"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

A ESCOLHA DE CUNHA



Antes de tudo, é preciso deixar claro: Cunha está longe de ser inocente e sua cassação não configura nenhum “golpe”. Ele quebrou o decoro e mereceu seu destino. Esses são os fatos. Logo, nada do que eu escrever aqui significa advogar por sua inocência.

Mas precisamos ser adultos: Eduardo Cunha não é o deputado mais corrupto do Brasil. Perto de algumas figuras ele é apenas um “ladrão de galinhas”. Entretanto, seu destino é justo por ele ter escolhido não entrar de cabeça na guerra de narrativas.

Seu destino foi selado a partir do dia em que o PT disse: “vou lhe desconstruir”. Cunha poderia ter revertido seu destino se partisse para a guerra de rótulos e fosse para o ataque no estilo “no holds barred” (sem piedade). Ele foi rotulado de gangster, de psicopata, de mafioso e, em momento algum, resolveu ir para esse tipo de combate verbal. Poderia ter combinado com aliados para todos rebaterem os petistas nesse mesmo tom. Mas ao escolher o caminho do discurso frouxo, validou os ataques adversários, desanimou aliados e conquistou a proeza de alcançar níveis recordes de rejeição.

Seria impossível que conquistasse resultado diferente. Com algumas semanas de desconstrução petista sobre suas cabeças, Marina e Aécio conquistaram até índices maiores de rejeição do que Dilma na eleição de 2014. Com vários e vários meses deste mesmo nível de desconstrução sobre a cabeça de Cunha, era óbvio que ele alcançaria nível absurdo de rejeição. A partir desse momento, PGR, MPF e STF se sentiram livres para avançar, de forma que não fariam se ele não estivesse tão desconstruído.

O processo poderia ter sido revertido se ele aumentasse o tom e usasse todos os rótulos lançados contra ele na direção de Dilma e dos petistas. Não quis fazer isso. Por longos meses, esperávamos que ele atacasse o PT a ponto de tornar o processo de impeachment menos doloroso. Optou pela catatonia política, apanhando calado. Nem parecia coisa de uma pessoa adulta.

Perguntávamos: “Será que ele perdeu os culhões? Por que ele não revida? Por que ele não chama o Jean Wyllys de gangster? Por que não chama Silvio Costa de mafioso?”. Do lado de Cunha, só ouvíamos o barulho do grilo.

Algumas crianças políticas dirão: “Ele tinha culpa no cartório, por isso não bateu”. A alegação não faz sentido, pois os petistas tinham culpa no cartório em escala muito maior e batiam (e continuam batendo) com gosto em seus adversários. Logo, Cunha não bateu em Dilma e nos petistas por um único motivo: não quis.

Pode parecer um tanto niilista dizer que “escolher não adentrar a guerra de narrativas” foi o fator decisivo na derrocada de Cunha, mas esta é a única verdade. As investigações sobre Cunha não são mais graves do que as investigações sobre Gleisi ou Renan, só que a primeira vive sempre na posição mais confortável (de desconstruir adversários) enquanto o segundo não foi alvo de desconstrução. Mas já que Cunha estava sendo desconstruído, deveria desconstruir o adversário de volta.

Em ritmo de desconstrução contínua – e levada a cabo por tantos meses – a reputação de Cunha foi lançada no lixo. Com isso, aos poucos ninguém podia mais ficar ao seu lado. Se ele resolvesse desconstruir Dilma e o PT, talvez teríamos sofrido muito menos e o impeachment tivesse ocorrido há muito mais tempo, e com muito mais facilidade.

Seja lá como for, o impeachment aconteceu. Cunha fez sua obrigação de aceitar o pedido, mas foram os deputados (e depois os senadores) que tiraram Dilma do poder, e não poderiam ter agido de maneira diferente. Mas é claro que se Cunha atacasse os petistas em larga escala – e usando termos fortes, como aqueles que Jean Wyllys e Silvio Costa utilizaram contra ele – tudo teria sido mais fácil.

Cunha, então, escolheu seu destino: optou por ficar na posição onde estava sendo desconstruído dia após dia, sem qualquer custo para seu oponente. Se ele hoje alcançou uma posição indefensável, foi unicamente por sua escolha política.

No futuro, estudaremos casos como o de Aécio Neves nas eleições de 2014, e especialmente de Eduardo Cunha durante 2015 e 2016. No fundo, vemos pessoas que – talvez por arrogância – resolveram afrouxar no discurso perante a extrema-esquerda. O resultado é o de sempre: taxa de rejeição aumentada ao nível da estratosfera.

Se Cunha tivesse escolhido levantar o tom, traria problemas para seus adversários. Independente de sua culpa ou não nos casos de corrupção, nem daria para apoiar alguém que optou pelo discurso frouxo por tanto tempo. E é aí que reside o aspecto mais belo da política: ela é quase toda baseada em escolhas.

Agora é momento de Cunha refletir, pois ele escolheu seu destino. E ainda levamos de brinde uma bela lição sobre política, que, em sua perspectiva mais moderna, não é mais o território daqueles que optam por apanhar calado.


13 de setembro de 2016
in ceticismo político

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