Severidade com Odebrecht e Braskem induz mudanças profundas e salutares nas relações das empresas privadas com governos e agentes públicos.
Ministério Público e Judiciário brasileiros encontraram a rota para uma relevante mudança de padrão de qualidade e eficiência
Tem importância histórica o inédito acordo de leniência fechado simultaneamente por Ministério Público do Brasil, Estados Unidos e Suíça com Odebrecht e Braskem, líderes em construção e petroquímica na América Latina.
As empresas se renderam diante das evidências colhidas em ano e meio de investigações nos três países. Aceitaram a imposição de punições duríssimas — o recorde mundial de multa (R$ 6,9 bilhões) é mera expressão monetária da dimensão das sanções.
Reconheceram em juízo, e com detalhes, a rotina de corrupção que sustentou boa parte de seus negócios e lucros por mais de uma década por Brasil, Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. E admitiram o uso do sistema financeiro no Brasil, nos EUA e na Suíça para lavar o dinheiro usado no pagamento de propinas.
Serão amplas, profundas e diversificadas as consequências desse acordo.
Na política doméstica brasileira, efeitos já eram esperados com inevitáveis turbulências no Congresso, no Executivo federal e noestadual e nas organizações partidárias, a partir da divulgação dos detalhes das investigações e dos depoimentos dos executivos protagonistas.
Além-fronteira, é possível antever sequelas como a abertura de processos criminais nos EUA e na União Europeia contra indivíduos — empresários, funcionários públicos e agentes políticos —, nacionais do Brasil, dios EUA, da Suíça e de outros 11 países, com participação comprovada nessa rede internacional de corrupção.
O acordo de leniência especifica que, existindo acusação, não será admitida “qualquer proteção a qualquer indivíduo”, vinculado ou não à Odebrecht e à Braskem. Até porque, pelos termos divulgados, os principais gestores não se mostraram capazes de “disciplinar os próprios empregados”. Eles protagonizavam a má conduta, e a mudança de curso nas empresas somente se tornou possível “após a renúncia da alta administração”.
Indica, nos fundamentos, que o Ministério Público e o Judiciário brasileiros encontraram a rota para uma relevante mudança nos seus padrões de qualidade e eficiência, coerente com a exigência característica da democracia moderna de transparência na eficaz defesa do interesse público.
Desde o início da Operação Lava-Jato, em março de 2014, debatem-se aspectos — inclusive formais — dos procedimentos do Ministério Público e do Judiciário. Não são poucas as queixas dos políticos investigados, por exemplo.
Na essência, porém, houve avanço: em apenas 33 meses foi desvendado e levado à Justiça um caso de corrupção de agentes públicos extremamente complexo, com farta produção de provas sobre os fatos da última década, e com um padrão operacional de qualidade suficiente para provocar o interesse, a adesão e a iniciativa do aparelho policial e judiciário dos EUA e da Suíça — inclusive com transferência de jurisdição penal, no caso suíço, para o Brasil.
É notável, também, a cooperação fluida entre órgãos de controle e fiscalização dos três países, que incluiu a montagem de força-tarefa específica (Brasil-Suíça).
Houve agilidade coordenada nas ações desenvolvidas nos três países, somando cuidados na interação. Os termos desse acordo multinacional são definitivamente severos, como prescrevem as leis americanas e europeias contra crimes de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro no comércio internacional, em harmonia com a legislação brasileira — mais recente.
O capítulo sobre a forma de execução e punições foi costurado a não deixar alternativa aos infratores: submetem-se de forma integral às penalidades das leis dos três países — o que inclui confissão e colaboração enquanto durar a investigação — sob pena de rescisão do compromisso de leniência nos três países. No limite, fica em jogo a sobrevivência das próprias empresas.
Há mais. Entre as consequências para o Brasil está a drástica mudança comportamental que será disseminada no ambiente corporativo, com reflexos diretos a médio prazo no cotidiano das relações com o Estado, nos formatos de compras governamentais, nas auditorias contábeis e nos controles financeiros, na prestação de informações das empresas ao público, na pedagogia da ética negocial para acionistas, empregados, colaboradores e fornecedores.
Corrupção e lavagem de dinheiro em comércio internacional são delitos que precisam de prevenção cotidiana no universo empresarial em qualquer país. No Brasil, a partir deste marco, as empresas enfrentam riscos de punições duras, como no caso Odebrecht e Braskem, que estarão submetidas a uma espécie de intervenção judicial, multinacional, nos seus negócios.
O acordo estabelece, entre outras coisas, que diretores e gerentes seniores devem deixar “explícita e visível” sua política corporativa contra violações de leis anticorrupção e escrever um código de conformidade.
Tais normas internas serão aplicáveis e, se necessário, adequadas a terceiros que agem em nome das empresas em jurisdição estrangeira, incluindo (mas não limitado a) agentes e corretores, consultores, representantes, revendedores, parceiros de trabalho em equipe, empreiteiros e fornecedores, consórcios e parceiros de “joint venture”. Essas políticas e procedimentos abrangem oferta de brindes, convites e recepções, entretenimento, contribuições políticas, doações e patrocínios de caridade, e, claro, extorsão e subornos.
Há um aspecto que até então vinha sendo aplicado de forma bilateral pela Justiça americana em casos similares, e agora virou regra aceita também no Brasil e na Suíça. Pelos próximos três anos, Odebrecht e Braskem serão monitoradas na implementação e acompanhamento de suas políticas anticorrupção. Haverá um ou mais responsáveis nomeados pelas próprias empresas e ao menos um terceiro, escolhido pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Na inovação dessa supervisão interna e externa, as empresas aceitaram fornecer acesso a todas as informações, documentos, registros, instalações e empregados, solicitados pelo monitor no âmbito do acordo de leniência.
Os casos Odebrecht e Braskem estão apenas começando, do ponto de vista judicial, mas já é possível antever que o impacto será profundo na vida das companhias privadas brasileiras e nas suas relações com agentes públicos. Isso é necessário e bom. No mínimo, porque contribui para deixar mais saudável o ambiente de negócios no país.
24 de dezembro de 2016
Editorial O Globo
Ministério Público e Judiciário brasileiros encontraram a rota para uma relevante mudança de padrão de qualidade e eficiência
Tem importância histórica o inédito acordo de leniência fechado simultaneamente por Ministério Público do Brasil, Estados Unidos e Suíça com Odebrecht e Braskem, líderes em construção e petroquímica na América Latina.
As empresas se renderam diante das evidências colhidas em ano e meio de investigações nos três países. Aceitaram a imposição de punições duríssimas — o recorde mundial de multa (R$ 6,9 bilhões) é mera expressão monetária da dimensão das sanções.
Reconheceram em juízo, e com detalhes, a rotina de corrupção que sustentou boa parte de seus negócios e lucros por mais de uma década por Brasil, Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. E admitiram o uso do sistema financeiro no Brasil, nos EUA e na Suíça para lavar o dinheiro usado no pagamento de propinas.
Serão amplas, profundas e diversificadas as consequências desse acordo.
Na política doméstica brasileira, efeitos já eram esperados com inevitáveis turbulências no Congresso, no Executivo federal e noestadual e nas organizações partidárias, a partir da divulgação dos detalhes das investigações e dos depoimentos dos executivos protagonistas.
Além-fronteira, é possível antever sequelas como a abertura de processos criminais nos EUA e na União Europeia contra indivíduos — empresários, funcionários públicos e agentes políticos —, nacionais do Brasil, dios EUA, da Suíça e de outros 11 países, com participação comprovada nessa rede internacional de corrupção.
O acordo de leniência especifica que, existindo acusação, não será admitida “qualquer proteção a qualquer indivíduo”, vinculado ou não à Odebrecht e à Braskem. Até porque, pelos termos divulgados, os principais gestores não se mostraram capazes de “disciplinar os próprios empregados”. Eles protagonizavam a má conduta, e a mudança de curso nas empresas somente se tornou possível “após a renúncia da alta administração”.
Indica, nos fundamentos, que o Ministério Público e o Judiciário brasileiros encontraram a rota para uma relevante mudança nos seus padrões de qualidade e eficiência, coerente com a exigência característica da democracia moderna de transparência na eficaz defesa do interesse público.
Desde o início da Operação Lava-Jato, em março de 2014, debatem-se aspectos — inclusive formais — dos procedimentos do Ministério Público e do Judiciário. Não são poucas as queixas dos políticos investigados, por exemplo.
Na essência, porém, houve avanço: em apenas 33 meses foi desvendado e levado à Justiça um caso de corrupção de agentes públicos extremamente complexo, com farta produção de provas sobre os fatos da última década, e com um padrão operacional de qualidade suficiente para provocar o interesse, a adesão e a iniciativa do aparelho policial e judiciário dos EUA e da Suíça — inclusive com transferência de jurisdição penal, no caso suíço, para o Brasil.
É notável, também, a cooperação fluida entre órgãos de controle e fiscalização dos três países, que incluiu a montagem de força-tarefa específica (Brasil-Suíça).
Houve agilidade coordenada nas ações desenvolvidas nos três países, somando cuidados na interação. Os termos desse acordo multinacional são definitivamente severos, como prescrevem as leis americanas e europeias contra crimes de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro no comércio internacional, em harmonia com a legislação brasileira — mais recente.
O capítulo sobre a forma de execução e punições foi costurado a não deixar alternativa aos infratores: submetem-se de forma integral às penalidades das leis dos três países — o que inclui confissão e colaboração enquanto durar a investigação — sob pena de rescisão do compromisso de leniência nos três países. No limite, fica em jogo a sobrevivência das próprias empresas.
Há mais. Entre as consequências para o Brasil está a drástica mudança comportamental que será disseminada no ambiente corporativo, com reflexos diretos a médio prazo no cotidiano das relações com o Estado, nos formatos de compras governamentais, nas auditorias contábeis e nos controles financeiros, na prestação de informações das empresas ao público, na pedagogia da ética negocial para acionistas, empregados, colaboradores e fornecedores.
Corrupção e lavagem de dinheiro em comércio internacional são delitos que precisam de prevenção cotidiana no universo empresarial em qualquer país. No Brasil, a partir deste marco, as empresas enfrentam riscos de punições duras, como no caso Odebrecht e Braskem, que estarão submetidas a uma espécie de intervenção judicial, multinacional, nos seus negócios.
O acordo estabelece, entre outras coisas, que diretores e gerentes seniores devem deixar “explícita e visível” sua política corporativa contra violações de leis anticorrupção e escrever um código de conformidade.
Tais normas internas serão aplicáveis e, se necessário, adequadas a terceiros que agem em nome das empresas em jurisdição estrangeira, incluindo (mas não limitado a) agentes e corretores, consultores, representantes, revendedores, parceiros de trabalho em equipe, empreiteiros e fornecedores, consórcios e parceiros de “joint venture”. Essas políticas e procedimentos abrangem oferta de brindes, convites e recepções, entretenimento, contribuições políticas, doações e patrocínios de caridade, e, claro, extorsão e subornos.
Há um aspecto que até então vinha sendo aplicado de forma bilateral pela Justiça americana em casos similares, e agora virou regra aceita também no Brasil e na Suíça. Pelos próximos três anos, Odebrecht e Braskem serão monitoradas na implementação e acompanhamento de suas políticas anticorrupção. Haverá um ou mais responsáveis nomeados pelas próprias empresas e ao menos um terceiro, escolhido pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Na inovação dessa supervisão interna e externa, as empresas aceitaram fornecer acesso a todas as informações, documentos, registros, instalações e empregados, solicitados pelo monitor no âmbito do acordo de leniência.
Os casos Odebrecht e Braskem estão apenas começando, do ponto de vista judicial, mas já é possível antever que o impacto será profundo na vida das companhias privadas brasileiras e nas suas relações com agentes públicos. Isso é necessário e bom. No mínimo, porque contribui para deixar mais saudável o ambiente de negócios no país.
24 de dezembro de 2016
Editorial O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário