"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 24 de dezembro de 2016

FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO

A criatividade dos mecanismos para atender às corporações em prejuízo das contas públicas parece não ter fim.

Nas últimas décadas, grupos de interesse procuraram vincular recursos arrecadados da sociedade para viabilizar alguma atividade. Recursos vinculados deixam de estar subordinados à deliberação orçamentária anual.

O projeto de lei complementar 36, proposto recentemente pelo governo do Rio de Janeiro, propõe desvincular parte dos recursos dos fundos para pagar despesas com pessoal do Estado. O projeto discrimina 13 fundos, criados nas últimas décadas, como o Funperj, para o custeio e investimento da Procuradoria Geral, o Fundperj, para a Defensoria Pública, o Fesp Alerj, para a Assembleia Legislativa, o FEM/TCE, para o Tribunal de Contas, entre outros.

Essas vinculações exemplificam a causa do aparente paradoxo de Estados com superavit apesar da dificuldade em pagar as despesas correntes.

Muitos fundos proíbem que os recursos sejam gastos com pessoal. Esse é o caso do Fundo para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (FETJ).

No começo do ano, o governador havia proposto que o FETJ emprestasse seus recursos para o governo, para auxiliar o pagamento dos servidores do Estado.

O tribunal recusou com razão. Além de contrária à lei, a proposta exemplifica a prática de pagar despesas correntes com novos empréstimos ou antecipando receita, o que apenas agrava a crise, pois os gastos correntes não são reduzidos enquanto aumenta o deficit futuro.

Resolver a crise fiscal requer enfrentar o difícil problema dos compromissos insustentáveis assumidos com folha de pagamento, benefícios fiscais para empresas e despesas vinculadas.

O governo do Rio de Janeiro tem atrasado, sistematicamente, o pagamento dos servidores. No caso do Judiciário estadual, entretanto, liminares garantiram que seus salários fossem pagos em dia, ao contrário dos demais servidores.

Recentemente, o STF declarou inválida essa discriminação. Na última semana, porém, um ministro do STF autorizou um acordo para que os recursos do FETJ fossem utilizados para pagar os salários dos servidores do TJ-RJ, seus magistrados e pensionistas.

O Estado deverá restituir os recursos ao FETJ em 12 parcelas mensais. Trata-se, portanto, de um novo empréstimo para um governo em crise fiscal, aumentando as despesas para 2017.

A lei vale para todos. Menos para o próprio tribunal.

Não seria mais justo que fosse proposta uma nova lei que extinguisse os fundos e incorporasse as suas receitas aos demais recursos de um Estado em crise fiscal, sem privilegiar alguns servidores em detrimento dos demais?


24 de dezembro de 2016
Marcos Lisboa, Folha de SP

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