O problema da judicialização da saúde continua a se agravar, tanto com ações contra os planos como contra municípios, Estados e a União. Em uns, clientes insatisfeitos reclamam atendimentos os mais diversos. Em outros, pedem acesso a tratamentos e medicamentos caros, nacionais ou importados, não oferecidos pela rede de saúde pública. Em ambos os casos, nos termos em que a questão está posta, a satisfação de uns pode representar prejuízos para os demais, o que não é aceitável.
Estimativa feita pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) sobre o gasto desse setor para atender a demandas judiciais dá uma ideia, como mostra reportagem do Estado, da dimensão que o problema está adquirindo. Ele dobrou nos últimos dois anos, pulando de R$ 558 milhões em 2013 para R$ 1,2 bilhão no ano passado. Uma despesa que segundo essa entidade desequilibra o setor de saúde privada e acaba por prejudicar os próprios clientes, já que ela é repassada para as mensalidades.
Em outras palavras, os responsáveis pelo problema seriam os clientes que recorrem à Justiça para ter acesso a terapias e remédios a que julgam ter direito e que lhes são negados pelos planos. Segundo estes, suas obrigações estão claramente expostas nos contratos e por eles são observadas. Pedro Ramos, diretor da Abramge, admite que há clientes cujas reclamações são procedentes, mas esse não é o caso de muitos outros. As coisas não são tão simples assim.
Cálculos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam que daquele total de R$ 1,2 bilhão, pelo menos R$ 320 milhões – praticamente um quarto – foram gastos pelos planos com procedimentos não cobertos em contrato, ou seja, aqueles a que os clientes não tinham de fato direito. Deduz-se que os outros três quartos se refiram a algo que lhes era devido. Na maioria das ações, portanto, as queixas dos clientes procediam. É de supor que o repasse para as mensalidades deve ter se limitado aos R$ 320 milhões.
Os valores referentes às ações judiciais contra municípios, Estados e a União – pedindo desde fraldas geriátricas até modernos medicamentos contra câncer que ainda não foram registrados no País e mesmo a tratamentos no exterior – são muito maiores. Apenas em São Paulo, a Secretaria Estadual de Saúde calcula que já se gasta R$ 1 bilhão por ano com isso. O número de ações quase dobrou de 2010 (9.385) até o ano passado (18.045).
Outro dado importante: 70% das receitas dos medicamentos e tratamentos concedidos pela Justiça em São Paulo são dadas por médicos da rede privada, ou seja, para pacientes de renda média ou elevada que podem pagá-los.
Tudo isso levou o secretário de Saúde, David Uip, a advertir, em meados do ano passado, que era preciso “avançar na discussão (do problema), porque isso vai ficar inadministrável”. Quem paga a conta, nesse caso, é o conjunto da população com seus impostos. Todos têm o direito de buscar os remédios e tratamentos de que precisam, mas, como os recursos são escassos, em muitos casos isso acaba por se tornar possível apenas em detrimento dos que não têm meios para recorrer à Justiça, o que é inaceitável.
Felizmente, providências já começaram a ser tomadas para tentar evitar essas distorções. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a ANS devem firmar um termo de cooperação para oferecer subsídios técnicos aos juízes para que possam tomar suas decisões. Ambos participarão de núcleos de solução de conflitos referentes a essa matéria a ser criados nos Tribunais de Justiça estaduais.
Como diz o supervisor do Fórum de Saúde do CNJ, Arnaldo Hossepian Junior, “o juiz sabe Direito, mas não sabe Medicina, e temos a possibilidade de criar um mecanismo que conforte o magistrado quando ele for dar a decisão”.
Isso tem tudo para melhorar a qualidade técnica das decisões, de forma a tornar mais justa a repartição de recursos públicos, por um lado, e salvaguardar os direitos tanto dos clientes quanto dos planos de saúde, por outro.
10 de maio de 2016
Editorial O Estadão
Estimativa feita pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) sobre o gasto desse setor para atender a demandas judiciais dá uma ideia, como mostra reportagem do Estado, da dimensão que o problema está adquirindo. Ele dobrou nos últimos dois anos, pulando de R$ 558 milhões em 2013 para R$ 1,2 bilhão no ano passado. Uma despesa que segundo essa entidade desequilibra o setor de saúde privada e acaba por prejudicar os próprios clientes, já que ela é repassada para as mensalidades.
Em outras palavras, os responsáveis pelo problema seriam os clientes que recorrem à Justiça para ter acesso a terapias e remédios a que julgam ter direito e que lhes são negados pelos planos. Segundo estes, suas obrigações estão claramente expostas nos contratos e por eles são observadas. Pedro Ramos, diretor da Abramge, admite que há clientes cujas reclamações são procedentes, mas esse não é o caso de muitos outros. As coisas não são tão simples assim.
Cálculos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) indicam que daquele total de R$ 1,2 bilhão, pelo menos R$ 320 milhões – praticamente um quarto – foram gastos pelos planos com procedimentos não cobertos em contrato, ou seja, aqueles a que os clientes não tinham de fato direito. Deduz-se que os outros três quartos se refiram a algo que lhes era devido. Na maioria das ações, portanto, as queixas dos clientes procediam. É de supor que o repasse para as mensalidades deve ter se limitado aos R$ 320 milhões.
Os valores referentes às ações judiciais contra municípios, Estados e a União – pedindo desde fraldas geriátricas até modernos medicamentos contra câncer que ainda não foram registrados no País e mesmo a tratamentos no exterior – são muito maiores. Apenas em São Paulo, a Secretaria Estadual de Saúde calcula que já se gasta R$ 1 bilhão por ano com isso. O número de ações quase dobrou de 2010 (9.385) até o ano passado (18.045).
Outro dado importante: 70% das receitas dos medicamentos e tratamentos concedidos pela Justiça em São Paulo são dadas por médicos da rede privada, ou seja, para pacientes de renda média ou elevada que podem pagá-los.
Tudo isso levou o secretário de Saúde, David Uip, a advertir, em meados do ano passado, que era preciso “avançar na discussão (do problema), porque isso vai ficar inadministrável”. Quem paga a conta, nesse caso, é o conjunto da população com seus impostos. Todos têm o direito de buscar os remédios e tratamentos de que precisam, mas, como os recursos são escassos, em muitos casos isso acaba por se tornar possível apenas em detrimento dos que não têm meios para recorrer à Justiça, o que é inaceitável.
Felizmente, providências já começaram a ser tomadas para tentar evitar essas distorções. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a ANS devem firmar um termo de cooperação para oferecer subsídios técnicos aos juízes para que possam tomar suas decisões. Ambos participarão de núcleos de solução de conflitos referentes a essa matéria a ser criados nos Tribunais de Justiça estaduais.
Como diz o supervisor do Fórum de Saúde do CNJ, Arnaldo Hossepian Junior, “o juiz sabe Direito, mas não sabe Medicina, e temos a possibilidade de criar um mecanismo que conforte o magistrado quando ele for dar a decisão”.
Isso tem tudo para melhorar a qualidade técnica das decisões, de forma a tornar mais justa a repartição de recursos públicos, por um lado, e salvaguardar os direitos tanto dos clientes quanto dos planos de saúde, por outro.
10 de maio de 2016
Editorial O Estadão
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