É certo que vivemos em um mundo virtual, em que as pessoas acima da faixa de pobreza passaram a viver acopladas a seus computadores ou celulares, em conexão a alguma rede e trocando informações incessantemente. À primeira vista, essa nova situação social poderia indicar que está a ocorrer um aprimoramento intelectual da sociedade. Afinal, se existe essa facilidade de comunicação e troca de informações, é claro que a transmissão do conhecimento também teria de se ampliar. Mas as aparências sempre enganam. Na verdade, é mais provável que esteja acontecendo um retrocesso intelectual, a partir da robotização e idiotização da sociedade automatizada, conforme anteviu o genial escritor inglês George Orwell (que nasceu na Índia e se chamava Eric Arthur Blair), em sua obra “1984”.
O EXEMPLO DO BRASIL – Vejam bem o que está ocorrendo no Brasil e tirem suas conclusões. Na terça-feira à noite, o ministro Luís Roberto Barroso, com total conhecimento de causa, anunciou publicamente a falência operacional do Supremo Tribunal Federal, mas os jornais publicaram a notícia sem maior destaque, nenhum deles abriu manchete e houve até sites e portais que preferiram dar mais importância ao possível aumento salarial dos ministros do STF, vejam a que ponto de esculhambação e omissão chegamos.
É como se a denúncia de Barroso não tivesse importância, fosse apenas mais um comentário despretensioso sobre assuntos internos do Judiciário, que interessam exclusivamente aos magistrados e não têm maior interesse para os demais brasileiros. Ou seja, a grande mídia não percebe que a falência do Supremo significa a própria derrocada da Justiça em nosso país.
NOS TRÊS PODERES – Além da modesta cobertura da imprensa para tão grave notícia, a repercussão do fato nos três Poderes da República simplesmente não existiu. O presidente da República não fez qualquer comentário, porque a grande preocupação no Planalto nesta quarta-feira foi a presença da primeira-dama Marcela Temer em sua primeira cerimônia oficial em palácio.
No Congresso, também não houve repercussão. Foi como se nada tivesse acontecido. Tanto assim que o líder do governo no Senado, Aloysio Nunes, preferiu tratar da questão do aumento salarial dos ministros do Supremo, ao invés de colocar em discussão a falência operacional da mais importante corte do país.
E no Supremo a denúncia de Luís Roberto Barroso também passou despercebida. Não houve nota oficial do presidente Ricardo Lewandowski e nenhum dos outros ministros se animou a comentar a gravidade da crise do tribunal.
UM PAÍS OMISSO – O que se esperava, num país minimamente sério, é que as autoridades dessem importância à denúncia e passassem imediatamente a discutir um projeto de emergência, destinado a restabelecer as condições operacionais do Supremo, no mais curto espaço de tempo.
O ministro Barroso até adiantou o que precisa ser feito e que depende de emenda constitucional ou lei complementar: 1) acabar com o foro privilegiado; 2) atribuir ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento final das ações penais, liberando o Supremo dessa obrigatoriedade.
Outras providências sugeridas por Barroso dependem do próprio Supremo, como a edição de “repercussões gerais” (orientações técnicas aos outros tribunais). Atualmente, há 320 repercussões gerais à espera de decisão do plenário do STF, que só conseguiu julgar 11 no primeiro semestre deste ano.
“Fiz a conta apressadamente: faltam 14 anos e meio para julgar todo o estoque. Jurisdição que é prestada em 14 anos é evidentemente negação de jurisdição. Não é possível que só eu esteja aflito com isso”, disse Barroso.
FALÊNCIA OPERACIONAL – Não adianta alegar que a denúncia do ministro trata de questões já conhecidas. O fato concreto é que o Supremo entrou em colapso operacional. Para se ter uma ideia da situação, basta dizer que o decano Celso de Mello leva, em média, 679 dias para publicar os acórdãos que relata. Isso significa que o Supremo precisa urgentemente estabelecer prazo fatal de publicação dos acórdãos, para que enfim possam ser cumpridos. De que adianta julgar e não cumprir? Esta situação é inaceitável.
A denúncia do ministro Barroso tem a máxima importância, porque demonstra que está garantida a impunidade da maioria dos parlamentares envolvidos na Lava Jato. Como o Supremo não tem condições de conduzir o grande número de inquéritos e processos, a tendência é de que esses políticos corruptos continuem se elegendo, porque o Supremo não conseguirá julgá-los e seus crimes acabarão prescritos, como recentemente aconteceu com o senador Jader Barbalho.
Não há dúvida de que esse direito à impunidade, garantido pela letargia do Supremo, é um dos mais graves problemas do país. Barroso cumpriu seu dever, ao fazer a denúncia. Mas quem se interessa? Que país é esse, Francelino Pereira?
04 de agosto de 2016
Carlos Newton
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