"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 10 de maio de 2016

CRISE E DIÁLOGO

O mal do debate não é a radicalização, mas o caráter quase sempre raso dos argumentos

Creio que vale a pena refletir sobre a natureza do debate na sociedade ao longo desses tumultuados meses. 
A observação mais disseminada diz respeito à critica à polarização acentuada entre os dois lados (pró e contra o impedimento da presidente ) e à falta de cordialidade que a tensão teria trazido ao cotidiano de todos, nas conversas orais ou pelas redes sociais.

As notícias são sobre conflitos familiares, entra e sai em grupos nas redes, ocasionais episódios de agressão verbal em espaços públicos e lamentações sobre a perda de civilidade nas conversas.

Discordo completamente dessa visão. Não vejo nada demais na polarização, e os episódios com falta de educação são parcela ínfima do total de debates entre as dezenas de milhões de brasileiros. 
Um papo furado aqui, um boneco do Lula rasgado acolá, xingamentos divertidos dos dois lados (coxinhas contra mortadelas), dois ou três tapas fingidos em manifestações em todo o pais.

Pelo contrário, em um pais “doentiamente autocomplacente” (palavras de Tom Zé), a polarização e uma maior definição das opiniões são muito bem-vindas.

Até mesmo nas universidades e escolas brasileiras prevalece quase sempre um relativismo cultural que torna muito difícil um diálogo verdadeiro. 
Todas as opiniões têm o mesmo valor, não importando em quase nada a consistência com as evidencias e a coerência interna das argumentações.

Como sempre nos ensina o mestre Roberto DaMatta, nós, brasileiros, somos prisioneiros de fronteiras indefinidas entre a casa e a rua, entre os códigos de honra e os laços pessoais e familiares e as regras e leis da sociedade. 
Aqui, na “rua”, é vergonhoso perder uma discussão e, portanto, ofensivo ganhar uma discussão.

O mal do debate nas ruas e redes sobre a crise e o impedimento provável da presidente não é a radicalização ou a perda de cordialidade. 
O mal é a superficialidade, o caráter quase sempre raso dos argumentos, a incapacidade ou desinteresse em ouvir o outro para poder melhorar a própria argumentação ou mudar de opinião.

Em aula magna na PUC proferida pelo cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, sobre a “A ética na ‘Laudato Si’” (a extraordinária encíclica papal sobre as mudanças climáticas), aprendi que diálogo não quer dizer apenas por intermédio de (dia) palavras (logos ), mas que em grego dia também significa passagem, movimento, aprofundar...

O que precisamos no Brasil é de dialogo, polarizado se for o caso, mas onde argumentos e opiniões se encontrem de verdade e se aprofundem. 
Talvez um dos maiores passivos intangíveis deixados pelo encerrado ciclo do lulopetismo tenha sido reforçar nosso relativismo cultural através da divisão dos brasileiros entre bons e maus, explorados e exploradores, golpistas e democratas, tornando qualquer dialogo substantivo uma quase impossibilidade.

10 de maio de 2016
Sérgio Besserman Vianna é economista

Nenhum comentário:

Postar um comentário