"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

PÁTRIA OU MORTE NA VENEZUELA

A primeira tarefa que espera um governo de transição no país será a reconstrução das bases da convivência social

Atrajetória da Venezuela desde que Hugo Chávez ingressou na política em 1992, por meio de um golpe de Estado sangrento, fornece material para as crônicas do subdesenvolvimento. O processo mediante o qual, à base de carisma, um personagem ignorante consegue dominar um país, é parte da experiência venezuelana recente, cujas facetas se prestam à abordagem literária.

O romance histórico “Pátria o Muerte” (“Pátria ou morte”), do escritor venezuelano Alberto Barrera Tyszka, descreve a forma como transcorreram os últimos anos de Hugo Chávez, desde o momento em que se detectou o câncer que viria a pôr fim à sua vida. É o relato da agonia, em um centro médico cubano, do líder que aspira a se converter na reencarnação de Simón Bolívar. Ao mesmo tempo, é a descrição seca de uma nação na qual a vida cotidiana se degradou de forma dramática.

O protagonista do romance, Miguel Sanabria, é um médico aposentado que tenta se alienar da realidade e manter uma postura equidistante entre o antichavismo de sua mulher e o fervor bolivariano de seu irmão comunista, Antonio. A realidade irrompe em sua vida quando um sobrinho, que faz parte do regime, lhe pede que esconda o telefone celular por meio do qual um guarda pessoal de Chávez havia gravado seu chefe antes da operação. Além disso, sua posição como presidente do conselho do condomínio obriga Sanabria a se ocupar do caso de um jornalista desempregado que se recusa a entregar à proprietária o apartamento que aluga.

“Justamente o que tanto tratara de evitar, enfim, estava chegando: o país. Sanabria havia passado mais de dez anos tratando de viver às margens da realidade, esquivando-se dos conflitos, tentando que isso que chamam de a Revolução não o tocasse.” (...) “O país sempre estava a ponto de explodir, mas nunca explodia. O pior: vivia explodindo lentamente, pouco a pouco, sem que ninguém se desse muita conta.”

Sanabria considera que, para a geração de Antonio, “o governo começou a propor uma espécie de parque temático dos anos 70. Às vezes, o país parecia um espaço onde ocorriam as nostalgias”. Nas discussões com seu irmão, Sanabria desabafava: “Voltamos ao passado. Voltamos aos caudilhos. Aos quartéis. Essa é nossa história. O melhor investimento econômico que se pode fazer na Venezuela é dar um golpe de Estado.”

A narrativa descreve a cessão de soberania do governo a Cuba; a forma como o medo e a suspeita permearam a sociedade; e os extremos aos quais chegaram o culto à personalidade e o endeusamento de Chávez.

O regime parece se aproximar de uma etapa terminal. O que se depreende do livro de Barrera é a enormidade da tarefa que espera um eventual governo de transição. Além de reconstruir as instituições e a economia, será necessário começar por restabelecer as bases da convivência social.



13 de setembro de 2016
Rodrigo Botero Montoya, O Globo

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