcelo Odebrecht contou ter dado dinheiro vivo — alguns milhões de reais, como acontece em toda amizade verdadeira. Eis o flagrante contra os procuradores elitistas da Lava-Jato: eles não aguentam ver um pobre com dinheiro na mão.
Enfim, um brasileiro humilde que teve a chance de transformar sua roça num belo laranjal — onde pôde plantar seus amigos, como dizia a canção, e também seus filhos, e os amigos dos filhos. Em lugar dos discos e livros, que não eram muito a dele, plantou Bumlai, Suassuna, Bittar, Teixeira e outros cítricos. A colheita foi uma beleza.
Empreiteiras e grandes empresas em geral costumam irrigar candidaturas de todos os matizes — como apareceu na delação da Odebrecht — no varejão eleitoral. Mas uma sólida amizade só se estabelece com retribuição farta — e foi aí que o homem pobre, com sua proverbial generosidade, resolveu retribuir com a Petrobras. Nunca antes neste país se hipotecou tamanha solidariedade ao caixa das empreiteiras amigas. Só mesmo um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido do cartel.
Não dá mesmo para engolir um presidente que põe o bilionário BNDES, antes elitista e tecnocrático, para avalizar esses laços de amizade profunda — do Itaquerão a Cuba, de Belo Monte à Namíbia. Ver um sorriso iluminando o rosto cansado de um presidente da OAS não tem preço. O que ele entrega de volta tem preço — mas isso é com o Maradona. Aqui só vamos falar de sentimento.
Ai, como se sabe, o pior aconteceu. A direita nazista que tomou conta do Brasil, mancomunada com os androides da Lava-Jato, deu um golpe de estado contra a presidenta mulher — só porque ela manteve os laços de amizade criados por seu mentor, dando uma retocada de batom e ruge nas contas públicas que estavam com cara de anteontem. Quem nunca escondeu umas cartinhas do baralho para surgir com um royal straight flash? Não tem nada de mais. Parem de perseguir quem rouba honestamente. O Brasil caiu em recessão porque quis.
Para defender o legado precioso do homem pobre e da mulher valente, militantes aguerridos foram às ruas lutar contra a PEC do Fim do Mundo. De fato, essa ideia de botar as contas públicas em ordem sem usar batom e ruge é o fim do mundo. Mas os protestos são pacíficos. O pessoal só joga pedra e coquetel molotov para dissuadir os que pensam em usar a violência. Eles desistem na hora.
Esse governo branco, careta e de direita botou para tomar conta da Petrobras, do BNDES, do Tesouro, do Banco Central, enfim, das joias da Coroa, gente que não tem o menor espírito de amizade. Grandes brasileiros como Cerveró, Duque e Youssef estão tendo sua memória desrespeitada por práticas hediondas, que negam aos companheiros a oportunidade de agregar um qualquer. Essa elite branca é egoísta mesmo.
Agora vêm com esse papo de reforma previdenciária. Não acredite no que eles falam. Confie nesses discursos que você recebe por WhatsApp dizendo que o rombo da Previdência não existe. De fato, todos os países do mundo estão passando por problemas fiscais causados pelo sistema de aposentadoria, por conta do crescimento demográfico das últimas décadas e do envelhecimento populacional. Menos o Brasil.
Como se vê, não faltam boas causas para os atos cívicos dessa gente indignada e espontânea, sempre pronta a barbarizar em defesa da paz e da amizade. Chega de baixo astral. Cada dia que o maior amigo da nação amanhece à solta é um milagre. A militância há de sair às ruas para celebrar tal graça, neste que ficará conhecido como o Natal da Mortadela. Fora Tender!
24 de dezembro de 2016
Guilherme Fiuza é jornalista, O Globo
Denunciado novamente na Lava-Jato, Lula soltou uma nota, por intermédio de seu Instituto, criticando os procuradores da operação. Um trecho dela diz o seguinte: “Os procuradores da Lava-Jato não se conformam com o fato de Lula ter sido presidente da República.”
Esse argumento encerra toda a polêmica: os playboys da Lava-Jato não suportam a ideia de viver num país onde o poder já esteve nas mãos de um pobre. Felizmente, o ex-presidente tem amigos ricos, um partido rico e um instituto rico para bancar os advogados milionários que redigiram esse argumento matador. A nota complementa:
“Para a Lava-Jato, esse é o crime de Lula: ter sido presidente duas vezes. Temem que em 2018 Lula reincida nessa ousadia.”
Fim de papo. Está na cara que é essa a motivação do pessoal de Curitiba: se vingar de um nordestino petulante e cortar as asinhas dele. Mas este não é um país só de playboys fascistas e rancorosos. Ainda há espaço para a bondade e a fraternidade, como mostra a planilha “Amigo” da empreiteira progressista, socialista e gente boa Norberto Odebrecht.
Amigo era o codinome de Lula, a quem Marcelo Odebrecht contou ter dado dinheiro vivo — alguns milhões de reais, como acontece em toda amizade verdadeira. Eis o flagrante contra os procuradores elitistas da Lava-Jato: eles não aguentam ver um pobre com dinheiro na mão.
Enfim, um brasileiro humilde que teve a chance de transformar sua roça num belo laranjal — onde pôde plantar seus amigos, como dizia a canção, e também seus filhos, e os amigos dos filhos. Em lugar dos discos e livros, que não eram muito a dele, plantou Bumlai, Suassuna, Bittar, Teixeira e outros cítricos. A colheita foi uma beleza.
Empreiteiras e grandes empresas em geral costumam irrigar candidaturas de todos os matizes — como apareceu na delação da Odebrecht — no varejão eleitoral. Mas uma sólida amizade só se estabelece com retribuição farta — e foi aí que o homem pobre, com sua proverbial generosidade, resolveu retribuir com a Petrobras. Nunca antes neste país se hipotecou tamanha solidariedade ao caixa das empreiteiras amigas. Só mesmo um governo popular teria a sensibilidade de conectar os cofres públicos diretamente ao coração sofrido do cartel.
Não dá mesmo para engolir um presidente que põe o bilionário BNDES, antes elitista e tecnocrático, para avalizar esses laços de amizade profunda — do Itaquerão a Cuba, de Belo Monte à Namíbia. Ver um sorriso iluminando o rosto cansado de um presidente da OAS não tem preço. O que ele entrega de volta tem preço — mas isso é com o Maradona. Aqui só vamos falar de sentimento.
Ai, como se sabe, o pior aconteceu. A direita nazista que tomou conta do Brasil, mancomunada com os androides da Lava-Jato, deu um golpe de estado contra a presidenta mulher — só porque ela manteve os laços de amizade criados por seu mentor, dando uma retocada de batom e ruge nas contas públicas que estavam com cara de anteontem. Quem nunca escondeu umas cartinhas do baralho para surgir com um royal straight flash? Não tem nada de mais. Parem de perseguir quem rouba honestamente. O Brasil caiu em recessão porque quis.
Para defender o legado precioso do homem pobre e da mulher valente, militantes aguerridos foram às ruas lutar contra a PEC do Fim do Mundo. De fato, essa ideia de botar as contas públicas em ordem sem usar batom e ruge é o fim do mundo. Mas os protestos são pacíficos. O pessoal só joga pedra e coquetel molotov para dissuadir os que pensam em usar a violência. Eles desistem na hora.
Esse governo branco, careta e de direita botou para tomar conta da Petrobras, do BNDES, do Tesouro, do Banco Central, enfim, das joias da Coroa, gente que não tem o menor espírito de amizade. Grandes brasileiros como Cerveró, Duque e Youssef estão tendo sua memória desrespeitada por práticas hediondas, que negam aos companheiros a oportunidade de agregar um qualquer. Essa elite branca é egoísta mesmo.
Agora vêm com esse papo de reforma previdenciária. Não acredite no que eles falam. Confie nesses discursos que você recebe por WhatsApp dizendo que o rombo da Previdência não existe. De fato, todos os países do mundo estão passando por problemas fiscais causados pelo sistema de aposentadoria, por conta do crescimento demográfico das últimas décadas e do envelhecimento populacional. Menos o Brasil.
Como se vê, não faltam boas causas para os atos cívicos dessa gente indignada e espontânea, sempre pronta a barbarizar em defesa da paz e da amizade. Chega de baixo astral. Cada dia que o maior amigo da nação amanhece à solta é um milagre. A militância há de sair às ruas para celebrar tal graça, neste que ficará conhecido como o Natal da Mortadela. Fora Tender!
24 de dezembro de 2016
Guilherme Fiuza é jornalista, O Globo
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