Os políticos brasileiros têm uma dívida moral gigantesca com o país. Precisam começar a saldá-la
A palavra de ordem no Brasil de hoje, mais que ajuste fiscal, é “ajuste moral”. Por isso o novo slogan nas redes sociais é #ForaLadrao, apartidário e impessoal. Ele abarca a todos. Não só aos ladrões de bilhões de reais ou dólares, mas aos vândalos de sonhos, ideais e convicções. Ladrões da inclusão social, das estatais, dos direitos a um voto limpo, ladrões da paz, da educação e da saúde. Os presidentes – a destituída e o entronado –, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados, os vereadores, todos têm uma dívida moral gigantesca com o país. Algumas medidas são urgentes para começar a saldar essa dívida.
A cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É uma ironia que possa ser cassado apenas por “quebra de decoro”, mas é assim que a banda toca. Acusado de mentir à CPI da Petrobras ao negar conta na Suíça em seu nome, Cunha esperneia há dez longos meses. Precisa ser punido exemplarmente, em nome da moralidade. Que Cunha não seja apenas suspenso, como quer. O Brasil deseja que ele perca seu mandato e se torne inelegível.
O veto ao aumento indecente para o Judiciário num momento de crise econômica profunda, em que a comida desaparece da mesa do povo e o emprego some do cotidiano. A nova presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira, é uma esperança de austeridade, com sua dedicação quase monástica à vida pública. “Não gosto muito de festas. Eu gosto é de processo”, disse a ministra do Supremo, que já se expressou contra altos gastos no Poder Judiciário.
O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.
O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.
A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.
O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral.O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.
Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência.
Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.
13 de setembro de 2016
Ruth de Aquino, Revista Época
A palavra de ordem no Brasil de hoje, mais que ajuste fiscal, é “ajuste moral”. Por isso o novo slogan nas redes sociais é #ForaLadrao, apartidário e impessoal. Ele abarca a todos. Não só aos ladrões de bilhões de reais ou dólares, mas aos vândalos de sonhos, ideais e convicções. Ladrões da inclusão social, das estatais, dos direitos a um voto limpo, ladrões da paz, da educação e da saúde. Os presidentes – a destituída e o entronado –, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados, os vereadores, todos têm uma dívida moral gigantesca com o país. Algumas medidas são urgentes para começar a saldar essa dívida.
A cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É uma ironia que possa ser cassado apenas por “quebra de decoro”, mas é assim que a banda toca. Acusado de mentir à CPI da Petrobras ao negar conta na Suíça em seu nome, Cunha esperneia há dez longos meses. Precisa ser punido exemplarmente, em nome da moralidade. Que Cunha não seja apenas suspenso, como quer. O Brasil deseja que ele perca seu mandato e se torne inelegível.
O veto ao aumento indecente para o Judiciário num momento de crise econômica profunda, em que a comida desaparece da mesa do povo e o emprego some do cotidiano. A nova presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira, é uma esperança de austeridade, com sua dedicação quase monástica à vida pública. “Não gosto muito de festas. Eu gosto é de processo”, disse a ministra do Supremo, que já se expressou contra altos gastos no Poder Judiciário.
O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.
O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.
A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.
O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral.O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.
Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência.
Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.
13 de setembro de 2016
Ruth de Aquino, Revista Época
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